Roraima é um estado com muitos destaques na produção de alimentos, do grão ao hortifruti. Principalmente de frutos amazônicos que vão além da paisagem característica do imenso lavrado, como o buriti, cupuaçu e açaí.
No entanto, há um fruto pequeno, avermelhado e azedo que poucos conhecem: o camu-camu. Pode ser chamado também de araçá d’água ou caçari, é um primo próximo à goiaba, acerola e jabuticaba, comum nas beiras dos rios que banham o estado.
O camu-camu tem sido estudado há muito tempo e já foi constatado como o fruto de maior teor de vitamina C do Brasil, além de ser fonte de antioxidantes, betacaroteno, minerais como potássio, ferro, cálcio e fósforo, e vários tipos de aminoácidos. Conforme o agrônomo Samuel Santana, que pesquisa o caçari em Roraima desde a década de 90, existe cerca de 2,8g de Vitamina C por 100g de polpa de camu-camu, o que é 20 vezes mais que a acerola – fruta mais conhecida com ácido ascórbico tem 1,6g por 100g de polpa — e que é muito procurado pela Ásia, Europa e América do Norte.
“O exterior é fanático pelo camu-camu porque o japonês, europeu ele não quer vitamina C sintética, ele quer vitamina C natural. É a maior potência, hoje, naturalmente campeã do mundo em vitamina, é muito rica. Então, teoricamente, quem consome eventualmente nunca vai ter um câncer na vida”, aponta o agrônomo.
Empreendimento familiar
“Doutor Samuel” como é conhecido pelas famílias que tentam viver do camu-camu, mostrou que Roraima tem muita produção do fruto nas margens do rio Jatapu, em Caroebe. Em Boa Vista, alguns poucos pés estão nas proximidades do igarapé Caçari, no bairro de mesmo nome.
As famílias envolvidas na colheita e produção de produtos com o camu-camu fazem parte da Associação de Moradores Agricultores da Área Devoluta no Complexo Caju (Amaadcc), no município de Bonfim. Cerca de 10 famílias estão no projeto, que não envolve somente o fruto, mas procura fortalecer a venda em Roraima.
“Dois a três anos eu me interessei por esse futuro e a cada dia a gente vai descobrindo mais dessa riqueza que a nossa natureza nos proporciona. A gente já tem algumas atividades como o projeto piloto mãe de cultura com o milho e agora é a vez do camu-camu, que é uma novidade, não só para nós aqui da região de Bonfim, mas para todo o estado”, conta a presidente da associação, Aldenira Maia, que se apaixonou pelo fruto e tomou à frente do empreendimento com ele.
Esta não é a primeira vez que famílias tentam comercializar o camu-camu no estado, mas é mais uma tentativa de mostrar o potencial da fruta, que é possível obter polpa para suco, dindin (geladinho), doce, bolo, geleia e farinha, como também a venda da semente e de mudas.
“A princípio já está dando certo. É uma infinidade [de alimentos a base de camu-camu] que a gente está descobrindo aos poucos e tem mercado para gente. Isso é importante também. Contudo, nesse projeto, a maior dificuldade é estender as forças das associações para que esse trabalho aconteça de uma forma mais intensa para poder expandir. Porque quanto mais mão-de-obra, mais resultado vai ter para exportar”, destaca Aldenira.
Esperança no futuro: pomar de camu-camu
Além da mão-de-obra, a presidente da Amaadcc e o agrônomo, refletem que é preciso também investimento na agricultura familiar e no transporte do fruto. Isso porque o caçari é colhido em Caroebe, que fica ao sul do estado, e precisa ser manejado até Bonfim, nordeste de Roraima, onde as famílias costumam vender os doces e polpas.
De acordo com os trabalhadores, eles esperam o rio baixar, navegam em canoas até os locais do fruto e colhem à mão. Para as famílias, é difícil e, em algumas situações, perigoso, mas é o possível diante da quantidade de camu-camu existente em Caroebe, que só produz fruto após o período de inverno.
Para resolver a questão de logística e ter uma produção menos dependente da sazonalidade, Samuel Santana, em parceria com a Amaadcc e a Secretaria de Agropecuária, Desenvolvimento e Inovação (Seadi), tem desenvolvido a técnica de plantação horizontal, longe dos igarapés. Com a produção em pomar, haveria possibilidade de ter o fruto o ano todo, uma vez que ele germina rápido e em dois anos se desenvolve.
“A gente está difundindo e acredita no resultado que tivemos lá em Caroebe, aqui vamos ter em breve. A única diferença é que lá, enquanto tem muita chuva, praticamente, tudo fica irrigado. Aqui em Bonfim, temos que ter uma irrigação ou fazer aproveitamento do que está plantando próximo para descer água de lavagem das profícua, e com fertilizante orgânico, vai propiciar que ela tenha fruto em breve”, ressalta o agrônomo, que já sugeriu essa produção de pomares de caçari em 1999, em um artigo publicado no impresso da FolhaBV.
Valorização do camu-camu
O fruto mais rico em vitamina C é querido no mercado exterior e conhecido pela sua forma em cápsulas de vitamina e pó solúvel. Segundo o doutor Samuel, São Paulo tem produzido e exportado mais camu-camu, do que a região amazônica, de onde o fruto é naturalmente encontrado. Foram 18 toneladas em 2017, de acordo com o último Censo Agropecuário, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O estado do Amazonas fica em segundo lugar, com três toneladas produzidas. Fora do país, o Peru é quem mais vende camu-camu para a Europa e Ásia. Em Roraima, os dois meses de colheita rendem quase 300 quilos, atualmente.
No mercado brasileiro, o quilo da fruta é vendido até R$ 10 e em pó, a mais de R$ 40. A polpa do caçari é vendida, na feira do Km 58, da RR 401, município de Bonfim, a R$ 15, o doce por R$ 5 e as sementes por R$ 2.
Para as famílias que vivem do camu-camu e para o agrônomo, o fruto exótico precisa de valorização, primeiramente, por parte dos roraimenses com o consumo. Depois, a produção deve ser fortalecida nas famílias de pequenos agricultores, o que já têm sido iniciado com incentivos da Seadi.
“A gente tem que partir sim para o plantio escala, e se Deus quiser, à industrialização que agrega valor. Hoje nós começamos com pouca coisa, mas em breve poderá ter, e vai ter, um campo inteiro de camu-camu e o mercado à nossa porta”, indica Samuel Santana, agrônomo.
Por Adriele Lima