Quatro dias depois dos crimes bárbaros cometidos pelo policial militar Felipe Quadros, 22 anos, a família das duas vítimas do bairro Pricumã (pai e filha, Eliésio Oliveira e Jannyele Filgueiras) decidiu quebrar o silêncio e esclarecer detalhes que, até a tarde de ontem, não haviam sido divulgados à imprensa. Um dos parentes fez um relato do caso desde o início da amizade entre a fisioterapeuta Jannyele e a ex-namorada do PM, que se chama Ana Caroline, até o dia em que o crime aconteceu.
“Jannyele conheceu Ana Caroline quando foi trabalhar no Município do Amajari [Norte do Estado]. Minha prima era fisioterapeuta e Ana Caroline, enfermeira. Como Ana Caroline morava sozinha no Estado, elas tiveram uma afinidade e viraram amigas. Quando Ana Caroline vinha para a cidade, ela ia à casa dos meus tios, participava de almoços, confraternizações e tinha esse namorado [Felipe Quadros]. Inclusive, ele chegou a ir a churrascos na casa da família”, relatou o assessor jurídico Rony Mesquita, que é primo de Jannyele.
Para Mesquita, o policial já apresentava indícios de que era uma pessoa que demonstrava um temperamento agressivo quando contrariado. “No dia 12 de junho deste ano, ele, alterado, compareceu à casa da minha tia e queria tirar a menina à força. Ela estava na casa e não quis sair com ele, que tentou tirá-la à força. Meu tio interveio e pediu para ele ir embora e, quando se acalmasse, voltasse para que pudessem conversar. Foi quando Felipe saiu da casa, pegou um cassetete e quebrou o carro da menina [Ana Caroline] todinho. A partir daí começou o terror na vida dos meus tios. Ele pegou raiva da família por causa disso”, afirmou Mesquita.
Depois de ter quebrado o carro da ex-namorada em frente à casa da família, pai e filha foram à polícia e prestaram depoimentos. Mas, neste intervalo, Ana Carolina foi embora para o Estado do Pará e acabou retirando as queixas que ela tinha contra o soldado. Segundo as informações, ela foi convencida de que Felipe pagaria uma pensão e que tudo ficaria bem entre os dois.
Mesmo em outro Estado, o PM continuou aterrorizando a ex-namorada por meio de mensagens enviadas pelo Whatsapp, inclusive um áudio do policial homicida dizendo que ela não estava segura, nem debaixo das asas da mãe, que não adiantaria denunciar, porque estava certo que ficaria impunidade.
“Algumas vezes, o portão da casa da minha tia apareceu quebrado e, há um mês, apareceu um tiro no portão. No mesmo dia, a casa do tio da Ana Caroline foi alvejado com três tiros. Quando a tia Nilra [mãe e esposa das vítimas] contou para Jannyele, ela entrou em desespero, porque a menina [Ana] tinha avisado para ela que o cara tinha atirado por três vezes na casa do tio”, destacou o familiar.
Acreditando que se tratava de uma ameaça e temerosos pelo que poderia acontecer, procuraram a polícia para ter respaldo. “Foi quando eles foram à polícia. Eles não acusaram o policial militar porque ficaram temerosos, pois ele fez uma coisa dessa com o intuito realmente de amedrontar e não fez questão de esconder que era ele que estava fazendo isso, pois ele já tinha mandado vários avisos, tanto para a Carol como para a Jannyele”, acrescentou Rony Mesquita.
O soldado passou a enviar áudio e mensagens declarando que ninguém estava seguro, que nada iria acontecer com ele pelo fato de que crime de ameaça poderia ser pago com três meses de detenção ou multa, mas estava certo de que não seria, sequer, advertido. “No fim de semana passado, ele foi até o Amajari porque pensava que a Carol estava no Amajari. Quando voltou, ele fez a tocaia na frente da casa da minha tia, pensando que a Carol estava na casa dela. Ele entrou para matar a Carol e acabou matando os dois [pai e filha]”, disse parente.
O sobrinho de Eliésio também falou que no dia em que o tiro foi dado no portão, pai e filha foram à polícia e prestaram queixa, mas em momento algum chegaram a acusar o policial militar diretamente. “Porque eles tinham medo, eles sabiam que ele era uma pessoa do mal. Eles pensaram em registrar o boletim de ocorrência sem citar o nome, que é para ele pensar que a gente não sabia que era ele, para deixar de mão e esperar que ele esquecesse isso e a gente tocar a vida”, frisou.
Quando questionado sobre o dia em que a ex-namorada foi embora, Rony Mesquita não soube informar. “Não sei precisar a data que a Ana foi embora. Depois do ocorrido, a minha tia não entrou em contato com a família dela [Ana] e a família dela tampouco entrou em contato com a minha tia. Minha tia não quer saber, quer deixar ela para lá e não quer contato”, frisou.
No entanto, no dia em que tiros foram dados nos portões, as famílias mantiveram contato. “Na época, a gente entrou em contato com a família dela. Como tinham atirado na casa do tio da Carol também, eles queriam que unissem as forças e fossem atrás disso. Quem não queria fazer isso era a Jannyele e o meu tio. Eles estavam com muito medo. Minha tia, sim, queria que eles fossem prestar uma queixa”, complementou Mesquita.
As duas amigas continuaram conversando mesmo quando a ex-namorada de Felipe foi embora do Estado. Mantinham contato por meio de ligações telefônicas e Whatsapp, mas Nilra Jane, mãe de Jannyele, pediu que se afastassem. “Posso te garantir uma coisa: minha prima era uma pessoa de um coração muito bom. Ela morreu por tentar ajudar outra pessoa. Essa pessoa foi embora e, infelizmente, aconteceu isso aqui. Ele descarregou toda a raiva dele em cima da nossa família”, pontuou o familiar.
A professora Nilra Jane não teve contato algum com Ana Carolina e a família dela desde o acontecido, mas disse que deseja que ela seja feliz no local onde mora atualmente. “A gente tem que respeitar a vontade da minha tia. Já aconteceu o que tinha que acontecer, então, o que nós queremos hoje é que ele [policial militar] seja mantido preso, que ele seja julgado e condenado pelos crimes que ele praticou”, frisou o sobrinho.
Dia do crime foi atípico para a família
Segundo Rony Mesquita, a professora Nilra Jane contou detalhes de como ocorreram os homicídios no dia 09. “Ela tinha instalado, havia 20 dias, um circuito de segurança na casa. Ali, naquela filmagem que foi amplamente divulgada, só foi a filmagem da frente, mas havia câmeras dentro da casa, que pegaram o restante do ocorrido”, disse Mesquita, destacando que os demais registros das câmeras foram analisados pela perícia.
“A tia Nilra relata que foi um dia atípico para eles desde que eles se levantaram, porque minha tia tinha uma rotina que era de levantar cedo para ir à academia e, ao voltar, fazer o café da manhã.
Depois, todos saíam para os seus trabalhos. Mas, nesse dia, ela não foi para a academia. Meu tio, que dormia até tarde, acordou mais cedo. A Jannyele, que saía depois da minha tia, saiu antes”, ressaltou.
Os pais de Jannyele estavam conversando do lado de fora da casa, mas dentro das dependências do terreno. Foi aí que escutaram uma batida muito forte de carro e, como o portão ainda estava aberto, foram ver o que aconteceu. “Meu tio saiu correndo, todo mundo viu que ele foi até a porta do carro. Eu acho que, até então, ele não sabia quem era o PM e, quando ele abriu a porta do carro, foi surpreendido com o primeiro tiro. Quando ele caiu, o PM saiu e executou-o na frente da minha tia. Ela observou absolutamente tudo”, salientou o sobrinho.
Percebendo que não poderia ajudar o esposo, que recebeu tiros na cabeça, a esposa da vítima correu para dentro de casa, passou e deixou a porta aberta. Em seguida, voltou para fechar a porta e, quando virou de costas, a outra filha viu quando o soldado apareceu na porta tentando engatilhar a arma, momento gravado pela câmera interna. “Ou seja, ele ia matar toda a família. Ele não matou porque a arma não funcionou. As portas de lá são de blindex, então, se a arma tivesse funcionado, talvez hoje nós estivéssemos chorando por cinco pessoas”, frisou.
Como são religiosos, dizem que não duvidam que o fato de a arma ter travado nas mãos do PM se trate de um livramento divino. “Somos muito religiosos e acreditamos que tenha sido uma intervenção divina, porque os policiais são treinados para atirar e em um momento de pane desse, o cara não conseguiu. A perícia encontrou projéteis não deflagrados na varanda, quando ele tentava engatilhar a arma. Assim como ele entrou andando na casa, ele saiu andando, passou e deu um chute nas pernas do meu tio, como se tivesse chutando um saco de lixo. Entrou no carro e foi matar o Ernani [empresário com quem o policial tinha uma dívida]”, narrou Rony Mesquita.
Como ficou trancada dentro de casa, Nilra não sabia que o soldado homicida também havia matado a filha. “Minha tia só soube que minha prima tinha morrido umas duas horas depois, porque, até então, ela só viu a execução do marido. Ela não sabia que ele tinha executado minha prima dentro do carro. A gente só contou para ela quando a psicóloga chegou”, frisou Mesquita.
Como muitas declarações falsas foram divulgadas, a imprensa foi chamada para esclarecer o fato. Conforme Rony Mesquita, a Polícia Militar está dando apoio à família e, nos últimos dias, o comandante da PM, Dagoberto Gonçalves, visitou a casa onde o crime aconteceu para conversar com Nilra Jane Figueira. Ela diz que não sai da sua cabeça a imagem do marido sendo executado a três metros à sua frente. (J.B)