O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Lamachia, esteve na tarde de ontem, 02, em Roraima, para visitar a Penitenciária Agrícola do Monte Cristo (Pamc), zona rural de Boa Vista. Junto com ele, estava uma comitiva composta por presidentes das Seccionais do Norte e do Espírito Santo da OAB, além do secretário de Justiça e Cidadania de Roraima (Sejuc), Uziel de Castro.
Uma das soluções para o sistema prisional em Roraima, conforme destacou o presidente da OAB, seria a construção de novas unidades de pequeno porte. “É absolutamente necessário que o tamanho das casas prisionais seja reduzido. Por exemplo, pegarmos um presídio deste tamanho [Pamc] e transformamos em dois ou três, quantos forem necessários. Desta forma, enfraquecemos as facções criminosas. O Estado não pode simplesmente colocar o preso dentro de uma cela e deixar que ele faça o que quiser”, criticou.
Na visita ao presídio que há um mês foi palco do terceiro maior massacre de presos registrado no Brasil, com 33 mortos, Lamachia afirmou que não há como comparar as condições entre a Pamc e outras unidades brasileiras por onde passou. A única coisa a se falar em relação à visita, segundo ele, é que o “sistema prisional brasileiro está falido”.
O presidente nacional afirmou que o governo brasileiro precisa retomar o controle das casas prisionais. “Saio desta unidade [Pamc] ainda mais entristecido e convencido que o nosso sistema, como um todo, está absolutamente falido. A primeira coisa a se fazer é retomar o controle e, em segundo, investir no sistema prisional. Investir na qualidade de um presídio é investir em segurança pública à sociedade”, enfatizou.
Outro ponto destacado por Lamachia é o poder das facções dentro das penitenciárias. “Estamos apenas retroalimentando o crime dia após dia, ou seja, ‘estamos secando gelo’, porque as facções criminosas que dominam os presídios têm hoje uma mão de obra extremamente atrativa: o preso de menor potencialidade ofensiva, que é colocado dentro dos presídios, começa a interagir com presos de alta potencialidade, são cooptados pelas facções em seguida e saem do presídio para delinquir novamente e com uma condição absolutamente diferenciada, porque acabaram cursando uma ‘faculdade para o crime’”, pontuou.
Sobre o investimento político na melhoria de presídios, Lamachia foi enfático: “Muitas vezes, escutamos aquela frase que ‘investir em presídios’ não dá voto e que a classe política não pensa em presídios. Temos que entender que dá voto, sim, porque todos nós, cidadãos, queremos segurança pública. As facções estão utilizando um espaço público, pago pelo contribuinte, para fazer seus quarteis generais e seus escritórios para o crime. Porque daqui de dentro saem as ordens para a criminalidade das ruas”, destacou.
MUTIRÃO – Lamachia informou ainda que esteve reunido, na terça-feira, 31, com o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para tratar sobre o sistema prisional brasileiro. Na ocasião, foi discutido um convênio para realização de um mutirão carcerário nacional, que proporcione atendimento a pessoas presas e que não dispõem de advogado.
“Estaremos oferecendo advogados aos presos. O mutirão é de suma importância. Nesta casa prisional [Pamc], vemos um contingente muito maior de presos provisórios do que presos definitivos. Algo está errado. O sistema não está funcionando como deveria funcionar”.
VISITAS – A segunda visita de Cláudio Lamachia às unidades prisionais onde aconteceram os massacres foi Roraima. Na manhã de ontem, o presidente da OAB esteve nas dependências do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus (AM). A próxima visita ainda não foi divulgada.
Presidente da OAB Roraima diz que acompanhará construção de presídio
No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a liberação de mais de R$ 2 bilhões do saldo do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para todo o Brasil, proibindo, inclusive, a realização de novos contingenciamentos, após uma iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) local. O Estado, de acordo com o presidente da Seccional Roraima, Rodolpho Morais, recebeu aproximadamente R$ 44 milhões do fundo em dezembro do ano passado.
“Esse problema do sistema prisional não é de agora e a OAB já vem alertando sobre isso há muito tempo. Começamos a trabalhar de forma ainda mais proativa para melhorar o sistema conseguindo a liberação do funpen não só para Roraima, mas para todos os estados brasileiros”, disse.
Segundo ele, após a visita do presidente nacional da OAB, Cláudio Lamachia, a próxima medida será acompanhar o cronograma elaborado para a construção de novas penitenciárias no Estado a partir do Funpen.
“Só a Pamc não está resolvendo. Precisamos de novas unidades e precisamos fiscalizar agora a execução e emprego dos recursos que chegaram a Roraima para a concretização dessas obras”, afirmou.
Obras na Pamc iniciam na próxima semana, anuncia secretário de Justiça
Os R$ 44 milhões que chegaram a Roraima, oriundos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), já têm destino certo, de acordo com o secretário de Justiça e Cidadania de Roraima (Sejuc), Uziel de Castro. Segundo ele, a reforma na Pamc inicia na próxima semana.
“Esse recurso possui várias destinações: um presídio novo será construído aos fundos do terreno da Pamc, que possui 73 hectares. Esse presídio será levantado após a muralha e poderá comportar 393 presos em regime fechado. Vamos também comprar novas viaturas, armamento, munições, equipamentos de informática, cerca elétrica, bloqueador de celular, investir, entre outros”, frisou.
O secretário informou que alguns desses equipamentos citados já foram adquiridos, mas ainda há processo de compra aberto. “A governadora [Suely Campos, do PP] decretou estado de emergência, então estamos fazendo o mais rápido possível. Estamos hoje com mais de 20 processos em aberto de aquisição de equipamentos”, disse.
Famílias de presos alegam dificuldades para entregar alimentos e produtos de higiene
A quinta-feira é normalmente o dia em que os familiares dos detentos podem entregar alimentos e produtos de higiene na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo. No entanto, ao chegarem na manhã de ontem, 02, em frente à Pamc, se depararam com alguns problemas.
Muitos alegaram estar no local desde as 6h e que até o momento, por volta das 16h30, ainda não haviam conseguido entregar os produtos aos detentos. Todos os familiares que conversaram com a Folha afirmaram que não poderiam se identificar por medo de retaliação. “Se a gente fala o que aconteceu, eles [agentes carcerários] nos marcam e não nos deixam entregar os produtos na visita seguinte. Isso já aconteceu com outras pessoas conhecidas. Já voltei para casa sem poder entregar nada ao meu marido várias vezes”, denunciou uma mulher.
Em frente à penitenciária, na fila, também estava um senhor com uma criança no colo. Ele afirmou que é do Município de Mucajaí, a Centro-Oeste do Estado, e estava ali para entregar comida e produtos de higiene ao cunhado, preso na unidade. “Saímos de madrugada e até agora estamos aqui, na frente, ainda. Não consegui nem sair para alimentar meu filho, com medo de não conseguir voltar. É um absurdo o que eles fazem. Sempre é uma dificuldade diferente”, disse.
Outra denunciante informou que o horário de entrega também é alterado. “O horário correto é o comercial, mas hoje, por exemplo, eles começaram a liberar a entrega por volta das 10h. Pararam 11h30 e retornam só às 14h. Nem isso é respeitado. Ficamos aqui no sol, chuva, o que for, aguardando a boa vontade dos policiais”, disse. A Folha deixou o local por volta de 17h20 e vários familiares ainda aguardavam na fila de entrega de mantimentos.