POLÊMICA AUDIÊNCIA

Família de preso servido com café e cobertor se entristeceu com exposição nacional, diz advogado

Saiba como vídeo viralizou, o que detento fez para ser preso e quem é a juíza que conduziu polêmica audiência de custódia, a mesma que prendeu ex-senador Telmário Mota

Luan Gomes foi preso por tráfico de drogas (Foto: Reprodução)
Luan Gomes foi preso por tráfico de drogas (Foto: Reprodução)

A família de Luan Gomes, de 20 anos, ficou extremamente triste pela repercussão nacional do vídeo em que o preso é servido com café e cobertor por sentir frio, durante audiência de custódia conduzida pela juíza estadual Lana Leitão Martins. A revelação é do advogado do jovem, Renato Franklin.

“Quem ficou muito triste foi a família, que viu a imagem do seu ente, nas redes sociais, em veículos de comunicação de repercussão nacional. Isso trouxe algo negativo em relação ao que se estava fazendo naquele dia”, disse, à Folha, Franklin, que pediu uma apuração interna do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) para descobrir quem vazou o vídeo da audiência realizada em 10 de janeiro.

“Quem fez o download do vídeo, é uma pessoa muito irresponsável, tinha intenção de denegrir a imagem da magistrada, porque todos apontamentos, todas as manifestações foram em cima da magistrada”, avaliou o advogado de Luan Gomes, que também lamentou que autoridades com conhecimento da legislação “ficam comentando algo que não deviam”.

“Acredito que, se fosse alguém da família dele, algum parente próximo, gostariam muito que a legislação fosse cumprida à risca, e a doutora Lana Leitão fez cumprir a norma. E a defesa, naquele momento, realmente, resguardou o direito do custodiado de todas as formas”, completou. “Se Deus quiser, a gente vai conseguir pleitear a absolvição dele nesse crime e mostrar pra sociedade que foi um erro quanto à prisão dele”.

Jovem foi preso duas vezes por tráfico

Luan Gomes foi preso em flagrante pela Polícia Federal (PF) por tráfico de drogas, ao ser localizado com mais de dois quilos de maconha. Na audiência de custódia – instrumento em que o acusado preso avalia a legalidade de sua prisão -, a juíza roraimense entendeu que havia indícios suficientes para implicá-lo e o manteve preso preventivamente.

A defesa dele chegou a pedir liberdade provisória com monitoramento por tornozeleira, mas o pedido foi negado por Lana Leitão, a qual avaliou que a medida “não impediria a reiteração da prática criminosa, uma vez que a investigação policial aponta para a ocorrência da prática na residência” do suspeito.

Em 2022, Luan Gomes foi preso pela Polícia Civil de Roraima pelo mesmo crime durante apreensão de 20 pacotes de skunk, entorpecente conhecido como supermaconha, e apresentou boa conduta enquanto esteve atrás das grades. Quatro meses depois, Luan foi solto da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc) para responder às acusações em liberdade.

O jovem acabou condenado a mais de quatro anos de reclusão, mas conseguiu diminuir a pena para um ano e nove meses em regime aberto, após ter o recurso parcialmente aceito pela Justiça de Roraima. “Nós vamos vai apresentar a defesa pra que ele possa ser absolvido no futuro”, afirmou o advogado Renato Franklin.

Vídeo começou a viralizar em perfis bolsonaristas

As imagens em que Lana Leitão condiciona o início da reunião após Luan conseguir se esquentar viralizaram nas redes sociais e geraram ataques à magistrada e ao detento. O vídeo começou a circular apenas horas depois da audiência, especialmente em perfis de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), contrário à audiência de custódia. Ele mesmo fez críticas.

“Os criminosos se utilizam deste artifício que muitos entendem como correto como se vivêssemos em um país onde a criminalidade jamais fosse algo deflagrado como a níveis superiores à nações em níveis de guerra”, disse no X.

Juíza prefere o silêncio, mas ganha apoio em Roraima

A juíza estadual de Roraima, Lana Martins Leitão (Foto: Arquivo FolhaBV)

A juíza Lana Leitão não vai comentar o caso “por se tratar de rotina de procedimento na audiência de custódia”, informou o TJRR. O Poder Judiciário se colocou à disposição para esclarecimentos e reforçou ainda que, legalmente, “as audiências de custódia são conduzidas assegurando condições adequadas ao custodiado e respeitando os princípios dos direitos humanos”.

Por outro lado, Lana Leitão recebeu apoio dos colegas que atuam no Judiciário em geral. A Associação dos Magistrados de Roraima (Amarr) homenageou a juíza por “sua competente e humana atuação” na audiência de custódia e repudiou os ataques à magistrada.

“A atitude da magistrada, que demonstrou urbanidade e sensibilidade, foi adotada no contexto jurisdicional, objetivando segundo seu compromisso funcional e a garantia dos direitos da dignidade da pessoa humana, assegurados pela Constituição Federal”, afirmou, em nota, a entidade que a classifica como “orgulho”.

O presidente da OAB-RR (Ordem dos Advogados do Brasil em Roraima), Ednaldo Gomes Vidal, formalizou menção elogiosa à juíza por “sua atuação ética e humanizada”. Ele citou a “boa prestação de serviços no cumprimento” da Constituição Federal, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), do Código de Processo Penal, entendimentos do STF (Supremo Tribunal Federal) e de resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Para Vidal, Lana Leitão aplicou “efetivamente o ordenamento jurídico, observando as regras de segurança sanitária e garantia de direitos da pessoa presa, com excelência, presteza e dedicação, sempre pautada na ética e compromisso institucional”.

Quem é a juíza Lana Leitão

Oriunda de família tradicional local, Lana Leitão Martins nasceu no dia 27 de novembro de 1971, em Boa Vista, época em que Roraima era território federal. É filha de Júlio Martins – ex-prefeito, ex-vereador e ex-presidente da Câmara Municipal de Boa Vista, e ainda ex-deputado federal pelo Estado.

Formada em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), Lana é mestre em Segurança Pública, Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade Estadual de Roraima (Uerr). Ingressou na magistratura em 18 de setembro de 2002, como juíza substituta no TJRR.

Em 8 de junho de 2010, foi promovida a juíza de Direito de São Luiz (RR). Ela ainda atuou como titular da Comarca de Mucajaí (2011 a 2013) e na 1ª Vara Criminal (2013 a 2014). Titular da Primeira Vara do Tribunal do Júri e da Justiça Militar, é diretora do Fórum Criminal Ministro Evandro Lins e Silva e cordenadora do 1º Núcleo de Justiça 4.0.

Lana Leitão foi a responsável por manter preso o ex-senador Telmário Mota, acusado de mandar matar a mãe da própria filha e de estuprar a garota quando ela tinha menos de 18 anos.