Tristeza, dor e inconformismo. Esses são os sentimentos que restaram aos irmãos Elenilson Viera, 43 anos, e Edenilson Nascimento, 36 anos. Na segunda-feira passada, 20, a mãe dos servidores públicos, Raimunda Vieira Nascimento, de 60 anos, morreu após dar entrada no atendimento da Policlínica Cosme e Silva, no bairro Sílvio Botelho, na zona Oeste da capital. Eles acusam o médico da unidade de ter sido negligente no atendimento da vítima.
Conforme Edenilson, a dona de casa deu entrada na unidade por volta de 08h30 daquele dia, passando por todos os procedimentos de triagem. A paciente estava consciente, no entanto, se queixava de desconforto respiratório, causado por uma asma.
“Foi feito uma triagem rápida e logo em seguida ela foi encaminhada para uma sala onde são feitos os atendimentos de emergência. Chegando lá, uma equipe de aproximadamente quatro pessoas a atenderam, e eles tentavam acerta a veia dela, só que não conseguiam. Eu percebi que a situação era grave e que eles já não tinham noção do que fazer. Nisso, passou em torno de cinco a oito minutos e eles começaram a se desesperar. Eu implorei por Deus que o chamassem o médico e um deles repetiu que já havia solicitado a presença do profissional, que simplesmente ele não aparecia”, relatou.
Vendo que o quadro clínico de sua mãe piorava, o funcionário público contou à FolhaWeb que foi ao encontro do médico, que estava em um dos corredores da unidade. Para a sua surpresa, o mesmo não teria esboçado nenhum tipo de iniciativa a seus apelos.
“Quando eu vi que o estado dela estava de agravando, eu fui até corredor desesperado e acabei me deparando com ele falando ao telefone tranquilamente. Foi ali, andava em passos lentos, sem ao menos ter ido até a sala saber como a minha mãe estava. Pedi para que ele fosse atender a minha mãe, pois ela estava morrendo, ele olhou para mim e virou as costas e ainda fez uma cara de deboche, como se não fosse um problema grave. Ele simplesmente tratou aquilo como se fosse um problema comum”, frisou.
Sem obter resposta favorável, Edenilson retornou ao encontra de Raimunda. Ele tentou tranquiliza-la a todo custo, no entanto, a paciente piorava ainda mais. Por conta da demora no atendimento, a dona de casa acabou desmaiando na unidade.
“Eu ficava conversando o tempo todo com ela, tentando acalma-la, tentava ao máximo tranquiliza-la, para que ela não se precipitasse e agravasse ainda mais o seu estado. Só que ela viu que o médico não chegava e já estava um clima muito tenso. Ela me abraçou com os olhos lagrimejados, suando muito frio, falou que me amava muito, mas que sentia que iria morrer. Eu me desesperei quando ela disse aquilo”, comentou.
Por conta do desmaio, a dona de casa teria de ser transferida com urgência para o Hospital Geral de Roraima (HGR), sendo necessário requisitar uma ambulância especializada. Porem, segundo o funcionário público, no momento do ocorrido, a única viatura com suporte avançado, pertencente ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência e Emergência (Samu) estava em outra ocorrência e que mesmo assim, o médico da unidade não se prezou ao menos realizar os procedimentos de estabilização do quadro clínico da paciente.
“No que ela disse que estava morrendo, ela desmaiou e quando olhei ao meu redor, estava o médico parado, de braços cruzados atrás de mim. Simplesmente ficou olhando a minha mãe desfalecida. Foi quando eu parti para cima dele e infelizmente rolou agressão mutua. É muito complicar ver alguém que você ama morrer na sua frente e sabe que a pessoa que poderia estar fazendo algo para evitar que isso ocorresse, fique parada sem fazer nada, e é um direito do cidadão ter uma saúde pública de qualidade”, destacou.
Raimunda ainda chegou a ser transferida para o HGR, sendo acompanhada de perto pelo outro filho, Elenilson, que não pode ir junto com a ambulância da policlínica. Ao chegar ao hospital, a dona de casa foi direto para a UTI, mas acabou falecendo instantes depois de insuficiência respiratória.
“Ela teve de ser transferida na ambulância do Cosme e Silva, que não é de suporte avançado e ainda chegou a ser levada na UTI do HGR. A médica que atendeu tentou nos tranquilizar, afirmando que todos os procedimentos estavam sendo realizados, mas Infelizmente, as 10 horas, ela foi ate a mim e comunicou que minha mãe não tinha resisto. Perguntou ainda se havia ocorrido demora no atendimento do Cosme e Silva, pois ela havia sido transferida já em estado crítico. Por isso, nós acreditamos que houve negligência médica”, pontuou.
Um inquérito policial foi registrado no mesmo dia e uma denúncia foi protocolada na Ouvidoria do Conselho Regional de Medicina de Roraima (CRM-RR) na sexta-feira, 24. Na manhã desta quinta-feira, 30, uma nova evidência foi entregue, só que dessa vez a Comissão de Saúde da Seccional Roraima da Ordem dos Advogados de Roraima (OAB-RR).
“Existe um grupo de Whats App dos técnicos de enfermagem daquele hospital e uma das profissionais que trabalha por lá relatou que ela foi que chamou o Samu. ‘Falei com Eladio, que é o médico que atende pelo Samu, mas a Savic (Suporte Avançado de Vida em Insuficiência Cardíaca) estava em serviço’. Isso já desmente o que ele [Médico] disse, de que no momento em que estava no telefone, era para solicitar a vinda da Savic. Só que não precisa ser especialista no assunto para saber que ele poderia ter feito outros procedimentos médicos, enquanto aguardava a vinda da ambulância. O papel dela naquele momento era de tentar estabilizar o quadro de saúde da minha mãe, e infelizmente ele não fez isso”, pontuou.
Print de conversas desmetem versão de médico do Cosme e Silva (Foto: Divulgação)
Após o ocorrido, Edenilson passou a utilizar as redes sociais como forma de denunciar os atos cometidos pelo profissional da policlínica. “Depois que eu passei a publicar o que ocorreu com a minha mãe, várias pessoas começaram a relatar que também tiveram problemas com esse mesmo médico, já que ele atua no Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA) e pela rede particular de saúde. Então, essa é uma maneira de não deixa que esses crimes fiquem na impunidade. Se depender de mim, este senhor não estará mais expondo a vida das pessoas em risco”, concluiu.
O OUTRO LADO
À FolhaWeb, a Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) ressaltou que a Policlínica Cosme e Silva prestou todo o suporte que o caso da paciente Raimunda Vieira necessitou, e está à disposição para prestar todas as informações necessárias aos órgãos que apuram o caso.
Já o Conselho Regional de Medicina de Roraima (CRM-RR) informou que quando uma denúncia chega ao órgão, ela é encaminhada para a Corregedoria, que instaurará uma sindicância quando a mesma se tratar de ato do profissional médico. “Havendo indícios de infração ao Código de Ética Médica, é instaurado um Processo Ético Profissional que será levado a julgamento em Plen
ária de Conselheiros. Só então, poderá se concluir se houve infração médica no caso citado”, disse.
A FolhaWeb também entrou em contato com a Prefeitura de Boa Vista, que confirmou o contato do médico do Cosme e Silva a regulação do SAMU e foi orientado pelo plantonista que a paciente poderia ser transferida pela ambulância para o HGR com acompanhamento médico. Tais atos de responsabilidade exclusiva do Estado.
A reportagem também entrou em contato com a Seccional Roraima da OAB, que confirmou o recebimento da denúncia feita pelos irmãos Nascimento, nesta quinta-feira, 30. A mesma será encaminhada à Comissão de Direitos Humanos (CDH) do órgão.
Segundo a OAB, após o recebimento da denúncia, o procedimento a ser adotado inclui uma inspeção na unidade de saúde em questão, Policlínica Cosme e Silva, além de ouvir os profissionais de saúde envolvidos no atendimento.
Ainda segundo o órgão, após a realização desses procedimentos, a CDH deverá encaminhar um relatório ao Conselho Regional de Medicina de Roraima (CRM) e ao Ministério Público Estadual (MPRR) para que as instituições adotem as providências que entenderem pertinentes para o caso.