A família de Lucas Campos Gomes, de 30 anos, foi notificada pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Boa Vista a desocupar uma área de 1,1 mil metros quadrados e a demolir a casa de madeira onde vive desde 2019, às margens da lagoa Cruviana, no bairro Senador Hélio Campos, na zona Oeste. Ele, a esposa Ana Karina Subero Alvarez, 28, e os filhos de três e de quatro anos não têm para onde ir.
A notificação de 25 de outubro, em nome da antiga moradora do local, concede 20 dias para apresentação de defesa, e informa que o processo administrativo continuará, independentemente do comparecimento de representante do imóvel. Lucas Campos afirmou ter recorrido.
No dia 30 de setembro de 2020, a secretaria aplicou uma multa de R$ 5 mil em nome de Ana Karina por construir uma fossa séptica e um aterro de 28x6m em área de preservação permanente no leito da lagoa. A família também foi proibida de fazer qualquer obra na área.
À Folha, a secretaria informou que o processo administrativo foi instaurado para apurar as infrações e, apesar da notificação recebida pela família, negou qualquer determinação de despejo, desocupação ou demolição. “É importante ressaltar que o processo ainda está em trâmite, assegurando o direito ao contraditório e à ampla defesa”, destacou.
Por meio de ação civil pública, o Ministério Público de Roraima (MPRR) conseguiu, na Justiça estadual, uma decisão que obriga a Prefeitura a adotar as medidas necessárias para demolir as obras feitas na região, com previsão de multa em caso de descumprimento.
O Município recorreu, mas a ordem foi mantida e, atualmente, o processo está na fase de cumprimento de sentença, com possibilidade de multa pessoal ao secretário municipal de Meio Ambiente, Alexandre Pereira dos Santos, em caso de descumprimento. A Folha aguarda posicionamento do MPRR.
O único documento que o casal tem para comprovar a posse do terreno é um recibo de compra e venda do imóvel. Lucas Campos pagou R$ 3 mil pela área, onde já existia a residência de madeira com dois cômodos e um banheiro externo. “Pra conseguirmos esse local, recebemos ajuda dos familiares, um pouquinho de um e de outro”, lembrou ele, que admite que não sabia da insegurança jurídica do local.
“Quando compramos essa área, esse lago estava completamente seco. E tinha pegado fogo na área, na época. Ninguém sabia que aqui era um lago”, afirmou, ressaltando ainda que sua casa nunca alagou em época de cheia.
“A gente não tem pra onde ir ainda […]. Nós temos esperança que um dia pode ser que dê certo […]. Pelo menos estamos tentando”, disse Lucas Campos, que busca fugir do déficit habitacional de quase 31 mil moradias em Roraima, segundo levantamento de 2022 da Fundação João Pinheiro. A mesma instituição coloca o Estado na segunda colocação nacional do ranking do déficit relativo, com 17,2%.
Desempregados
O casal está desempregado, assim como outras cerca de 21 mil pessoas no Estado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Diagnosticado com epilepsia desde a infância, Lucas Campos chegou a ter a carteira assinada durante apenas um ano como impressor gráfico.
Sem poder trabalhar há pelo menos sete anos devido à piora de suas crises convulsivas, ele fez dois pedidos ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para obter um Benefício de Prestação Continuada (BPC) – um salário mínimo mensal concedido a idoso com idade igual ou superior a 65 anos ou à pessoa com deficiência de qualquer idade. O primeiro foi negado e o segundo pendente.
Procurado, o INSS esclareceu que um dos pedidos foi feito em 12 de setembro de 2024 e que a perícia médica agendada para 17 de outubro de 2024, às 8h50, na agência de Boa Vista, não foi feita porque Lucas não compareceu, “o que gerou o indeferimento automático” da solicitação. “Todas as informações sobre requerimentos e serviços oferecidos pelo INSS estão no MEU INSS (aplicativo e portal) e também na Central 135, disponível de segunda-feira a sábado, das 7h às 22h”, disse.
Enquanto isso, ele, a esposa e os filhos do casal vivem do auxílio mensal do Bolsa Família, a exemplo das outras 80 mil famílias beneficiárias do programa federal no Estado. O casal tenta complementar a renda com “bicos”. “Antes do Bolsa Família, sobrevivia fazendo serviços à parte”, relatou o jovem.
Após a ordem de despejo, Lucas Campos ficou uma semana inteira convivendo com as crises de epilepsia, que costumavam ocorrer apenas em um períodos noturnos, em dias intercalados. Por causa da doença, ele ingere dois medicamentos controlados por dia.
“Se eu tiver com essa preocupação, todo tempo, de repente tenho uma crise convulsiva”, relatou ele. “Ele fica babando, pode até machucar a boca, tem que meter alguma coisa na boca pra amenizar. Fica um pouco preocupado, agitado”, completou a esposa Ana Karina.