Cotidiano

Família mantém tradição de ‘malhar’ o Judas há 60 anos

No fim da tarde de sábado, a família Coutinho ‘malhou’ Paulo Petrolão, que representa os políticos envolvidos no escândalo da Petrobrás

Durante a Semana Santa, algumas tradições, como o consumo de pratos com peixe e a compra de ovos de chocolate, são seguidas pelas famílias do País. Outra comum nas comunidades católicas e ortodoxas é a “malhação” do Judas.
No Sábado de Aleluia, dia que precede o Domingo de Páscoa, algumas comunidades fazem um boneco, normalmente de tecido revestido com palha, representando Judas Iscariotes e queimam-no como forma de representar o seu julgamento. No Brasil, é comum enfeitar o boneco com alguma figura mal vista pela sociedade.
Em Roraima, há mais de 60 anos uma família mantém a tradição ativa, passando de geração em geração, dos avôs para os filhos e netos. Residente em três casas, uma ao lado da outra, na rua Xiriana, bairro Aparecida, zona Norte da Capital, a família Coutinho já é conhecida por participar das distintas festas celebradas no País, como a Copa do Mundo a cada quatro anos e o Carnaval, Festa Junina, Halloween e Natal, além da Páscoa.
Segundo um dos membros da família, o roraimense residente em Manaus Antônio Ildemar Coutinho, de 70 anos, além dos momentos de reflexão causados pela Páscoa, a família que é muito festiva, também celebra a brincadeira familiar com a malhação de Judas.
Além disso, Antônio explica que além dos parentes, são muitos os que aguardam os momentos em que a família festeja o Sábado de Aleluia. “Essa área aqui, esse cruzamento, quando chega essa época, o pessoal já espera para saber do Judas, saber qual o personagem que a gente vai malhar este ano”, diz Antônio.
A escolha de um personagem, porém, é recente. Segundo Jean Paulo Coutinho, sobrinho de Antônio Ildemar, quando criança, o Judas era somente um boneco, sem designação. “Infelizmente, a gente escolhe alguém com quem o povo esteja indignado”. Segundo o tio, a família decidiu escolher esses personagens após os sucessivos escândalos políticos e a indignação do povo.
No fim da tarde do último sábado, a família Coutinho decidiu malhar um boneco chamado “Paulo Petrolão”, símbolo do escândalo da Petrobrás. O boneco é confeccionado por um artista plástico em Manaus e é Antônio Ildemar que fica encarregado de trazer a encomenda. As vestimentas e os sapatos são todos comprados especialmente para a ocasião.
A brincadeira, embora familiar, possui um tom crítico. Jean Paulo informa que a atividade da família ganha sempre uma repercussão maior quando a malhação envolve o cenário político local. “Os mais chamativos, com certeza, foram os que envolveram críticas aos empresários presos por pedofilia no Estado e o escândalo dos gafanhotos”. Neste caso, o Judas foi enfeitado com palito e gravata, com um corpo humano e cabeça de inseto.
De acordo com Antônio Ildemar, a família já sofreu ameaças. “Naquela época, houve até ameaça. Gente que ‘tava presa que disse que quando saísse da cadeia, iria acertar as contas com a gente, mas não aconteceu nada”, disse. “Há autoridades que levam a sério, acham que é uma ofensa pessoal, mas a gente tem o máximo de cuidado para não ofender ninguém, não citar nomes, vai sempre um nome fictício”, comentou.
TRADIÇÃO – Jean Paulo Coutinho explica que o que motiva a família a continuar com o costume, mesmo após 60 anos, é não deixar morrer a tradição. “Lembro quando era criança e já existia esta tradição. Hoje eu vejo as crianças malhando e me vejo lá. É uma lembrança muito boa”, disse.
Para Antônio Ildemar, o momento de reunião com a família é o que faz ser esta a terceira geração que mantém a tradição viva. “A vida hoje ‘tá tão dura de viver, nada como uma brincadeira para amenizar a situação, para relaxar e brincar em família”. (P.C)