“Meus olhos com sonhos da imensidão”. São com essas palavras, do poema “Sou África”, que podemos compreender um pouco do trabalho da escritora, rapper, ativista e poetisa moçambicana Énia Lipanga. A artista ministra nesta sexta-feira, 22, uma palestra sobre liberdade feminina em Roraima onde compartilha um pouco da sua vivência enquanto mulher africana e cheia de esperança.
Énia participa do III Congresso do Ministério Público de Contas de Roraima (MPC-RR) – Povos Originários e Direitos Humanos. Pela segunda vez no Brasil, a artista pretende discutir sobre a realidade de Moçambique, direitos humanos, empoderamento das mulheres e mais.
Em entrevista à FolhaBV, a artista pontuou que a poesia “lhe encontrou bem novinha”, ainda na pré-adolescência. Nessa época começou a perceber que existia um tratamento desigual para as mulheres e não era um tratamento especial. Um dos exemplos é de uma amiga que tinha na infância, que era impedida de estudar.
“Eu brincava com ela na rua, mas ela não dividia comigo a sala de aula porque ela era menina. Era uma família que não deixava que as meninas, as mulheres, estudassem. É uma realidade em Moçambique. Eu comecei, desde então, a perceber estas diferenças e a escrever sobre elas como uma forma de gritar, como uma forma de mostrar que nem tudo está bem”, pontuou.
Desde então, não parou mais. Há 14 anos criou o sarau “Palavras São Palavras”, um lugar de expressão livre para quem participa. O evento mensal celebra a diversidade e o poder de transformação da expressão poética, com promoção de poesia, teatro, música e comédia stand up.
Lançou o livro de poemas “Sonolências e Alguns Rabiscos”, uma produção impressa a tinta e braille, para permitir a inclusão de pessoas com deficiência; o segundo livro “Para Enxugar as Nódoas dos Meus Olhos” e “Ensaios da Partida”. Também promove o projeto “IncluArte”, um movimento cultural sobre a importância da inclusão da pessoa com deficiência.
“Temos um problema gigante de liberdade de expressão. Existe muita censura, existem temas que nós não podemos abordar, então através desta plataforma nós acolhemos novos poetas, principalmente vindo da periferia, nós conseguimos ouvir as realidades e as dificuldades de cada região do país”, frisou.
Sobre sua experiência, a artista explica ainda que sua vivência influencia sua arte e sua escrita, sendo difícil dissociar sua arte do seu ativismo social.
“É impossível escrever sobre flores quando a sua vida são espinhos, sabe? Quando a situação é complicada. Então eu acabo escrevendo sobre isso. Não que não existam outros temas de Moçambique, mas as pessoas que leem a Énia já sabem que vão encontrar na escrita dela muita luta, muita força, muita pobreza, sobretudo das mulheres”, destacou.
Escritora visita Roraima pela segunda vez e ministra palestra sobre liberdade feminina
Em entrevista à FolhaBV, a escritora explica que sua relação com o Brasil começou há muitos anos, mas visitou o país pela primeira vez em agosto deste ano para uma turnê artística. Acabou ficando pelo país por cerca de dois meses, onde chegou inclusive a visitar Roraima. Ela explica que a experiência até o momento é positiva, pois existe uma alta procura por literatura africana, sobretudo moçambicana.
“Eu percebi que aqui, nos países de expressão portuguesa, as pessoas conhecem mais Angola que Moçambique. Então, existe uma carência e uma curiosidade de conhecer pessoas de Moçambique. Também para mim existe um interesse porque eu sinto que é um dos lugares também para buscar África. Temos muitas similaridades e também muito resgate da memória que nós podemos fazer tanto através da escrita como também através de outras artes”, pontuou.
Sobre sua palestra no III Congresso MPC/RR, a escritora reforça que é uma grande oportunidade poder discutir direitos humanos, debater sobre a realidade moçambicana e enquanto mulher.
“Primeiro, quero abordar as vulnerabilidades tanto do país e sobretudo daquilo que é a minha grande temática, que é a área dos direitos humanos das mulheres. Eu costumo dizer que eu falo destas vulnerabilidades de mulheres, mas também eu falo de mim, porque eu sou uma pessoa também em situação de vulnerabilidade e em situação de risco até”, completou.