Onde não existe calçada e nem ciclovia, os pedestres e ciclistas precisam disputar a pista com os carros. E onde só existe a calçada, quem pilota a bicicleta tem que pedir passagem para as pessoas ou se expor ao risco de ser atropelado na via.
“A questão dos direitos dos ciclistas e dos pedestres, estes têm preferência de passagem em relação aos veículos automotores, assim regula o CTB (Código Brasileiro de Trânsito)”, esclarece o advogado Vital Leal.
O CTB também prevê que órgãos e entidades rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, devem “planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas”.
Mas a maior parte das ruas e avenidas de Boa Vista, no entanto, não tem ciclovias, o principal meio para garantir essa segurança. Além disso, ciclistas são desafiados pela falta de consciência de pedestres, motoristas e até de quem pilota a bike. Parte do próprio grupo desconhece e desobedece propositalmente o objetivo da ciclovia.
Resolver esses problemas é o sonho da advogada Juracy Moura, ativista dos direitos dos ciclistas.
“Acho que pode melhorar muito a nossa rede de ciclovias, não só na qualidade, mas também na extensão. Se pode estender muito mais, existe condições. Precisamos de uma campanha por mais respeito aos ciclistas também […]. Meu sonho é ver Boa Vista se tornar na capital mais ciclística do Norte do país, porque acredito que o esporte é um meio de transformação social”, avaliou a ciclista.
Recurso para isso tem sido destinado. Segundo o Plano Plurianual (PPA) 2018-2021 e as Leis Orçamentárias Anuais (LOA) do município de Boa Vista desse mesmo período, dos R$ 1.187 bilhão destinados só para a área de Urbanismo, R$ 11.493.900 foram para construir ciclovias e R$ 1.575.000 foram para fazer a manutenção dessas vias. O cálculo não considera a LOA de 2020, porque ela não especifica quanto foi investido nesse quesito.
Moura diz que a ciclovia em Boa Vista é uma conquista histórica para os ciclistas. Até 2016, a cidade era a única capital que não tinha essa via exclusiva. Hoje, são 40 quilômetros desse tipo de via no município.
“Foi uma luta muito grande, fizemos campanha, fomos pra frente da Prefeitura, pressionamos por ciclovias”, relembrou a advogada.
Malha cicloviária atende 28 ruas da capital
Segundo a Prefeitura de Boa Vista, a pista destinada aos ciclistas corta 28 ruas e avenidas da capital, de leste a oeste. Atualmente, existe a construção de três quilômetros de ciclovia no Parque Linear do Bairro dos Estados, que compreende as ruas Pernambuco e Rio Grande do Sul. Quando concluída, a cidade passará a ter 43 km desse tipo de via.
Nos últimos quatro anos, segundo as leis orçamentárias municipais, a Prefeitura de Boa Vista investiu R$ 1.613.128 com a implantação do plano de mobilidade urbana. Esses projetos contemplam ainda três ligações viárias com pontes de concreto, 600 abrigos de ônibus simples e 75 climatizados, calçadas, reforma e ampliação do terminal de ônibus Luiz Canuto Chaves, além de corredores de ônibus.
Trânsito de Boa Vista matou 32 ciclistas em cinco anos
Segundo o Departamento Estadual de Trânsito (Detran), de 2016 a 2020, os ciclistas ocuparam a quinta posição entre os que mais se envolveram em acidentes de trânsito em Boa Vista. Nesse período, 32 deles morreram. Em 2017, eles chegaram a ocupar o segundo lugar do ranking de mortes, com 13 ocorrências.
Entraram nestas estatísticas ciclistas que pedalavam em trechos sem ciclovia, como Nirlene Silva dos Santos, de 39 anos, atropelada e morta por um ônibus em 2017, e Josias Barbosa Lopes, de 42 anos, atropelado e morto por um carro em 2019. Neste último caso, o motorista fugiu sem prestar socorro.
Quem quase entrou para esses números foram a autônoma Ana Paula dos Santos Moura Bindá, de 37 anos, e o filho Nicolas Davi Moura Bindá, de 16. Há um ano, os dois pedalavam com um grupo de mais três ciclistas, na Avenida Venezuela, em direção ao bairro Liberdade, quando duas carretas passaram. Assustados, mãe e filho subiram na calçada. Por poucos metros, não foram atingidos.
“Isso aconteceu próximo ao viaduto. Estávamos em cinco pessoas e tentamos subir na calçada, pois vinham duas carretas. Graças a Deus, não quebrei nada, mas fiquei bem machucada mesmo”, relatou.
O Detran reúne ainda, em uma só estatística, os dados de garupas de motocicleta e bicicleta. De 2016 a 2020, 1.966 dessas pessoas se envolveram em acidentes, sendo que 19 perderam suas vidas. O maior número de vítimas fatais foi registrado em 2020, quando sete pessoas morreram.
Os motoristas lideraram o ranking de acidentes de 2016 a 2020, com 17.393 ocorrências. Já no topo das estatísticas de mortes no trânsito, nesse período, estão os motociclistas, com 132 óbitos. Todos os dados são apenas quantitativos, isto é, não dizem se houve imprudência dos envolvidos.
“O Detran, atento a essa realidade do estado, promove campanhas, ações de conscientização para que se evite o acidente”, pontuou o presidente do Detran-RR, Igo Brasil.
Procura pela bicicleta cresce em Boa Vista durante a pandemia
A proibição da prática de modalidades coletivas no início da pandemia motivou o aumento da procura pela bicicleta em algumas lojas de Boa Vista. A loja do empresário Júnior Farias, por exemplo, registrou alta de julho a agosto de 2020.
“As pessoas queriam uma prática de esporte, porém, não podia ser coletivo. Como o futebol e a academia estavam proibidas, as pessoas optaram pela bicicleta. A procura era grande, mas a oferta se tornou menor”, pontuou.
Ele se refere à queda da produção de bicicletas no Brasil, em virtude da pandemia da Covid-19. Segundo a Abraciclo (Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares), as fábricas do Polo Industrial de Manaus registraram queda de 11,3% na produção de bicicletas em abril de 2021, quando foram produzidas 51.281 unidades, número abaixo dos 57.843 de março.
Apesar da queda na produção, o setor manteve alta de 409,2% em relação ao mesmo período do ano passado, quando o número de bicicletas fabricadas foi de 10.071 unidades.
Paula Demétrio, gerente de loja no segmento, reforça essa tendência de crescimento na pandemia, principalmente de março a maio de 2020.
“A galera que comprou a bike por conta da pandemia, pra se exercitar, tá até mudando de bike. Hoje a procura ainda é grande, mas não é como no começo, quando vendíamos mais de 50 bikes por mês”, disse.
“Houve um boom de vendas no ramo das bikes, não só no Brasil como em outros países, foi um recorde de vendas. As fábricas, até hoje, não conseguiram voltar ao normal. Em 2020, a partir de abril até dezembro, as vendas foram ótimas”, avaliou o empresário Peterson Pereira.
Por que hoje é o Dia Nacional do Ciclista?
Nesta quinta-feira (19), o Brasil comemora o Dia Nacional do Ciclista. A data foi instituída em 2017 para aprimorar e promover a educação para a paz no trânsito, e estimular o uso da bicicleta, visando a cidadania e a mobilidade sustentável.
A data foi escolhida porque, neste mesmo dia, em 2006, o biólogo Pedro Davison, de 25 anos, morreu atingido por um carro enquanto pedalava em uma via expressa de Brasília, que é fechada ao tráfego de veículos aos domingos e se transforma em área de lazer. O motorista, por sua vez, foi condenado à prisão no semiaberto por homicídio com dolo eventual.
Por agosto ser alusivo ao ciclista, o Detran-RR realiza aos domingos deste mês, das 17h às 20h, na Avenida Ville Roy, próximo ao shopping do bairro Caçari, a campanha “Pista Livre”, para orientar as pessoas acerca do seu papel no trânsito, distribuindo a elas cartilhas da ação.