Cotidiano

Crimes contra a pessoa lideram estatística

Caso do garoto de 13 anos flagrado com arma dentro da escola chamou atenção para o avanço de crimes cometidos por adolescentes

Segundo dados do Setor de Estatística e Análise Criminal (Seac) da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), em Roraima, somente de janeiro a agosto do ano passado, foram registrados 438 infrações criminais cometidas por menores de idade, conforme indica o Relatório de Ocorrências com Infrator Menor. O número está sujeito a alterações, pois as informações ainda estão sendo atualizadas.
Desse total, 148 infrações foram registradas envolvendo crimes contra a pessoa (lesão corporal, homicídio, tentativa de homicídio e ameaça). Outras 94 infrações foram registradas contra o patrimônio privado e público (furto, roubo e vandalismo). Em 2013, as infrações chegaram a um número consolidado de 565 ocorrências, conforme dados do Sesp.
O número preocupa. A população tem assistido, diariamente, casos de menores, em especial adolescentes, cometendo atos infracionais. A maioria está relacionada principalmente à participação em grupos criminosos (galeras), roubos e furtos, lesões à pessoa física e uso de drogas. Muitos cidadãos reclamam da impunidade, outros de falha e insuficiência do sistema de recuperação institucional em todos os níveis governamentais. Parte destes menores, entre idades que variam de 12 a 21 anos, é encaminhada a centros de recuperação social.
Atualmente, o Centro Sócioeducativo (CSE) Homero de Souza Cruz Filho, do Governo do Estado, localizado na zona rural, tem em suas dependências 37 adolescentes institucionalizados. Segundo dados do Departamento de Proteção Social Especial (DPSE) da Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes), estes adolescentes em conflito com a lei, com infrações mais sérias, têm uma chance efetiva de se ressocializarem através de medidas sócioeducativas.
A diretora da DPSE, Verônica Silva de Oliveira, explicou que a missão do CSE é atender a estes jovens de forma humanizada, em que pese o motivo de estarem ali. “Eles são acompanhados desde a chegada até o desligamento”, afirmou ao ressaltar que o processo é realizado através do desenvolvimento de trabalhos, pautados em parcerias, cursos profissionalizantes, acesso à saúde, educação e justiça.
“Proporcionamos o Sistema de Garantia de Direitos, que é preconizado em nível nacional”, disse a diretora complementando que o atendimento também é feito com a família dos internos, que tem papel importante para o sucesso deles. “A família é fundamental na vida de um ser humano”, destacou.
A opinião de Verônica é compartilhada pelo conselheiro tutelar Ramon Jocélio da Silva. Ele trabalha no Conselho Tutelar Municipal do Terminal do Caimbé, na zona Oeste de Boa Vista. Ele explicou que a entidade acompanha o adolescente de forma conjunta com a família, em todos os contextos, inclusive com os internos do CSE.
“É importante observamos que os problemas com a família estão majoritariamente ligados aos casos de menores infratores”, ressaltou. “Às vezes, esquecemos que aquele menor problemático tem uma família. Esta é, antes de tudo, a grande responsável pelo ato infracional cometido”.
Para o conselheiro, a situação se agrava nos dias atuais devido ao dilaceramento da família por vários motivos. “Hoje, o contexto familiar se baseia num seio disfuncional, muitas vezes ineficiente. Pode faltar uma casa, uma referência, uma postura moral adequada ou até mesmo um pouco de carinho e amor, que fazem a diferença na vida das crianças”, disse.
Ramon Jocélio destacou as famílias em que a mãe ou pai assume, sozinho, uma família inteira. “É a realidade da nova composição familiar brasileira. Não questiono méritos morais, mas esta estrutura está desmoronando”, comentou. Segundo ele, é cada vez mais comum que estas situações produzam jovens problemáticos que tendem a enveredar por caminhos da ilegalidade. “A criança, em fase de formação, precisa de um norte. Com essa carência no próprio convívio familiar, ela acaba suplantando esse apoio nas ruas. Daí começam a aparecer os problemas com as infrações”, relatou.
Assim, parte da crítica é voltada para os pais destes jovens. Jocélio exemplificou apontando um caso recente em que um adolescente foi pego com uma arma caseira dentro da Escola Estadual Luiz Rittler Brito de Lucena, no bairro Nova Cidade, zona Oeste. “Como um pai não sabe que seu filho está indo para a escola com uma arma? Pior: de onde veio e com quem ele conseguiu?”, questionou.
Para o conselheiro, é preciso fortalecer as políticas públicas de acompanhamento familiar. “Precisamos resgatar o adolescente e o seu vínculo familiar. O acompanhamento não pode ser isolado. Só assim podemos combater o recrutamento de crianças e adolescentes para o crime. É irreal pensar que se pode acabar com isso, mas é possível amenizar a situação”, afirmou.
Juridicamente, quando um menor comete um ato infracional, ele foge da atribuição do Conselho Tutelar. Ao ser pego em flagrante, o infrator é encaminhado para o CSE. “De qualquer maneira, a equipe técnica, que é formada por assistentes sociais e psicólogos, irá trabalhar com o adolescente. O Conselho também está presente, dando apoio e garantindo seus direitos”, explicou o conselheiro.
O conselheiro Ramon Jocélio acredita que a redução da maioridade penal não resolve os problemas vigentes de violência. “Vivemos em um país onde o sistema carcerário está falido. Não resgata ninguém nem regenera. Imagine o que pode acontecer com um adolescente frustrado num contexto social desfavorável? Tenderá a isso: na prisão, ele será mais um recrutado do crime”, frisou. (JPP)