O Rio Mucajaí é o que abastece a sede do município de mesmo nome, serve como fonte de renda para pescadores e ainda é filtrado pela Companhia de Águas e Esgotos de Roraima (Caerr) para distribuição às casas da região. As atividades estão ameaçadas, pois, segundo denúncias, as margens do rio estão sendo utilizadas para garimpo há pelo menos um ano.
A consultora de pescadores da região, Ana Valéria, explicou que passou o fim de ano fazendo uma trilha nas margens do rio e que a cor barrenta da água e o pH ácido elevado percebido por ela são indícios de atividades suspeitas, como o garimpo ilegal.
“Como o objetivo das máquinas de garimpo é tirar o barro nas margens e jogar no rio, todo o ecossistema da região fica ameaçado. Ao contrário de vezes anteriores, precisamos levar garrafas d’água para beber e percebemos que a nossa pele ficou áspera no contato com a água. Dá para ver a água barrenta até de cima da ponte do rio”, comentou.
Abnom Antônio Alves, conhecido como “Louro Pescador”, exerce a atividade há 11 anos em Mucajaí. Ele afirmou que todo o trabalho pesqueiro, um dos principais da economia local, está comprometido.
“A coisa tá feia por aqui. Na época do ano em que estamos, em que o rio baixa, é comum acamparmos durante três dias na beira do alto rio e conseguir pegar 120 quilos de surubim. Nos últimos tempos, se conseguimos pegar 20 ou 30 quilos, é muito. Muitos amigos pescadores já comentaram que chegaram a avistar a máquina de escavação, conhecida como ‘tatuzão’. O que me chateia é ver que alguns buscam ganhar dinheiro em detrimento de outros, prejudicando todo mundo”, contou.
A moradora Mara Dantas, que trabalha na parte administrativa do Hospital Estadual José Guedes Catão, explicou que vem observando casos pontuais de pacientes que estão passando mal por terem tido contato com a água do rio, mesmo após tratada. Ela também disse que no hospital, só esta semana, foram registrados 17 casos de diarreia. Em meses anteriores, contabilizavam-se entre sete e dez por semana.
“Eu venho conversando com a Caerr e vejo que eles ainda estão conseguindo filtrar a água barrenta, na sua maior parte. Entretanto, às vezes, ela chega aqui em casa com uma coloração amarelada. Alguns pacientes chegam à unidade hospitalar sentindo dor de barriga e têm diarreia. Por enquanto, os casos são esporádicos, mas acredito que ainda podem se tornar mais frequentes se o garimpo continuar, afetando a saúde de toda a população”, explicou.
Mara Dantas destacou que ainda é difícil apontar onde exatamente o garimpo está ocorrendo, apesar de já ser possível ver seu efeito na coloração da água se alastrar até a altura onde desemboca para o Rio Branco.
“Meu marido trabalha com pesca e já vinha comentando há um tempo sobre a necessidade de denunciarmos essa situação. Os peixes estão morrendo e parando de se reproduzirem naquela região. Os pescadores estão sentindo isso e é só o começo. E já está sendo possível ver o barro tanto no encontro com o Rio Branco, na região da cachoeirinha, mais ao sul de Mucajaí, e na região da Apiaú, mais ao norte da sede do município”, destacou.
Prefeitura denunciará caso no MPRR, Polícia Federal e Ibama
Por causa dos problemas, a Prefeitura de Mucajaí enviou ontem, 4, para a Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh) um requerimento para que a qualidade da água seja examinada. Sobre isso, a secretária municipal de Meio Ambiente, Luzinete dos Anjos, comentou que suspeita que o garimpo esteja concentrado no rio Apiaú, que deságua no Mucajaí.
“Conversei com o presidente da Femarh, Airton Cascavel, e ele me aconselhou a entrar com contato também com o Ibama, Ministério Público do Estado e a Polícia Federal. Faremos isso na segunda-feira [7], pois o expediente do MP voltará ao normal nesse dia. Ficamos sabendo dessa situação quando andei conversando com comunidades ribeirinhas, que estão sofrendo com o estado da água”, explicou.
Luzinete também destacou que os impactos na qualidade da água podem ser permanentes e agravados, se os órgãos competentes não agirem rápido. “Eu estou correndo atrás de uma fiscalização mais rígida no nosso ecossistema, não pelo fato de ser secretária, mas, sim, porque sou bióloga, especializada em meio ambiente. Pelo conhecimento técnico que tenho, as consequências do que está acontecendo podem ser irreversíveis. Por isso, precisamos correr contra o tempo”, frisou.
De acordo com o chefe da Divisão de Fiscalização da Femarh, Yuri Lima, o órgão trabalha de acordo com as denúncias que recebe por meio do 2121-9165. Ele relatou que, por isso, equipes estão se preparando para ir ao local ver se se trata de um crime ambiental.
“A maior preocupação do garimpo para a hidrografia é o mercúrio. Por ser um material muito pesado, os seus impactos são irreversíveis, causando a morte de peixes, quelônios, animais que se alimentam da água e até mesmo seres humanos. Inclusive, se alguém estiver suspeitando de atividades que estejam agredindo o meio ambiente de forma ilegal, pode ligar para nós ou vir até aqui na Femarh, na Avenida Ville Roy, ao lado do Estádio Canarinho. O anonimato é garantido”, explicou. (P.B)