Está lá, no site do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em Roraima, a instituição tem 67 assentamentos, nos quais residem 16.566 famílias. Apesar de alguns estarem implantados há mais de 30 anos, apenas um foi emancipado. Os dados são referentes ao dia 31 de dezembro de 2017.
Os dados exibem o grau de responsabilidade com mais de 16 mil agricultores familiares, vivendo em lotes da reforma agrária. A esses assentados, o Incra deveria oferecer estradas e pontes em boas condições, postos de saúde e escolas, entre outros serviços fundamentais ao desenvolvimento da atividade e dos parceleiros.
Mas, como o tempo é de escassez, o superintendente do Incra, Antônio “Maranhão” Gomes, diz estar buscando apoio para resgatar os compromissos da instituição. Para a presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares do Estado de Roraima (Fetraferr), Maria Alves, a agricultura familiar está falida.
De acordo com o superintendente do Incra, o instituto passou por longo período de estagnação. A falta de dinheiro restringiu a capacidade da instituição de cumprir seus deveres junto aos assentados.
“O Incra passou por um período sombrio que durou os últimos oito ou nove anos. Foi um período que ficamos desassistidos, principalmente na questão de verba para a infraestrutura. Quando assumi a superintendência, fizemos um levantamento de que precisaríamos de R$ 380 milhões para recuperar a estrutura para os lotes em terras da União”, explicou.
Falando da atualidade, “Maranhão” relatou que, em sua gestão, conseguiu R$ 50 milhões através de repasse do Governo Federal. Esse valor foi distribuído entre prefeituras que tinham projetos nos moldes e para aquilo que fosse interesse do Incra.
“Esses valores estão pulverizados nos municípios. As prefeituras criaram projetos com as mesmas finalidades para as quais os nossos recursos seriam direcionados. Seria a melhoria de estradas e recuperação de pontes que estão caindo aos pedaços”, relatou.
Na prática, manter a estrutura de desenvolvimento dos assentamentos é um passo para que esses polos conquistem independência e sejam emancipados. Isso significa entregar ao agricultor familiar o título de propriedade da terra.
Mas, até o momento, somente um assentamento, no Município do Cantá, passou pelo processo de emancipação, que demora pelo menos três anos e as terras não mais são da União. Outros dois que estão em processo visando a emancipação são os de Vila Nova e Samaúma, em Mucajaí.
A Folha apurou que o Incra tem projetos antigos, como o PAD Anauá, com mais de 30 anos de implantado, e que está longe da emancipação. Por exemplo, a cidade de Rorainópolis está dentro do assentamento. Beneficiários originais venderam seus lotes a terceiros e esse processo estimulou a criação de fazendas com grandes áreas, muito além dos 100 hectares do módulo permitido.
Federação acredita que Incra avançou e busca ‘conciliação’
De posicionamento crítico quanto a participação do Incra em apoio aos associados, a presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares do Estado de Roraima (Fetraferr), Maria Alves, diz que o Incra vem mudando nos últimos anos. Ela imagina que atualmente até exista uma espécie de ‘conciliação’ entre as duas instituições.
“O Incra avançou um pouco de 2016 para cá. Procuramos trabalhar de forma harmoniosa. Encaminhamos as demandas dos agricultores e eles fazem o trabalho deles”, resumiu.
Dentre as questões que o Incra e Fetraferr tentam resolver juntos, Maria destaca o problema de pessoas que após receberem benefício do Incra vão para outros estados e abandonam os lotes que lhes foram destinados.
“É preciso fazer chamadas públicas para definir como resolver a questão das terras abandonadas. Assentados de outros estados podem vir e contestar esse tipo de coisa. Estamos trabalhando com cuidado quanto a isso”, mencionou.
Apesar dos trabalhos visando a emancipação, nem tudo é positivo nesse processo. Para Maria, o crescente número de títulos entregues, segundo o Incra, 664 de 2017 para 2018, pode demonstrar um jogo de interesses políticos.
“Sempre alertamos aos agricultores para políticos que se tornam bonzinhos em época eleitoral. Títulos são entregues e recursos repassados por políticos mais interessados em serem reeleitos que pensar no desenvolvimento econômico da agricultura em Roraima. E isso é perigoso, pois depois de eleito, tudo ficará abandonado pelo Incra novamente”, explicou.
A presidente enfatizou que a Fetraferr vem ensinando agricultores a usarem melhor os recursos naturais, atentando para a sustentabilidade. “Temos que preservar 80% dos lotes. Por isso, os ensinamos como aproveitar melhor a terra na produção agrícola e cuidar de animais, como peixes, em ambientes que podem não parecer favoráveis”, relatou.
Fetraferr defende mais atenção para agricultura familiar
A presidente da Fetraferr, Maria Alves, entende que a agricultura familiar em Roraima está falida. Para ela, isso ocorreu devido a falta de compromisso por parte de políticos com os agricultores e a economia do Estado. Ressalta que em tempos de recuperação do Incra, é preciso ficar atento para que essa movimentação não sirva de autopromoção durante a campanha eleitoral.
“Em ano de eleição, peço ao atual superintendente que faça um trabalho voltado às famílias que sustentam a nossa agricultura. Que ele não se envolva demais com certos políticos. Somos parceiros do Incra, temos interesse numa relação amigável para que os recursos sejam destinados àqueles que garantem 80% da alimentação em Roraima”, finalizou. (P.B)