Os garimpos na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, impactam 59% dos rios próximos a comunidades, mostra um levantamento feito por pesquisadores de Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Universidade Veiga de Almeida, UnB (Universidade de Brasília), Ufam (Universidade Federal do Amazonas), entre outros, em parceria com a InfoAmazonia e divulgado nesta quarta-feira (21).
Os pesquisadores analisaram cerca de 25 mil km de trechos de rios dentro do Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena) da região. Desses, aproximadamente 1.900 km possuem comunidades indígenas a uma distância de até 1 km das margens. O trabalho usou técnicas de geoprocessamento e sensoriamento remoto —a metodologia não inclui coleta de amostras dos rios ou dos habitantes— para entender quais são as áreas mais afetadas por garimpeiros desde 2015.
Entre esses rios com o entorno habitado por yanomamis, 59% estão atualmente sob efeito do garimpo e invasões, com alta probabilidade de contaminação por mercúrio, concluíram os cientistas.
Diego Xavier, doutor em saúde pública pela Fiocruz e um dos responsáveis pelo estudo, afirma que “esta é uma estimativa conservadora”. Além de possíveis imprecisões nos dados, ele aponta outro fator: os indígenas circulam bastante pelo território para caça, pesca, agricultura e visitas a outras comunidades.
No trabalho, as áreas de vivência foram calculadas em 5 km no entorno de cada comunidade. Para a observação de alterações na cobertura florestal, foi examinada uma área de até 1 km ao redor dos locais, considerando os dados do Deter, sistema do Inpe que reúne alertas de desmatamento, degradação e mineração.
Assim, ao fazerem a sobreposição das áreas de vivência com os problemas relacionados aos invasores, os pesquisadores concluíram que cerca de 62% da população yanomami vive em áreas de risco.
Para Nathália Saldanha, antropóloga e doutora em informação e comunicação em saúde pela Fiocruz, esses números indicam “o extermínio progressivo desse povo”. A contaminação dos rios, ressalta, afeta todos os aspectos da vida dos indígenas: alimentar, sanitário, demográfico e social.
“A presença de um maquinário pesado das dragas, dos tratores e outras máquinas utilizadas pelo garimpo, afugenta os animais de caça. Além de poluir as terras e os rios”, afirma.
Maurício Ye’kwana, diretor da Hutukara Associação Yanomami, conta que devido ao impacto das invasões há indígenas que são forçados a pedir comida aos garimpeiros. “Começa a dispersão e a mudança de convivência da comunidade: entra drogas, bebidas alcoólicas”, diz.
O líder indígena explica que, devido à falta de alimentos nas comunidades mais afetadas pelo garimpo, elas se veem obrigadas a migrar, o que gera conflito com outros grupos. Maurício Ye’kwana destaca ainda que a distribuição de armas pelos garimpeiros torna esses confrontos mais violentos. “As outras comunidades sentem que estão sendo roubadas, mas essas pessoas estão apenas tentando suprir suas necessidades”, avalia.
“Não existiam conflitos dentro das comunidades. Então, o garimpeiro chega e diz que a Funai não é amiga, mas sim que o amigo é o garimpeiro. Ele promete roupas, munições, remédios. E isso vai alterando o pensamento dos indígenas”, completa.
No mais recente relatório da Comissão Pastoral da Terra, foi constatado que indígenas representaram 38% dos assassinatos em áreas rurais do Brasil em 2022. O levantamento evidencia a concentração da violência contra a população yanomami.
“Em 2022, dos 113 registros obtidos, 103 foram em Terra Indígena Yanomami, e destes, 91 eram crianças, representando 80,5% dos casos”, afirma o estudo.
Em janeiro deste ano, o governo federal começou uma série de ações contra o garimpo dentro da Terra Indígena Yanomami. À época, o Ministério da Saúde afirmou que aproximadamente 570 crianças indígenas haviam perdido a vida devido à contaminação por mercúrio, desnutrição e fome. Em resposta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viajou a Roraima e determinou a retirada definitiva dos garimpeiros.
Maurício Ye’kwana ressalta, porém, que os garimpeiros têm resistido contra as ações. “A quantidade de policiais não é suficiente, e as facções criminosas sabem que as forças policiais não têm força suficiente para eles”, diz.
De acordo com estimativa da Hutukara Associação Yanomami, antes das ações do governo federal, existiam cerca de 20 mil garimpeiros atuando ilegalmente dentro do território.
Para Diego Xavier, da Fiocruz, um dos elementos centrais para entender a degradação do território Yanomami é a facilitação do acesso geográfico. “Os garimpeiros tomaram as pistas [de pouso] que já tinham e construíram novas. E a fiscalização não travou. Começaram a invadir o espaço nos quais os indígenas viviam, e foram expulsando-os”, explica.
O levantamento do grupo identificou também essas pistas de pouso, tendo como referência as imagens de satélite do sistema Planet feitas em dezembro de 2022. Foram encontradas 188 no território analisado.
Ao cruzar a localização das pistas com a dos rios, os pesquisadores observaram que 138 possuem um rio próximo muito impactado.
A qualidade das águas também foi analisada no estudo, com uma avaliação da mudança de cor, em 2015 e 2022, a partir de imagens de satélite. Considerando apenas os rios com grande volume de água, 63% das aldeias yanomami estudadas têm como corpo hídrico mais próximo um rio impactado pelo garimpo.
Jefferson Santos, coordenador do Laboratório de Inteligência Geográfica em Ambiente e Saúde da Universidade Veiga de Almeida, explica que são rios “com grande material particulado, gerando mudança de cor e de parâmetros de qualidade, tal como a oxigenação”.
Um desses rios é o Mucajaí, que cruza a região central e leste do território Yanomami. Devido à atividade garimpeira, até o curso dele foi alterado. A ação foi gravada e publicada em redes sociais por garimpeiros, em tom de comemoração.
Segundo Xavier, uma ação tão drástica como a vista no vídeo divulgado, que muda definitivamente o curso d’água, pode acarretar até na morte do rio. O pesquisador destaca que o impacto pode se estender para toda a bacia, já que o Mucajaí “é um importante tributário do rio Branco, que por sua vez deságua no rio Negro, que contribui com a vazão do rio Amazonas”.
Todos os rios da Terra Indígena Yanomami fluem para o rio Branco, que fornece água para Boa Vista, ou então para o rio Negro, que atravessa diversos territórios indígenas e, por sua vez, abastece a cidade de Manaus. Por isso, os efeitos do mercúrio na saúde de populações urbanas, mesmo que relativamente distantes das áreas primeiramente impactadas pela atividade garimpeira, têm sido objeto de outros estudos da Fiocruz. Esses trabalhos apontam para contaminação em cidades como Boa Vista e Santarém (PA).
Fonte: Infoamazônia