Cotidiano

Constrangimento entra no topo das queixas de consumidores

Racismo e discriminação sexual podem dar origem a processos civil e criminal

Constrangimento ao consumidor chegou ao terceiro lugar no ranking de reclama??es ? Defesa do Consumidor em 2014, s? perdendo para produto n?o entregue e cobran?a indevida. Foram mais de 2.000 queixas registradas relatando casos em que o cliente foi exposto pelo prestador de servi?o a situa??es embara?osas e at? de expl?cito preconceito, como o sofrido pela dona de casa Aline Cristiane dos Santos Ferreira, de 35 anos. Acusada pela gerente da loja Kalunga de Bangu de ser c?mplice de uma menina detida pelo seguran?a por suspeita de furto, Aline pediu respeito e retrata??o, mas foi orientada, com ironia, a buscar seus direitos numa delegacia.
? S? pode ter me tratado assim porque sou negra, pois al?m de mim, na loja, de negra s? havia uma funcion?ria e a menina que era suspeita de furto. Fui diretamente ? delegacia, mas disseram que n?o podiam fazer um boletim de ocorr?ncia porque a agress?o foi apenas verbal, e me orientaram ir ao f?rum. No f?rum me disseram que n?o iria dar em nada, porque seria minha palavra contra a dela, j? que eu estava sozinha ? relata Aline. ? Cheguei em casa aos prantos, e meu marido voltou comigo ? loja para que ela me pedisse desculpas. Procuramos a gerente e foi a? que descobrimos que era a pr?pria quem havia me ofendido. Ela voltou a dizer que, se eu estivesse insatisfeita, que usasse o telefone para ligar para o 190. No fim ela estava certa, pois saiu impune. O pior ? que isso n?o ? um fato espor?dico, j? estou acostumada a ser seguida por seguran?a em lojas, entrar e n?o ser atendida.
A??ES CIVIL E AT? CRIMINAL
A Kalunga confirma que uma ocorr?ncia de furto foi identificada na data da visita da consumidora. Mas diz que o fato n?o teve rela??o com a presen?a da cliente e, por isso, a empresa lamenta que ela tenha se sentido envolvida na situa??o. Afirma ainda que entrou em contato com a cliente e pediu desculpas pelo fato, refor?ando que repudia preconceitos e trabalha para que situa??es como essa n?o voltem a ocorrer.
Aline diz que n?o sabe se houve alguma puni??o ? gerente:
? Disseram-me que iam passar o caso ? ger?ncia regional. Mas tomei p?nico, n?o consigo mais passar na porta da loja.
Num shopping chique da capital paulista, Vitor Martins tamb?m passou por um epis?dio de constrangimento e discrimina??o. Ao ir ? loja da grife feminina Farm comprar uma blusa para uso pr?prio, foi ironizado pela vendedora.
? Constrangeu a mim e a meus amigos, porque a funcion?ria ficava rindo e perguntando se tinha certeza de que a blusa seria mesmo para mim. Finalmente, outra vendedora trouxe o item, foi supersimp?tica e profissional. Deixamos a loja indignados. No dia seguinte, para minha surpresa, a pr?pria gerente da loja e o respons?vel pela ?rea de marketing me ligaram se desculpando e afirmando que o epis?dio serviria como tema de discuss?o em reuni?es internas do grupo, que diz repudiar qualquer tipo de preconceito.
A Farm ratifica que esse tipo de atitude n?o faz parte do que acredita, mas afirma que ?infelizmente n?o tem controle sobre tudo?. Diz ainda que, al?m do contato com o cliente, houve uma conversa com a vendedora, e o fato serviu de exemplo para todas as lojas da rede, de algo que n?o deve ser feito.
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Janaina Alvarenga, advogada da Associa??o de Prote??o e Assist?ncia aos Direitos da Cidadania (Apadic), diz que recebe diversas den?ncias de constrangimentos e que h? situa??es, como as vividas por Aline e Martins, em que, al?m de uma a??o c?vel, cabe processo criminal.
? Racismo e discrimina??o s?o crimes. A quest?o nesses casos ? ter testemunhas. A dificuldade ? que as pessoas n?o querem se envolver. N?o que o depoimento de um familiar, de um amigo, n?o tenha valor, mas de uma pessoa estranha que tenha testemunhado o fato ? sempre importante, e, quanto mais detalhes levar ao juiz, melhor. Mesmo assim, esses casos de constrangimento ainda s?o complexos ? diz.
O caso da carioca Maria Coelho de Souza, de 80 anos, cliente da Leader Magazine, ? um pouco diferente. Em novembro, ela fazia compras com a filha e a neta em uma filial da rede na Tijuca e, ap?s a escolha de uma s?rie de pe?as para presente, foi surpreendida no caixa com a recusa de pagamento com o cart?o Visa-Leader.
? A caixa disse que meu cart?o estava bloqueado, pois estava vencido. Ela me recomendou que voltasse ao SAC no dia seguinte e fizesse o pedido de um novo cart?o. Reclamei, pois n?o recebi correspond?ncia sobre a necessidade de renova??o de um outro. Passei um grande constrangimento, porque, devido ao impasse, a fila cresceu muito, e as pessoas reclamavam de mim. Constrangida, deixei a loja e voltei no dia seguinte ao SAC. E fui informada de que n?o poderia mais ter um cart?o da Leader, mas ningu?m me disse o motivo. Isso ? um absurdo, nunca atrasei o pagamento das faturas e nunca tive qualquer d?vida com a loja ? desabafa.
A varejista disse que ?lamenta os poss?veis aborrecimentos? e que avalia o ocorrido, ?pois a quest?o apresentada n?o corresponde ? politica de atendimento ao consumidor da empresa. Informa ainda que j? levantou o hist?rico da cliente e entrar? em contato para esclarecer eventuais mal entendidos.?
REGISTRO EM LIVRO DE RECLAMA??O
Advogada do escrit?rio Siqueira Castro, Djenane Cabral Leite observa que epis?dios de constrangimento do consumidor s?o bastante comuns no Brasil, embora de conceitua??o ?s vezes subjetiva, mesmo na Justi?a.
? A quest?o preocupa. O C?digo de Defesa do Consumidor (CDC), nos artigos 42 e 71, prev? alguns princ?pios e hip?teses que servem para orientar consumidores e a pr?pria Justi?a.
A advogada cita como exemplos de constrangimento que acontecem no cotidiano das rela??es de consumo o bloqueio de clientes nas portas eletr?nicas de bancos, a n?o retirada imediata do nome do consumidor inadimplente da lista de Serasa e SPC ap?s a quita??o do d?bito e a negativa de cr?dito sem justificativa por escrito.
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? Esses s?o alguns casos em que a legisla??o prev? a constitui??o de a??o na Justi?a exigindo compensa??o por dano moral, por dano material e at? a combina??o de ambos.
Janaina orienta o consumidor a registrar o caso no livro de reclama??es, que agora ? obrigat?rio no Estado do Rio.
? Assim j? sai com um registro, e a empresa ? obrigada a notificar o Procon estadual sobre o caso e um inqu?rito administrativo pode ser aberto e pode at? fortalecer o processo civil. (Colaborou Daiane Costa)
Fonte: O Globo