Cotidiano

Cerca de quatrocentas garotas de programa vivem no Caimbé

Moradores do bairro reclamam de prostituição, assaltos, furtos, violência, trânsito congestionado

Viver no Caimbé está cada vez mais difícil. Pelo menos é isso que demonstram os relatos de moradores e comerciantes, que se veem encurralados com a presença de garotas de programa e assaltantes. A situação traz um sentimento de insegurança constante.

O Caimbé é um bairro privilegiado, com uma feira livre e um centro comercial próximo, na Avenida Ataíde Teive e ruas adjacentes, o que faz com que a necessidade de deslocamento para o centro da cidade não seja necessário. Entretanto, de 2016 para cá, o cotidiano dos moradores mudou e o bairro, que era considerado tranquilo, hoje é tomado pela prostituição e criminalidade.

Em entrevista à Folha, o comandante da Polícia Militar, coronel Edison Prola, relatou que atualmente existem cerca de 400 garotas de programa venezuelanas somente no Caimbé. “Não costumávamos ter prostituição nas ruas de Boa Vista. Desde a época do garimpo, nos anos 1980, a prostituição sempre foi comum em boates. No Caimbé existe um bar que, desde aquela época, é considerado um point muito comum de prostituição. Então, com a chegada em grande quantidade de garotas de programa da Venezuela, os arredores do bar foram tomados, afetando boa parte do bairro”, afirmou.

De acordo com o piloto comercial José Elizeu, que mora na Rua Ivone Pinheiro, o cotidiano em sua vizinhança virou o que ele classifica como um inferno, devido a aglomeração de garotas de programa, que constantemente ameaçam os moradores. “Teve uma vez que minha esposa pediu para elas saírem de frente de casa, mas é claro que não quiseram. Minha mulher as chamou de garotas de programa e elas ficaram furiosas. Falaram mal e tacaram uma pedra nela. A sorte foi que, como ela tava segurando o portão, ela conseguiu se proteger. Mas a sensação de medo continua constante”, explicou.

Além disso, Elizeu também afirmou que a prostituição está intimamente ligada com o aumento da violência no local, uma vez que as garotas de programa mantêm contato com traficantes e bandidos. “Elas ficam olhando dentro das casas e ajudam bandidos a praticarem assaltos. Minha casa, por ter cachorro, nunca foi assaltada, mas muitas de lá já foram. Já pedi várias vezes para as garotas de programa saírem de frente da minha casa, mas nunca saem. A polícia até aparece e espanta elas, mas sempre retornam logo depois”, lamentou.

E não são apenas moradores que sofrem com a atual situação. Ana Marques é dona de um comércio na Rua Dico Vieira e quase morreu no ano passado vítima de um assaltante que desferiu duas facadas nela, uma no braço e outra acima da cintura. “A minha sorte é que, assim que ele saiu correndo, entrou uma cliente que já era conhecida minha e pediu por socorro rápido”, contou.

Atualmente, o comércio de Ana é todo gradeado e os atendimentos são realizados através de uma portinha na própria grade. “Esse assaltante ainda está solto, mas eu estou atrás das grades, presa no meu próprio comércio, refém do medo de que aconteça de novo”, frisou.

Ela também mencionou se sentir incomodada com a presença das garotas de programa. “Elas só não ficam aqui na frente porque eu expulso todas. Mas sei que elas auxiliam na hora de praticar roubos. No supermercado aqui no bairro, tem até vídeo da câmera de segurança mostrando elas ajudando um ladrão a roubar uma bicicleta. Sem falar nas drogas que vejo elas usando constantemente, no meio do dia”, mencionou.

A dona de um comércio de venda de frangos, também na Rua Ivone Pinheiro, Luziane de Jesus, tem que manter dois pedaços de pau por perto para evitar assaltos. “Já tô há um mês e meio aqui e já tentaram até levar o frango enquanto tava fritando. Quando isso aconteceu, peguei o meu pedaço de pau que deixo num canto e dei uma porrada na cabeça dele”, relatou.

Número de casas à venda no bairro cresce

Por conta do aumento da prostituição e criminalidade, muitas casas estão à venda na região. A comerciante Luziane de Jesus contou que as residências estão cada vez mais desvalorizadas. “Teve uma mulher, que mora perto da Avenida dos Imigrantes, que estava vendendo sua casa a R$ 150 mil, mas acabou tendo que ceder por R$ 120 mil, pois ela só queria sair logo daqui. Outra casa, umas duas quadras daqui, que valia R$ 120 mil, está sendo vendida a R$ 90 mil”, explicou.

Há quase 20 anos tendo uma casa na rua Sílvio Leite, uma moradora que optou por não ser identificada, relatou que hoje em dia, se tivesse que colocar sua casa, que possui cerca elétrica, portão eletrônico, câmeras de segurança, caixa d´água e dois banheiros, para alugar, provavelmente o valor não passaria de mil reais. “Se fosse pela casa em si, eu cobraria 800 por mês. Mas pela localização, duvido conseguir inquilino por 600 reais”, disse.

A moradora comentou também que sente dificuldade em dirigir nos horários de grande movimento, como meio-dia ou às 18 horas, por causa da aglomeração de garotas de programa junto com clientes que ficam parados em seus veículos nas esquinas de ruas. “Quando eu paro em um cruzamento, tenho que fazer malabarismo com os olhos para enxergar o trânsito e desviar das mulheres e seus clientes, para não causar e nem ser vítima de acidente”, explicou.

Ela ainda expressou o seu desejo de se mudar, por não ver mais perspectiva de como continuar morando no bairro. “Penso em me mudar todos os dias. Não vejo mais perspectiva de futuro para o bairro. As coisas só tendem a piorar, pois se tem prostituição e drogas 24 horas por dia, é porque tem quem consome a qualquer horário.”, lamentou.

Antigos moradores do Beiral compraram casas no Caimbé

Uma mulher que morou na Rua João Padilha, e também optou por não ser identificada, vendeu a casa depois de descobrir que os vizinhos eram presos do regime semiaberto. “Na casa vizinha, todo mundo passava o dia inteiro lá, mesmo tendo comprado a casa. Achei estranho. E havia música alta madrugada a dentro. Na casa do outro lado, certo dia, escutamos um barulho. Logo depois a PM apareceu na nossa casa e pediu para ver as imagens das câmeras de segurança. Depois da perícia, o policial falou que o pessoal do semiaberto morava naquela casa. E ele pediu para nos mudarmos”, relatou.

Ela também declarou que observou uma movimentação de pessoas que moravam no Beiral antes, uma vez que as casas são vendidas a preços mais baratos e nas proximidades de pontos de prostituição e drogas. “Eu tenho um parente que é policial. Ele afirmou que está havendo uma movimentação muito grande de pessoas do bairro Caetano Filho pelo Caimbé. Após a desapropriação do Beiral e com o dinheiro das indenizações, as pessoas vinham comprar casas no Caimbé. E faz sentido, levando em conta os motivos. Aí a situação ficou tensa mesmo”, frisou.

Quem também concorda com a declaração é José Elizeu. Ele afirmou já ter visto traficantes por diversas vezes vendendo drogas para garotas de programa. “Pense num local que junta tudo! É prostituta, é traficante do Beiral, é assaltante… O Caimbé virou um caos. Eu tô desesperado, já não sei mais se tenho condições de continuar vivendo nesse inferno”, finalizou.

Aumento da criminalidade e prostituição estão correlacionados

Em nota, a Polícia Militar do Estado de Roraima (PMRR) afirmou que estatísticas apontam que a prostituição e a prática desses delitos estão correlacionadas no caso do bairro Caimbé. Afirmou também que realiza o policiamento ostensivo e repressivo por meio de radiopatrulhamento em todos os bairros de Boa Vista, dando destaque naqueles onde a mancha criminal é mais evidente e também onde as ocorrências são corriqueiras, como é o caso do Caimbé.

“De acordo com a necessidade, a PMRR organiza operações mais pontuais, com o objetivo de coibir toda e qualquer atividade ligada ao crime, sejam elas na Capital ou no Interior do Estado”, revelou.

A PMRR destacou que os índices de criminalidade, principalmente os relacionados com furtos, roubos e tráfico de entorpecentes, cresceram consideravelmente com o fluxo migratório no Estado. De acordo com o banco de dados da PM, 991 ocorrências envolvendo venezuelanos foram registradas somente em 2018. Em 2017, foram 1.660. Os números indicam um crescimento de 1.300% no número de ocorrência envolvendo imigrantes da Venezuela desde 2015. (P.B)