Cotidiano

Imagens mostram o avanço do garimpo ilegal na terra indígena Yanomami

Em março de 2021, análises de imagens de satélite indicaram um total de 2.430 hectares destruídos pelo garimpo na Terra Indígena Yanomami

Fotografias aéreas mostram como o garimpo ilegal tem se expandido na Terra Indígena Yanomami. A crise econômica e o preço do metal estimulam os garimpeiros à atividade, que hoje promove o desmatamento, a contaminação dos rios por mercúrio, a violência contra comunidades e, também, a disseminação da Covid-19 no território indígena. 

“As cenas observadas no rio Uraricoera alertam para a imensa tragédia ambiental e humana que o garimpo na TI Yanomami tem se tornado. Não foi por falta de aviso, porém, que a situação atingiu tal gravidade”, lembra o relatório dos sobrevoos, elaborado pela Hutukara Associação Yanomami. 

Atualmente, mais de 20 mil garimpeiros estão na terra Yanomami. Decisão de março deste ano da 2ª Vara da Justiça Federal de Roraima, que atendeu pedido do Ministério Público Federal, exigiu um cronograma para a retirada dos invasores. Em julho de 2020, o MPF conseguiu uma liminar que determinou que a União agisse para liberar o território. No entanto, nenhuma das decisões judiciais foi executada até o momento.

“Não se trata de um problema sem solução. O Estado possui todas as condições para fazer valer a lei e promover a neutralização dos crimes praticados pelo garimpo contra os indígenas da TI Yanomami e o restante da sociedade brasileira. A experiência do passado prova que isso é possível, por meio de ações estratégicas. Acelerar o tempo de resposta a este desafio, a partir de um plano de ação estratégico e coordenado, é também uma forma de preservar recursos da União e valorizar seu patrimônio”, diz treco do documento.

Em março de 2021, análises de imagens de satélite indicaram um total de 2.430 hectares destruídos pelo garimpo na Terra Indígena Yanomami, sendo que no primeiro trimestre deste ano a área destruída cresceu quase 200 hectares. Somente em 2020, 500 hectares de floresta amazônica foram devastados. Nesse ritmo, 2021 deve marcar um novo recorde de destruição.

Conforme revelam os sobrevoos realizados em abril deste ano, os garimpos cresceram sobretudo nas calhas dos rios Mucajaí e Catrimani, nas regiões de Kayanau, Homoxi e Alto Catrimani. Antes, as grandes áreas impactadas se concentravam no Uraricoera. “Tal fenômeno (…) é um importante indicador do desenvolvimento das estruturas de apoio [logística e de serviços] nessas zonas, e deveria servir de alerta para os riscos da consolidação de novas ‘cidades’ do garimpo na TIY”, sublinha a Hutukara.

Próximo à foz do rio Parima, no rio Uraricoera, há uma das maiores concentrações de garimpeiros já vistas. Impressionam a magnitude do impacto, a profundidade das crateras e a complexidade da estrutura de apoio à atividade, com a existência de barracões especializados. Em um deles há um “restaurante”, com mesinhas redondas dispostas.

A concentração de garimpeiros na região próxima à foz do Parima é relativamente recente, afirma o documento, “tendo se expandido e consolidado nos últimos anos”. Segundo a Hutukara, as imagens “atestam o vigor desse núcleo garimpeiro e reforçam a ideia de que a formação das novas áreas se deu muito mais em caráter de expansão do que de substituição”, já que não se observou uma diminuição da exploração na ferradura do rio Uraricoera em Waikás, no local conhecido como “tatuzão do Mutum”. 

Operações mais recentes na TIY

Segundo a organização indígena, as operações realizadas nos últimos meses não têm sido suficientes para controlar o aumento vertiginoso da invasão. “Elas atenuam o impacto do garimpo em certas zonas, mas temporariamente e de forma não consistente”, ressalta.

“Para que a invasão seja de fato controlada, é preciso que as operações sejam mais abrangentes e eficientes na destruição da estrutura de apoio à atividade ilegal [explosão de pistas e destruição de currutelas], bem como na inutilização do maquinário utilizado [motores, balsas, aeronaves e helicópteros, quadriciclos, etc], para que os financiadores da atividade sejam descapitalizados e não possam reinvestir tão facilmente na retomada da invasão”, reforça a Hutukara. 

Principal rio de Roraima corre risco de contaminação por mercúrio 

Além da atividade ilegal promover desmatamento, violência contra os povos indígenas yanomami, disseminação de doenças como a malária e a Covid-19, outro crime tem preocupado à sociedade roraimense: a contaminação dos rios por mercúrio, principalmente, o rio mais emblemático do estado, o Rio Branco, que abastece a capital Boa Vista.

Com uma riqueza fenomenal, paisagística, científica e natural, o Rio Branco é a principal bacia que drena a água de quase todas as serras, nascendo da confluência do Rio Uraricoera e Rio Tacutu, sendo seu destino final o Rio Negro, no estado do Amazonas.

Para o geólogo, pesquisador e professor doutor na Universidade Federal de Roraima (UFRR), Vladimir de Souza, a presença mais efetiva de garimpos tem trazido preocupação com a devastação do meio ambiente, sobretudo, a destruição dos leitos dos rios. “Estão destruindo os nossos mananciais de água com essa atividade ilegal e o mais preocupante, poluindo os leitos dos rios com o mercúrio, um metal pesado e extremamente tóxico que entra na cadeia alimentar dos peixes que depois vem para o nosso prato, é uma morte silenciosa”.

Souza destaca que o problema da contaminação dos rios e igarapés pelo mercúrio não é somente das populações indígenas, é um problema que está cada dia mais próximo de toda população roraimense.

“O garimpo está lá no alto Rio Uraricoera e no Alto do Rio Mucajaí, mas todos são afluentes do Rio Branco e passam por Boa Vista. Os próprios pescadores podem vender esses peixes contaminados. Essa contaminação não fica restrita somente em terras indígenas, mas ela se espalha por toda bacia hidrográfica. Não importa se está a 200 ou 600 km, essa contaminação vai chegar, se nada for feito”, disse.

O pesquisador alerta que o poder público precisa fazer o seu papel: fiscalizar todo o tipo de atividade que devasta o meio ambiente e que afeta um bem vital, à água. Para ele, além da destruição do rios e igarapés, outro grave problema que pode surgir é com a saúde. “Se a gente não se preocupar agora, podemos cometer o mesmo erro que está acontecendo nessa pandemia da Covid-19, pensar que é algo passageiro, e não é. Podemos ter no futuro pessoas doentes, vítimas dessa contaminação, pagando um preço alto na saúde pública”.

Como se dá a contaminação por mercúrio

Um estudo realizado dentro da Terra Indígena Yanomami, em 2014, em aldeias próximas a garimpos, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), mostrou que em algumas aldeias chegam a ter 92% das pessoas examinadas contaminadas por mercúrio, resultado da invasão ilegal de garimpeiros em seu território. (Leia a pesquisa).

O mercúrio é um metal altamente tóxico, usado no processo separação do ouro dos demais sedimentos. Uma parte dele é despejada nos rios e igarapés e a outra é lançada na atmosfera. As águas dos rios e os peixes que ingerem o mercúrio podem levá-lo para regiões mais distantes. A contaminação de seres humanos se dá especialmente através da ingestão de peixes contaminados, sobretudo os carnívoros e de tamanho maior.

Os danos à saúde costumam ser graves e permanentes: alterações diretas no sistema nervoso central, causando problemas de ordem cognitiva e motora, perda de visão, doenças cardíacas entre outras debilidades. Nas mulheres gestantes, os danos são ainda mais graves, pois o mercúrio atinge o feto, causando deformações irrecuperáveis.