Cotidiano

Clima tenso marca audiência sobre retirada da corrente na BR

Corrente na Reserva Indígena Waimiri-Atroari foi tema no plenário da Assembleia Legislativa em meio a conflito de opiniões; carta será levada para governo federal

Manifestações, aplausos, gritos e clima tenso marcaram a audiência pública sobre o bloqueio da BR-174 na Reserva Indígena Waimiri-Atroari na manhã de ontem, 28, na Assembleia Legislativa de Roraima. Com o plenário lotado, a retirada da corrente que passa pelo local a partir das 18h foi defendida pela maioria. 

Liderada pelo deputado Jeferson Alves (PTB), a audiência contou com a presença de representantes do setor comercial roraimense e de caminhoneiros que classificaram a decisão de fechar a passagem por 12 horas para o Amazonas como “um dos atrasos” para o desenvolvimento econômico de Roraima. 

Além de destacarem que, nos anos de implantação da barreira, diversos trabalhadores morreram em conflito ou por questões de saúde por não conseguirem atravessar após o horário determinado pelos indígenas, eles criticaram o desrespeito ao direito de ir e vir dentro do território brasileiro. 

Durante os discursos dos representantes que defendiam a derrubada do bloqueio, que acontece diariamente das 18h às 6h, várias pessoas manifestavam apoio com faixas e cartazes que solicitavam Roraima “livre da corrente” e gritavam palavras de ordem contra os direitos indígenas.

“O governo do Estado tem buscado junto ao governo federal a retirada da corrente com o intuito de trazer, de forma sustentável, o desenvolvimento para Roraima e tornar igualitário aos demais Estados”, declarou o chefe da Casa Civil, Disney Mesquita.

Outro ponto defendido para que a barreira fosse derrubada é a ligação com o Linhão de Tucuruí, o que permitiria que Roraima deixasse de ser dependente da energia gerada na Venezuela e também pelas termelétricas. A corrente é entendida também com uma forma de evitar investimentos e ampliação de serviços no Estado pela instabilidade energética e o isolamento por meio terrestre. 

DEPUTADOS E INDÍGENAS – Parlamentares defenderam a necessidade de se manter um diálogo com indígenas a fim de que houvesse um consenso sobre a questão da barreira, visando, sempre, ao desenvolvimento do Estado.

“Que lógica é essa? Fui a Brasília e não existe nenhum documento legal que diga que tem que ter corrente. Já sonhei que amanhã não tem mais energia. Não quero mais ir a comunidades e que me peçam para expandir a rede elétrica e a gente não ter geração para isso”, declarou a deputada Aurelina Medeiros (PODE).

Aurelina justificou que a barreira foi colocada durante a construção da obra da BR-174 e negou que tenha sido por motivo de morte de índios durante o período. Ela ressaltou ainda que os indígenas são “totalmente controlados pelo governo federal”.

“Precisamos ter diálogo? Precisamos, mas eu sou a favor da derrubada da corrente. Vocês têm os seus ideais, nós temos os nossos. São tantas questões que a gente precisa colocar em pauta e resolver. Não podemos abdicar do Estado todo por uma questão. Não os culpamos pela falta do desenvolvimento de Roraima, porém a corrente é, sim, um dos fatores”, relatou o deputado Neto Lourinho (PMB).

Jeferson Alves, durante discurso na tribuna, afirmou que o convite para participar da audiência foi feito a lideranças indígenas do povo Waimiri-Atroari e a representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), mas não houve respostas. O deputado disse ainda que há uma “desculpa” dos povos indígenas ao afirmarem que não são ouvidos e que corrupção em organizações não governamentais (ONGs) seria responsável pela desnutrição e morte de crianças nas comunidades.

“Quero me dirigir aos meus irmãos índios: quando qualquer direito das comunidades indígenas é atacado, o primeiro livro que eles pegam na mão é esse, a Constituição Federal. Esse mesmo livro me garante o direito de ir e vir, que na maioria das vezes vocês não respeitam. Vamos respeitar o argumento contrário, eu não sou contra povo indígena, até tenho amigos”, assegurou em meio aos ânimos exaltados.

Um documento foi assinado e deve ser levado até Brasília para que haja um posicionamento do Palácio do Planalto sobre a retirada da corrente. O deputado petebista garante tentar contato com o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e deputados federais mais discussões sobre o tema. 

Indígena defende permanência da barreira para preservação de biodiversidade

Em defesa da biodiversidade e preservação do povo Waimiri-Atroari, Alselmo Yanomami repudiou a visão de que os indígenas representam um retrocesso para Roraima por eles defenderem a permanência da corrente na reserva. 

“Roraima está isolado por causa de corrupção e politicagem, por falta de compromisso dos senhores [deputados]. Atraso não somos nós, não é a corrente”, protestou.

O representante da Associação dos Povos Yanomami enfatizou que os indígenas estão amparados pela Constituição Federal. 

Anselmo Yanomami destacou que a conversa com os Waimiri-Atroari deve ser mantida, assim como a procura de uma solução juntos em respeito à diversidade do País. (A.P.L)