Cotidiano

Cerca de 100 imigrantes continuam morando em prédio abandonado

Homem ligado ao Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados orientava imigrantes sobre desocupações de propriedades particulares

Um dia depois da polêmica em torno de um vídeo em que um suposto advogado ligado a uma organização não governamental orienta imigrantes em caso de desocupações de propriedades particulares, o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR), associação na qual o homem é filiado, prestou esclarecimentos do caso. 

A organização reforçou que o vídeo foi gravado no final de junho, depois que policiais supostamente retiraram imigrantes de um prédio abandonado. O homem que aparece no vídeo foi convocado pela representante da Pastoral Universitária, Tehany Barros, que contou que no dia do incidente os imigrantes entraram em contato com ela, dizendo que estavam sendo ameaçados pela polícia e precisavam do apoio das ONGs.

“Eu tenho consciência do que a legislação fala sobre apropriação e desapropriação de terrenos. No sábado que o fato ocorreu, pela manhã, os imigrantes entraram em contato comigo, dizendo que estavam sendo ameaçados pela Polícia Militar. Eu fui a pessoa que convocou o advogado. Eu vi como necessário ele explicar que não há necessidade de eles saírem de um prédio abandonado por causa de um cara que chamou a polícia sem comprovar que o terreno era dele”, relatou Tehany.

A coordenadora do Centro de Migrações e Direitos Humanos, Irmã Telma Lage, comentou que o local que aparece no vídeo de fato estava abandonado. Tanto que, segundo ela, era comum ver usuários de drogas ocupando as dependências do local antes da chegada dos imigrantes.

“Antes dos venezuelanos chegarem lá, o local costumava ser habitado por dependentes químicos. Ele estava claramente abandonado e por isso os imigrantes foram até lá. Do contrário, para onde mais iriam? Ficariam indigentes assim como tantos outros. Os espaços em abrigos são escassos e não se tem dinheiro para ficar em lugar algum. O que restou foi ir para um local que estava abandonado”, afirmou.

No prédio ocupado, os venezuelanos que procuraram consulta jurídica continuam por lá. A agente pastoral da Caritas Diocesana de Roraima, Vanusa de Souza, conta que está visitando o local todos os dias e vendo quais as necessidades mais urgentes dos imigrantes que estão por lá.

“São 17 famílias, resultando um total de cerca de 100 pessoas. A vizinhança sempre foi bastante receptiva com os imigrantes, pois eles não fazem bagunça nem gritam. Ninguém chegou a aparecer por lá ameaçando ou praticando violência, mas toda a repercussão do vídeo assusta eles. Todos que estão por lá, já sabem que quando o mandado chegar, eles terão que se retirar. Felizmente, um movimento abraçou a causa dos imigrantes e ofereceu um terreno para eles após a expulsão”, contou.

Homem ligado a Serviço Jesuíta está em local protegido

O diretor nacional da SJMR, padre Agnaldo Pereira, contou que conversou com o suposto advogado após o ocorrido e disse que sua imagem está sendo preservada, através de um resguardo por tempo indeterminado. Ele não compareceu à coletiva de imprensa. “Nas redes sociais, existe uma clara incitação agressiva ao ódio. Ele recebeu inúmeras ameaças nos últimos dias, todas com um caráter absurdo de raiva. Ele está resguardado, pois sair na rua seria um risco de vida neste momento”, explicou. 

Sobre a repercussão do vídeo, Agnaldo Pereira comentou que serviu como uma ferramenta política para propagação de ódio. “Qualquer pessoa que preste atenção no vídeo vê que não há incitação nenhuma à prática de invasões. Ele foi convocado para o local após venezuelanos terem sido expulsos, com ajuda da polícia, por um suposto dono que não apresentou documentos comprovando que o local é sua propriedade. O membro chegou lá e explicou aos imigrantes que tal atitude é ilegal, e que seria necessário um mandado para chamar forças policiais”, reforçou.

Quanto a um possível processo judicial, a coordenadora do Centro de Migrações e Direitos Humanos, Irmã Telma Lage, que é advogada, contou que ainda é cedo para medidas desse tipo serem tomadas. Entretanto, ela reforçou que será aberta uma ação contra os responsáveis pela distorção do vídeo. “Estamos estudando os fatos. Encaixando os acontecimentos em torno de tudo isso. É preciso ter cuidado ao entrar com uma ação desse tipo, então não estamos com pressa. Mas as medidas judiciais necessárias serão tomadas, tudo dentro do seu tempo”, afirmou. 

O bispo da Diocese de Roraima, Dom Mário Antônio, incentivou que as pessoas olhem para outras sem levarem nacionalidade em consideração, uma vez que todos são seres humanos. “Nas palavras do Papa Francisco, ‘o imigrante não é um perigo, mas está em perigo’. Nós repudiamos o uso irresponsável de redes sociais, assim como a manipulação e qualquer incitação à violência e à intolerância. Parabenizamos pessoas que realizam trabalhos voluntários, visando a ajudar o próximo de forma incondicional. Assim como pessoas que geram empregos e oportunidades, independente de ser para brasileiros ou venezuelanos”, concluiu. (P.B)

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