Acusado de atacar uma casa de candomblé por suposta intolerância religiosa em Boa Vista, o comerciante Renato S. S. S., de 38 anos, divulgou nota em que não cita sua ligação com o fato. Mesmo assim, ele se defende ao dizer que o ataque à Casa de Auxílio Espiritual Filhos de Osùn, que deixou uma mulher 37 anos ferida, não tem a ver com intolerância religiosa por parte de vizinhos e que a motivação do ato se trata de “perturbação do sossego alheio”.
Na nota assinada pelo advogado Antonio Leandro da Fonseca Farias (e que pode ser lida ao final da reportagem), Renato cita que, há dois anos, moradores próximos tentam resolver o barulho dos cultos da religião afro-brasileira. Ele alega que as reuniões são realizadas em horários incompatíveis com o “bom viver em sociedade”, com início às 13h e término às 6h do dia seguinte.
“A Constituição Federal assegura a liberdade pública do direito de fé e manifestação religiosa. Contudo, o exercício deste direito não é absoluto e não se sobrepõe as regras de convivência social em bairros, municípios e dentre outros locais; devendo tais direitos estarem em consonância de modo que os vizinhos hajam com urbanidade respeitando cada um o espaço e a confissão de fé dos outros”, justifica.
Segundo a nota, os vizinhos do templo de candomblé “não são intolerantes religiosos, tudo o que querem é paz e sossego”. O comerciante acrescenta, ainda, que “a liberdade de culto religioso não representa garantia absoluta, devendo sofrer limitação quando o seu exercício extrapolar os limites da razoabilidade, a ponto de invadir a esfera de direitos de terceiro”.
Por fim, Renato acusou os religiosos de se aproveitarem de atos de intolerância religiosa ocorridos em outros estados do Brasil e, aparentemente, tentarem impor para a sociedade de Roraima que o candomblé praticado pela casa espiritual está sendo alvo de intolerância.
O comerciante revelou à Folha o boletim de ocorrência que registrou contra dois candomblecistas, os quais, após o ataque com bomba, teriam ido ao seu estabelecimento comercial para ameaçá-lo. À Polícia Civil, o vizinho alegou que “nada tem a ver com o incidente”, pois já movia judicialmente ações contra os religiosos por perturbação de sossego.
Renato enviou à Folha cópia de procedimentos protocolados na Polícia Civil e na Justiça de Roraima na tentativa de obrigar a casa espiritual a se abster de praticar cultos fora dos horários em que os vizinhos estão descansando. Em janeiro, ele chamou a Polícia Militar para relatar o barulho proveniente da casa de candomblé. O caso foi parar na Justiça.
Posteriormente, o comerciante e a dona da residência assinaram um termo circunstanciado, em que acordaram que os cultos seriam realizados duas vezes por semana. Ela ainda providenciaria adequações estruturais, arquitetônicas e acústicas no local dos cultos.
Em fevereiro, o processo foi extinto a pedido do Ministério Público por falta de provas. Depois, a defesa do comerciante apresentou novas provas ao MP, como vídeos e até um abaixo-assinado com 11 assinaturas para expor a perturbação alegada pela vizinhança. Com isso, o órgão desarquivou o termo circunstanciado e pediu oitivas de testemunhas e de Renato.
Nota completa de Renato
“A matéria vinculada neste veículo de comunicação, a respeito da denúncia ocorrida na Policia Civil na madrugada de domingo (10/07/2022), nada tem a ver com intolerância religiosa por parte de vizinhos.
Nunca houve a intolerância religiosa. O que está acontecendo no templo do candomblé localizado na na Rua Capitão Clovis da Silva, no Bairro São Bento é a perturbação do sossego alheio.
Explico:
Já são mais de 2 anos, que os vizinhos da casa que pratica o candomblé, vêm tenteando resolver o problema, uma vez que os cultos do candomblé são realizados em horários incompatíveis com o bom viver em sociedade, iniciando uma hora da tarde e terminando 6 horas da manhã.
Ressalto que existem procedimentos requerendo que a casa de candomblé localizada na Rua Capitão Clovis da Silva, no Bairro São Bento, se abstenha de praticar seus cultos fora dos horários em que os vizinhos estão descansando e consequentemente buscando renovar as energias para o trabalho do outro dia, tais procedimentos foram protocolados junto ao Poder Judiciário e na delegacia, como se pode observar nos documentos anexos.
Sendo assim, o princípio ao respeito as normas reguladoras do convívio social e do direito a expressão de fé são pontos fundamentais que determinam a ordem e a garantia da paz social dentro de uma comunidade.
A Constituição Federal assegura a liberdade pública do direito de fé e manifestação religiosa. Contudo, o exercício deste direito não é absoluto e não se sobrepõe as regras de convivência social em bairros, municípios e dentre outros locais; devendo tais direitos estarem em consonância de modo que os vizinhos hajam com urbanidade respeitando cada um o espaço e a confissão de fé dos outros.
Assim, tratando-se do Brasil, de um Estado Democrático de Direito, a liberdade de culto é garantida, bem como o seu exercício e sua manifestação, mas, parece óbvio, que tal exercício deverá ser racional, não podendo extrapolar as esferas do direito de propriedade, de modo que, a utilização do salão da prática do culto do candomblé, pode ser usado para realizar cultos desde que não haja perturbação do sossego alheio e que não venha promover problemas aos vizinhos com relação a ruídos fora do horário e que tenha ressalvado as condições de segurança.
Justamente por abrigar pessoas diferentes em um mesmo ambiente, é preciso ter muito cuidado com os cultos realizados junto aos vizinhos de determinado bairro, pois são ambientes interligados e, por isso, as individualidades precisam ser respeitadas, de modo a garantir uma convivência harmoniosa e sem problemas.
É preciso ter em mente que, o direito assegurado constitucionalmente na norma contida em seu artigo 5º, inc. VI não pode anular o direito também constitucionalmente garantido, no tocante ao exercício da propriedade se uma religião tem espaço para se manifestar, isso quer dizer que a manifestação não deve se sobrepor ao sossego do cidadão, visto que o Brasil é um país laico e de direitos fundamentais.
Sendo assim, conseguir estabelecer um parâmetro razoável que permita o equilíbrio e a coexistência de duas liberdades públicas aparentemente antagônicas é propiciar para os vizinhos a possibilidade de agirem de modo respeitoso e amistoso gerando em cada um, a consciência de viver em sociedade.
Os vizinhos onde funciona o templo do candomblé na Rua Capitão Clovis da Silva, no Bairro São Bento, não são intolerantes religiosos, tudo o que querem é paz e sossego.
É claro que os moradores da região vizinha ao candomblé localizado na Rua Capitão Clovis da Silva, no Bairro São Bento, intentaram ação e/ou Representação de obrigação de não fazer como objetivo de cessar o som advindo dos tambores em virtude da perturbação sonora causada.
Diante desse quadro, se pode asseverar que o barulho é uma das maiores causas de perturbação do sossego e da tranquilidade, pois impede o descanso e o repouso, assim com compromete a saúde das pessoas obrigadas a escutá-lo.
Nesse sentido, destaco que o Código Civil, nos arts. 1.277 a 1.279, estipula que o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais ao sossego e à saúde causadas pela utilização da propriedade vizinha.
Logo a liberdade de culto religioso não representa garantia absoluta, devendo sofrer limitação quando o seu exercício extrapolar os limites da razoabilidade, a ponto de invadir a esfera de direitos de terceiro.
Por fim, Venho por meio desta fazer essas considerações, uma vez, que os fatos que estão sendo vinculados e consequentemente apresentados para sociedade são inverídicos e/ou estão sendo colocados de forma errônea.
O que se pode observar é que os representantes da casa de candomblé localizada na Rua Capitão Clovis da Silva, no Bairro São Bento, estão se aproveitando de fatos acontecidos nos outros estados do Brasil, e aparentemente estão querendo impor para a sociedade de Roraima, que o candomblé praticado na Rua Capitão Clovis da Silva, no Bairro São Bento está sendo alvo de intolerância Religiosa, fato que não são verdadeiros.
Boa Vista/RR, 15 de Julho de 2022.
Antonio Leandro da Fonseca Farias
Advogado
OAB/RR 846″