Cotidiano

Cobrando mensalidade simbólica, família mantém creche e educa crianças

Por R$ 25 mensais, pais e mães da região deixam os filhos aos cuidados da família de Vicente da Silva na creche Pequeno Príncipe

Mais que uma data, o Dia das Crianças comemora a alegria de viver e aprender coisas novas todos os dias. Aos 70 anos de idade, Vicente da Silva se dedica, diariamente, a não deixar que a essência de ser criança seja perdida. Responsável pela creche Pequeno Príncipe, localizada na rua Raimundo Alves de Souza, no bairro Hélio Campos, zona oeste, Vicente conta exclusivamente com a ajuda da família para cuidar das 50 crianças matriculadas na escolinha.

Enquanto pais e mães da comunidade trabalham, os pequenos de até cinco anos comem, brincam, praticam atividades educativas e ainda tiram uma soneca para recuperar as energias. “Tem criança que passa o dia inteiro com a gente”, afirmou Vicente Silva. A creche cobra uma mensalidade simbólica de R$ 25 por aluno. “Cobramos exclusivamente para comprar a merenda das crianças e, muitas vezes, ainda tiramos do nosso sustento para complementar”, afirmou.

Mesmo com muita disposição para educar os pequenos, as instalações da creche são humildes. Improvisando como pode, Vicente Silva conta que aos poucos construiu uma estrutura de alvenaria com quatro salas e uma copa. “Quando nós começamos, era só o barracão de madeira, mas, com a ajuda da própria comunidade, nós conseguimos melhorar a estrutura e nós temos fé de que ainda vai melhorar muito mais”, ressaltou.

Apesar das paredes firmes, a creche não conta com ventiladores, climatizadores ou qualquer tecnologia. “O que nós fazemos aqui é educar e ajudar. Não temos muito luxo”, reforçou Vicente Silva, explicando que, ao saírem da creche, todas as crianças sabem ler, escrever e aprenderam boas maneiras. “Sabemos que a nossa comunidade é pobre. Nossa proposta é que os filhos possam ficar aqui enquanto os pais trabalham e junto com isso aprendam valores, como respeitar os mais velhos, por exemplo, e ainda ganham o certificado de alfabetização, como em qualquer outra escola”, explicou.

“Nossa maior dificuldade é a comida, mas isso nunca foi motivo de desânimo. Quando vemos a importância do nosso trabalho e presenciamos esses pequenos crescendo e sendo pessoas boas, todo o trabalho vale a pena. Durante esses anos que estamos aqui, a marginalidade reduziu muito. Crianças que deveriam ir para as ruas ganharam um lugar para aprender e alguns já estão até fazendo faculdade de Direito”, revelou Vicente da Silva.

HISTÓRIA – A creche Príncipe Encantado surgiu há 15 anos, mas a família já prestava serviços sociais à comunidade do bairro Senador Hélio Campos há 25 anos. “Quando chegamos aqui, tinha árvores, mas quase não tinha morador”, recordou Vicente. “Com um ano da gente morando aqui, a marginalidade começou a ficar muito forte, não tinha policiamento e nós estávamos quase indo embora. Mas, conversando com uns vizinhos, nós decidimos tentar mudar, foi quando começamos a fazer um sopão”, contou.

Conforme seu relato, a família percebeu, a partir desse momento, uma transformação na comunidade do bairro. “Aquela ação mobilizou a comunidade para dar fim àquela situação de marginalidade. Nós não aceitávamos aquilo e sabíamos que o que assola a humanidade é a fome, por isso começamos a ajudá-los. Aos poucos, vimos as coisas melhorando. Foi então que nos encorajamos a ficar”, relatou.

Com o passar dos anos, a família começou a realizar reuniões na comunidade. “Até que um dia uma vizinha disse que ia trazer material escolar para gente.

Trouxe livros, tabuadas, lápis de cor, giz de cera, várias coisas”, disse. A partir desse momento, a família se empenhou em realizar palestras no bairro sobre a importância da leitura e da alfabetização. “Nesse momento, nós abrimos a creche e já estamos há 15 anos realizando esse serviço”, lembrou.

Atualmente, a creche funciona em período integral. “Muitos me perguntam como eu consigo sustentar a creche e a minha resposta é sempre a mesma: vivo pela fé. A fé de ter coragem para não desistir. Contando sempre com a ajuda de todo mundo que se dispõe”, disse.

Ele conta que a creche sofreu perseguição por parte de poderes administrativos da cidade por muito tempo para que fechasse as portas. “Mas nós resistimos com ajuda do Ministério Público e de pessoas boas. Mostramos que a nossa intenção é ajudar nossa comunidade carente e precisa de um local confiável para deixar seus filhos”, afirmou. (J.L)