Uma manifestação pacífica idealizada por membros da sociedade civil não organizada de Boa Vista marcou a tarde dessa sexta-feira, 9. Por volta das 17h, dezenas de pessoas se reuniram na Praça do Centro Cívico em um movimento pela paz e a não violência, com o intuito de prestar solidariedade aos imigrantes venezuelanos e expressar o sentimento de indignação aos constantes eventos xenófobos.
Para Vanessa Epifânio, uma palavra de paz e conscientização da sociedade como um todo são um começo para mudanças, tendo em vista a falta de previsão para que a Venezuela se estabilize novamente. Diante do último ataque à uma família venezuelana, Vanessa pediu para que o crime não seja esquecido pelos órgãos competentes, a fim de que os envolvidos sejam punidos.
Em meio a uma imigração cada vez mais desenfreada, em que venezuelanos carregam inúmeras bagagens de esperança, ela pede um pouco de humanidade. “Eles chegam aqui e recebem uma sociedade xenofóbica. Nosso repúdio hoje é em relação a esses últimos crimes que aconteceram. Não temos certeza se o ataque à família foi um crime xenofóbico, mas é o que parece. Hoje são eles, amanhã pode ser a gente”, disse.
Indignado com o auge da xenofobia divulgada nos últimos dias, o professor Gustavo Simões decidiu participar do movimento para prestar solidariedade aos imigrantes venezuelanos que ocupam o mesmo espaço e também buscam oportunidade. “Não podemos esquecer que Roraima é uma terra de migrantes, que saíram do Brasil, mas que vieram colonizar e contribuir”, frisou.
Prestar solidariedade às vítimas do ato de violência que vem acontecendo e manifestar apoio à questão humanitária dos imigrantes. Esse foi o objetivo do professor Paulo Ricardo Pinheiro. “É uma questão complexa e delicada. Tenho escutado muitas posições e opiniões contrárias, mas tenho a convicção de que devemos ser solidários junto aos imigrantes que estão nessa situação tão difícil”, relatou.
Há um ano e meio morando em Boa Vista, a musicista Adriana Moncada saiu da Valencia com o namorado em busca de um novo começo, deixando para trás toda a família. Atualmente, Adriana trabalha em uma fundação que atua junto a crianças em situação de vulnerabilidade. No entanto, lembra-se da dificuldade que enfrentou para conseguir um emprego quando chegou à cidade. Em meio ao cenário atual, contou a diferença que sentiu em relação a recepção.
“Era difícil encontrar um venezuelano, mas hoje… Como um pedaço de terra pode dividir tantas pessoas? Porque é só isso, ninguém vê a fronteira. A Venezuela é um país feito por migrantes e Boa Vista também. Eu conheço pouquíssimos boa-vistenses, quase todo mundo é do Maranhão, Amazonas e Pará. Aí eu vejo pessoas xenófobas em relação aos imigrantes, e quando eu pergunto, nem elas são daqui”, constatou.
Na mesma época em que Adriana chegava também se instalava na Capital, o jesuíta da Pastoral Universitária, padre Ronilson Braga, com o objetivo de ajudar e animar a Pastoral Universitária local. Com menos de um mês em Boa Vista, quando percebeu que o cenário de imigração era forte, deu início aos trabalhos de cooperação.
Junto a instituições e demais Organizações Não Governamentais (ONGs), cerca de 40 voluntários foram reunidos para ajudar os imigrantes com questões de documentação na Polícia Federal (PF). Após isso, era hora de auxiliar com o direito a moradia e a busca por trabalho. Para tanto, receberam apoio de países e outros Estado, tendo em vista a ausência do Governo Federal em relação a Roraima.
“Estive seis meses na Venezuela, já trabalhei em Roma e em outros sete países. Essa situação é global. Mas aqui, senti um fechamento em relação aos governos. É a sociedade civil que está acompanhando e ajudando os imigrantes. Como padre jesuíta e religioso, o nosso serviço não tem fronteiras. Migrar é um direito e é muito pequeno pensar em fronteira quando se olha do céu”, pontuou. (A.G.G)
ONG Conectas repudia ataques a venezuelanos
A organização não-governamental Conectas Direitos Humanos, que atua em Roraima auxiliando imigrantes, publicou nota de repúdio aos dois ataques com indícios xenofóbicos contra venezuelanos. Para a coordenadora de programas da Conectas, Camila Asano, os ataques xenofóbicos são resultados da falta de uma resposta clara e articulada dos poderes federais, estadual e municipais na acolhida adequada do recente fluxo migratório de venezuelanos para o Brasil. De acordo com dados da Polícia Federal, até o final do ano passado cerca de 30 mil venezuelanos solicitaram residência ou refúgio no Brasil. Eles fogem da crise econômica e humanitária que afeta o país vizinho.
“Enquanto o Governo Federal tem sido omisso, os governos do Estado de Roraima e a Prefeitura de Boa Vista têm oferecido soluções desarticuladas. O resultado é uma atmosfera de desinformação e aumento da xenofobia entre a população local. Os acontecimentos dessa semana ilustram como a inadequada resposta do Poder Público pode alimentar reações de xenofobia, resultando em mais riscos de violência contra um contingente de pessoas que vieram ao país em situação de extrema fragilidade”, frisou.
Em nota, mais de 75 organizações e indivíduos, entre elas a Conectas, expressaram seu repúdio aos ataques, que atribuem às falhas das políticas públicas: “A omissão do Estado tem fomentado reações negativas na sociedade local, muitas vezes propagando estereótipos, mitos e xenofobia. Os crimes de cunho xenofóbicos ocorridos nessa semana em Boa Vista demonstram de forma tragicamente vívida a nefasta consequência da falta de uma política migratória eficaz e coerente. (…) Medidas urgentes de acolhimento às famílias em situação de vulnerabilidade, integração local e interiorização não podem mais tardar”.
RECOMENDAÇÕES – Em missão recente a Roraima, Amazonas e Pará, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), do qual a Conectas é parte, visitou as cidades de Boa Vista e Pacaraima, na fronteira venezuelana. A partir de interlocução com os poderes públicos, sociedade civil e visitas aos abrigos de venezuelanos indígenas e não indígenas, os integrantes da missão realizaram recomendações para uma acolhida adequada desse novo fluxo migratório.
De acordo com o texto aprovado pela plenária do CNDH em 31 de janeiro, é essencial o envolvimento do Governo Federal a partir da criação de um gabinete de gestão migratória, que coordene políticas nos três níveis de governo. O CNDH também propôs um plano de interiorização dos migrantes para outras regiões do Brasil, além de protocolos de atendimento à população indígena, parte considerável do fluxo migratório de venezuelanos ao Brasil.