A promessa de moradia, comida e dinheiro é a porta de entrada para pessoas caírem em emboscada e se encontrarem realizando trabalho análogo a escravo. Em Roraima, os números do Ministério da Economia demonstram que, em operações especiais, os imigrantes venezuelanos são os trabalhadores mais explorados nas fazendas e área urbana.
No ano passado, em meio a operações especiais, 15 trabalhadores foram resgatados em condições sub-humanas, dos quais 12 eram venezuelanos. Entre os destaques feitos nos relatórios do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), está a grande distância entre a fazenda em que o trabalhador foi encontrado para a capital, o que facilita a permanência das pessoas nessas condições.
Para Felipe Kaliu, advogado especialista em direito público, a crise humanitária do país vizinho resulta em pessoas procurando qualquer tipo de perspectiva para sair da miséria.
“Muitas pessoas fazem captação dos venezuelanos e os levam até as fazendas, cujo acesso é distante. Se a pessoa se arrepender de ter ido porque viu que era trabalho escravo, não tem como sair de lá e acaba ficando presa”, afirmou.
Após o resgate, há uma série de medidas tomadas com a finalidade de cessar o dano causado à vítima e reparar os prejuízos. É feito, então, o acolhimento em assistência social e a emissão da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS). Por se tratar de pessoas migrantes, a sanção aplicada é feita de três formas, sendo administrativa, reclamação trabalhista e ação penal, podendo ser de dois a oito anos.
Kaliu destacou que além do trabalho escravo, as pessoas também são resgatadas de outros tipos de abusos, como a exploração sexual ou trabalho infantil.
“O Brasil absorveu muitas legislações de direito internacional público, ou seja, a Convenção 29 e 105 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], e foi signatário do Pacto de San Jose, da Costa Rica. Isso tem força de norma superlegal, que está acima de leis federais”, explicou.
Trabalho escravo é caracterizado por condições sub-humanas
No trabalho análogo ao escravo, o empregador se beneficia da posição que tem para enganar o empregado e fazer com que ele trabalhe mais em condições deploráveis. Estar em habitação inadequada, alimentação sem nutrientes e falta de acesso à água potável são alguns dos exemplos encontrados pelos auditores-fiscais durante as operações para recuperar os trabalhadores.
“Muitas vezes, a água dada não é para consumo, é de poço que tem animais e tudo de ruim. Se a pessoa ficar doente, não tem como ela ir até a cidade porque não tem transporte. Além disso, dentro das cidades, tem trabalho escravo, mas de uma forma mais velada. Algumas vezes, colocam venezuelanos na construção civil com condições preocupantes”, destacou.
A falta de assinatura na CTPS é um dos principais pontos irregulares encontrados, limitando os direitos trabalhistas do empregado. O emprego sem a carteira assinada gera uma multa de R$ 3 mil e pode ser aumentada de acordo com a reincidência.
“Os venezuelanos são pessoas que têm mais necessidades que as nossas. Se fosse feito com um brasileiro, a pessoa não aceitaria isso. Então, aproveitam que o imigrante não conhece nossas leis, está passando fome e dorme na rua. Nesses casos de necessidade extrema, retiram essas pessoas, não é apenas uma pessoa só e sim uma quadrilha que faz esse tipo de crime, que olham os que pedem ajuda nos sinais”, completou. (A.P.L.)
Extinção de ministério pode diminuir fiscalizações de trabalho escravo
Para o especialista, os números de venezuelanos em situação de trabalho escravo podem aumentar durante o ano de 2019. Esse cenário pode ocorrer principalmente após extinção do Ministério do Trabalho e Emprego, que se tornou um departamento do Ministério da Economia no governo de Jair Bolsonaro (PSL).
“Isso causou prejuízos incalculáveis para essas pessoas porque, com isso, creio eu, a fiscalização e os resgates vão ser muito menos efetivos, não vão ser feitos como antes. O venezuelano não tem ainda todos os documentos necessários para que possa trabalhar legalmente e a pessoa se aproveita disso para captar e explorar”, encerrou. (A.P.L)