As redes sociais foram bombardeadas nesta semana com imagens de um detento sendo atendido no Hospital Geral de Roraima (HGR), que apresentava diversos ferimentos entre os dedos das mãos. A veracidade das fotos foi confirmada pelo Sindicato dos Agentes Penitenciários de Roraima (Sindape-RR), que afirmou se tratar de um preso da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc).
As fotos foram encaminhadas à Comissão de Direitos Humanos da OAB Roraima e à Defensoria Pública Estadual, que durante a manhã desta sexta-feira (17) realizaram visitas no HGR e na Pamc, respectivamente. Na vistoria, os representantes dos dois órgãos constataram o que consideram o início de uma epidemia na unidade prisional.
No hospital, 24 detentos estão internados com doenças respiratórias e na pele, sendo 14 no corredor e outros 10 que já estavam ali há mais tempo. Todos estão sendo medicados. Segundo o advogado Hélio Abozaglo, alguns presos já não conseguem mais andar ou dobrar a perna devido ao inchaço e feridas, causadas por uma bactéria. Ainda conforme Abozaglo, um dos internos relatou que sente uma “coisa” se mexendo, como se estivesse comendo a carne.
“Não adianta eles voltarem agora pro presídio, porque não vai resolver nada. Tem que ficar aqui, resolver, voltar quando estiver bom e descobrir que tipo de doença é essa. Nós ouvimos que um passou a sentir isso menos de um mês depois de tomar uma água que tinha gosto e cheiro ruim. Ele disse que foi a partir daí que começou a sentir coceiras e depois a paralisia”, disse o advogado.
Superlotação de celas e atendimento médico insuficiente foram as principais reclamações apresentadas à Comissão, de acordo com o advogado Igor Lyniker. Mesmo o atendimento sendo diário e pelo período da manhã, a demanda dentro da Pamc tem ficado cada vez maior.
“Um médico não é suficiente pra ter esse atendimento mesmo que diário, porque ele atende só de manhã e vem tirar o plantão no trabalho dele. Muitos deles [detentos] às vezes, como é muita gente, vão para o atendimento e depois para o retorno. Nesse tempo a situação se agrava e morrem”, afirmou.
Dentro da Pamc, o defensor público geral Stélio Dener, disse não conseguir mensurar a quantidade de doentes, mas constatou que uma das causas para o problema é principalmente pela falta de higiene dentro da unidade.
“Eles só possuem uma vestimenta e a condição de lavagem desta roupa não é adequada. O estado não faz a lavagem, é o próprio preso que faz por meio de um kit de higiene que, por vezes é entregue, mas por vezes falta. Hoje [17] mesmo está com três dias que não há esse kit de higiene. Eles lavam apenas com água e secam no próprio corpo porque não tem outro pra usar”, comentou Dener.
Tanto a Comissão de Direitos Humanos quanto a DPE, farão relatórios das visitas e devem enviar ao governo do estado e para a justiça, solicitando as medidas cabíveis para a resolução do problema.
A situação dentro do sistema prisional de Roraima tem sido grave não só no atual governo, como nos passados, segundo Rarison Barbosa, presidente do Sindape-RR. Ele expõe, inclusive, que agentes já foram contaminados e precisaram se afastar do serviço.
“Além de o profissional adquirir a doença nesse convívio com o preso no dia a dia, ele também leva isso pra família dele. Isso só vai trazer um caos maior nos hospitais, porque adoece o profissional, a família dele, o preso e o familiar do detento também adoece, porque ele está tendo esse contato direto lá dentro do presídio. É uma bola de neve”, apontou.
Reformada para comportar um pouco mais de 400 presos, hoje a Pamc comporta mais de dois mil detentos, ainda conforme Barbosa. Com as novas obras dentro da unidade, ele afirma que o sindicato já solicitou ao governo que seja feito uma unidade de saúde dentro do próprio presídio, para mais atendimentos e até internações.
“Infelizmente, até agora não foi feito e não se tomou essa postura. Estamos esperando as coisas acontecerem. Enquanto isso, os nossos policiais penais que tiram serviço naquela unidade prisional, levam esses presos pro HGR e lá, sabemos que não está tendo condições de atender nem à população, imagine os detentos. Além disso, existe a questão da segurança pessoal. Estamos lidando com líderes de facção criminosa, pessoas de alta periculosidade, então existe o risco de contaminação por doenças e o risco de fugas desses presos lá, haja vista que nosso efetivo não dá conta de tanto preso internado no HGR”, analisou.
A reportagem procurou a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc) para solicitar o quantitativo de detentos doentes dentro do sistema prisional. Porém, recebemos apenas o número dos internos sendo atendidos no Pronto Atendimento Airton Rocha e as causas.
A secretaria confirmou que 24 detentos estão internados e passando por tratamento. Sendo quatro para tuberculose (todos estão em isolamento), quatro para problemas psiquiátricos, sete por má circulação (não conseguem andar), um por infecção no pé, um por infecção nas mãos, um com pneumonia, um em tratamento para diabete e infecção urinária, para infecção estômago e problema no pé, um devido o baço dilatado (não consegue andar), dois detentos estão cirurgiados e um em tratamento para uma glândula no rosto.
Também foi informado que houve uma reunião nesta sexta-feira (17) com a Secretaria de Saúde (Sesau) para abertura de um protocolo de atendimento.
A Sejuc esclareceu ainda que de setembro a novembro de 2019 foi realizado um mutirão de Saúde na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, onde todos detentos passaram por atendimentos médicos que abrangem consultas com especialistas e clínico geral, com o intuito de detectar problemas de saúde para posterior tratamento.
Por fim, destacou que os detentos diagnosticados com catapora estão sendo acompanhados por um infectologista.