Os restos mortais dos indígenas que tenham falecido em decorrência da covid-19 e que foram enterrados em cemitérios de Boa Vista poderão ser exumados para que sejam transladados para as comunidades de origem. A recomendação foi feita pelo Ministério Público Federal aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas do Leste de Roraima e Yanomami para que os familiares possam executar os rituais fúnebres tradicionais.
A viabilidade sanitária da exumação dos corpos foi aprovada por meio de parecer técnico emitido pelo Instituto de Medicina Legal de Roraima e pela Vigilância Sanitária de Boa Vista. A recomendação é resultado de amplo debate promovido por meio de inquérito feito com lideranças indígenas, Defesa Civil, antropólogos e gestores da saúde.
Segundo a recomendação, os distritos sanitários devem entrar em contato com os familiares para verificar o interesse na exumação e traslado. Em reunião, os DSEIs concordaram em arcar com o valor do procedimento e prestarão orientações às comunidades sobre as medidas de biossegurança necessárias.
Foi estipulado prazo de 20 dias para que os distritos sanitários se manifestem sobre a medida. No entanto, o documento não determinou data para a realização das exumações, uma vez que dependerá da manifestação de interesse dos familiares, assim como levantamento de recursos.
“Mais do que lamentar a morte de alguém e lhe prestar as últimas homenagens, como ocorre nas cerimônias fúnebres da sociedade envolvente, para os povos indígenas a prática ritualística do luto ocupa espaço central da sua visão de mundo, e não há alternativas compensatórias para esse cerimonial. Por isso, tolher tais povos dos seus atos tradicionais é uma maneira de violentá-los e de privá-los de sua forma de se despedir de seus entes queridos, ou, como afirmam os Yanomami, ‘pôr suas cinzas em esquecimento’, argumenta o procurador da República Alisson Marugal.
O inquérito foi instaurado em 2020, no início da pandemia de covid-19, após denúncias dos povos Wai Wai e Yanomami de que as práticas culturais de luto estariam sendo violadas por autoridades sanitárias. Na época, o MPF se manifestou informando que acompanhava as denúncias e que estudava uma solução que atendesse as demandas culturais dos indígenas, assim como que garantisse a segurança sanitária em meio à pandemia.
Polêmica
Ainda em 2020, recomendação do MPF impediu que indígenas continuassem a ser enterrados em cemitérios urbanos sem consentimento de seus familiares. Contudo, foi necessária nova recomendação para que os corpos já sepultados fossem exumados e trasladados para suas comunidades de origem. O MPF também emitiu parecer favorável à exumação em ação ajuizada pela comunidade Xaari, do povo indígena Wai Wai, que foi julgada procedente.
A recomendação visa garantir o cumprimento dos dispositivos da Constituição da República de 1988 e da Convenção nº 169 da OIT que garantem o respeito às crenças, à cultura, aos costumes e às tradições dos povos indígenas.