ANA PAULA LIMA
Editoria de Cidade
Prejuízo. É assim que as empresas que prestam serviços destinados à merenda escolar de escolas estaduais se referem a uma situação que vem se arrastando desde 2015. Tudo começou quando, em dezembro daquele ano, a Justiça de Roraima bloqueou as contas da Secretaria de Educação e Desportos (Seed) por atrasos no repasse do duodécimo.
A situação vem sendo acompanhada por um grupo de empresários que procurou a Folha para denunciar a situação. Os empresários e responsáveis por cooperativadas preferiram não ser identificados, mas apresentaram diversos documentos comprovando inúmeras tentativas de contato com o Governo do Estado, que, de acordo com eles, não foi respondido nenhuma vez.
Na época, final de 2015, o valor bloqueado era de R$ 27.071.174,90, incluindo valores de convênios com a União, mais precisamente, recursos destinados ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e ao Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE) e o Salário Educação, todos oriundos do Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
“O secretário estadual da Fazenda à época do ocorrido não comunicou ao Tribunal de Justiça do Estado de Roraima o bloqueio de contas de convênios, permitindo assim o arresto de valores pertencentes à União e constitucionalmente destinados ao PNAE, ao PNATE e ao Salário Educação, sendo todos esses recursos oriundos do FNDE”, cita trecho da denúncia protocolada no Ministério Público Federal esta semana, a qual a Folha teve acesso.
Conforme os empresários, em 2016, não houve nenhuma movimentação para que os valores fossem devolvidos. No início do ano seguinte, a Advocacia-Geral da União (AGU) formalizou um Termo de Conciliação para que o Estado de Roraima se comprometesse a devolver o recurso às contas dos respectivos Programas.
No Termo de Conciliação, ficou estabelecido que os pagamentos do PNAE e do Salário Educação seriam feitos por parcelas, já o PNATE seria pago em parcela única. O Termo de Conciliação demonstra que parte do PNAE já havia sido devolvida, restando R$ 16.101.247,44 do valor a ser pago. Foram acertadas quatro parcelas de R$ 4.025.311,86 com as dívidas e correções, com vencimentos em junho, setembro e outubro de 2017. Até o momento, parte da terceira parcela e a quarta, em sua totalidade, não foram devolvidas.
Os empresários apontam que faltam ser devolvidos aproximadamente R$ 5 milhões, que seriam o aporte financeiro aos contratos de abastecimento da merenda escolar com empresas fornecedoras, cooperativas e pequenos produtores. De notas fiscais das empresas, o valor é em torno de R$ 3 milhões, que estão liquidadas do mês de agosto até dezembro de 2017.
“A gente não tem mais condições de ficar assistindo isso. Para o Governo é uma situação seríssima de estar descumprindo, mas o que eles estão fazendo parece que se tornou normal. Procuramos a Folha para que a população saiba de tudo isso e saiba que, quando ocorrem esses problemas nas merendas, é por conta dessa situação”, pontuaram os empresários e cooperativados.
Grupo denuncia favorecimento de empresa
Os empresários denunciaram também a quebra de ordem cronológica, que consiste na ordem temporal de pagamentos, devendo ser quitada primeiro a dívida mais antiga para depois pagar as mais recentes. Uma tabela disponibilizada pelo grupo, feita com base no Sistema Integrado de Planejamento, Contabilidade e Finanças do Estado de Roraima (FIPLAN), mostra a ordem em que cada empresa deveria receber os recursos.
Após aprovado o processo de liquidação, a empresa aguarda na ordem determinada pelo Governo do Estado para receber o pagamento. Essa ordem não pode ser mudada sem que haja justificativa plausível, porém houve quebra nessa ordem em torno de 54 vezes entre 2017 e 2018 para uma única empresa, conforme os denunciantes.
Quando essa quebra de ordem acontece, as demais empresas não recebem o valor que deveriam, prejudicando o trabalho de inúmeros serviços e funcionários. Para os empresários que procuraram a Folha, a situação chegou ao ponto de precisarem realizar demissões por conta da falta de repasse, já que a empresa que está sendo beneficiada recebe todo o valor e as outras ficam somente na espera.
“Eu cancelei os meus contratos porque não tinha mais como continuar, estou agora reivindicando os meus pagamentos”, disse um dos empresários. O outro chegou a assinar contratos, mas não recebeu nada. Outros dois realizaram renovação de contrato, porém estão encontrando diversas dificuldades para conseguir manter os serviços.
Um dos denunciantes realiza trabalhos em uma cooperativa agrícola e afirma que, além de toda situação, sente que fica mais prejudicado por ser produtor, já que faz o plantio em longo prazo para atender a demanda, contudo não recebe e fica sem o produto, já que não pode estocar.
“Batemos muito em relação a isso da ordem cronológica porque se tivesse sendo seguida normalmente, não estaríamos por aqui. Se colocasse em torno de R$ 500 mil por mês, aos poucos, isso já teria sido resolvido. Mas eles pagaram quem eles queriam e os outros, não”, pontuou um empresário.
PROMESSAS – Questionados se procuraram o Governo do Estado para firmarem acordo, os empresários garantiram que até com a governadora Suely Campos conversaram, mas nada foi resolvido.
“Esse ano a gente já teve uns cinco secretários da Fazenda, e aí a gente acertava uma coisa com um e na outra semana já mudava. E assim a gente perdeu o contato e percebemos que não adianta nada. Não tem outro termo para dizer do que ‘má vontade’”, criticou um dos denunciantes.
Governo diz que não recebeu notificação
Por meio de nota, a Secretaria de Educação e Desporto (Seed) limitou-se a informar que “até o momento não recebeu notificação sobre a referida denúncia, impossibilitando a manifestação no momento”. Questionada sobre toda a situação, os motivos que levaram à quebra de ordem cronológica no pagamento das empresas fornecedoras e se haveria previsão para realização dos pagamentos, a Secretaria não respondeu.
MPF – O Ministério Público Federal em Roraima (MPF) informou somente que “o procedimento foi aberto e está investigando o caso”. (A.P.L)