Indígenas denunciam e cobram respostas de autoridades durante Assembleia Geral

Presidente da Funai, Joênia Wapichana escutou às reivindicações e respondeu aos questionamentos; prefeito e vereadores também prestaram contas (Foto: divulgação)
Presidente da Funai, Joênia Wapichana escutou às reivindicações e respondeu aos questionamentos; prefeito e vereadores também prestaram contas (Foto: divulgação)

Tuxauas, lideranças indígenas e coordenadores de centro fizeram denúncias na manhã desta terça-feira, dia 14, e reivindicaram melhorias às comunidades durante a 44ª Assembleia Geral da Região das Serras, que ocorre na comunidade indígena Willimon, a aproximadamente cinco quilômetros da sede do Uiramutã, ao Norte de Roraima.

Eles cobraram explicações e pediram informações a respeito do plano de trabalho que será executado por vereadores indígenas da base e pelo prefeito Tuxaua Benísio (REDE). A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, estava presente e também foi cobrada.

Pela manhã, os indígenas discutiram alguns dos principais problemas enfrentados atualmente pelas comunidades, como a venda indiscriminada de terreno em terra indígena e a venda de bebida alcoólica permitida por alguns tuxauas dentro das comunidades. No centro da mesa de autoridades, Joênia Wapichana escutou atentamente as denúncias.

O coordenador da região das Serras, Amarildo Mota, o vice-coordenador, José Sabino André e assessores jurídicos do Conselho Indígena de Roraima (CIR) também formaram a mesa. O garimpo desenfreado na fronteira com a frequente invasão de terras indígenas foi o primeiro assunto a entrar na pauta de discussão.

Coordenadores de centro e tuxauas questionaram às autoridades quem seria o responsável pela vigilância e proteção dos povos indígenas. Eles cobraram a aprovação de um projeto de lei que reconhece o “GPVIT” (membros da comunidade que fazem fiscalização) como protetores das terras indígenas.

Segundo os denunciantes, até helicópteros guianenses invadem o espaço aéreo brasileiro para abastecer os garimpos na fronteira com a Guiana, onde a extração de minérios é legalizada. “E o que o Exército faz? Ele não fiscaliza. Então, precisamos proteger nossa terra dos invasores”, justificou uma liderança indígena.

Outro assunto abordado foi a federalização da rodovia estadual RR-171, a principal que liga a sede do município à BR-174. O processo tramita no Congresso Nacional sem a devida consulta aos povos originários, motivo pelo qual os indígenas reclamam. A entrada desenfreada de venezuelanos nas terras indígenas Raposa Serra do Sol e São Marcos também foi tema de discussão.

Indígenas durante a Assembleia Geral

Presídio indígena – Sobre a onda de violência que atualmente assola as comunidades, os indígenas propuseram às autoridades a construção de um presídio indígena no Uiramutã, o que seria inédito no Brasil. Eles justificaram a proposta, alegando que os indígenas infratores sofrem preconceito, racismo e outras violências quando são encarcerados na Penitenciária Agrícola do Monte Cristo, na zona rural de Boa Vista.

O professor Edinaldo, da comunidade indígena Maturuca, cobrou também das autoridades a recuperação e construção de novas pistas de pouso nas comunidades indígenas. Segundo ele, tem “parente” que morre por causa da demora no atendimento médico, principalmente nas comunidades que ficam em região de difícil acesso.

Ainda foi discutida a exposição sem autorização de fotos e vídeos de lideranças indígenas, que sofrem ameaçadas em grupos de WhatsApp e outras redes sociais. Os indígenas também abordaram o arrendamento das terras indígenas que já estaria ocorrendo, segundo eles, na terra indígena Raposa Serra do Sol. Segundo coordenadores de centro, não-indígenas casados com indígenas estão levando gado de uma comunidade para outra, onde criam os animais em sociedade com os “brancos”, o que é proibido pela Constituição Federal. Eles cobraram também a construção de mais casas de apoio e feiras regionais.

O tuxaua Orlando, da comunidade indígena Uiramutã, mais conhecida como Júlio Pereira, também fez uma denúncia contundente em seu discurso. Alertou a todos sobre as queimadas e o desmatamento alarmante que vêm crescendo nos últimos anos na terra indígena.

“Cadê nossas autoridades, Funai, tuxauas? Temos terra para fazer roça sem precisar desmatar, pois nossas florestas estão acabando. A madeira vendida hoje no Uiramutã vem de Boa Vista. É preciso fazer o reflorestamento. O garimpo é hoje máquina e isso destrói tudo. Até nossos igarapés estão poluídos. Pior é que tem gente nossa, filho desta terra, que não está mais respeitando. Temos que preservar nosso meio ambiente porque precisamos de um povo sadio”, observou o tuxaua Orlando.
Joênia responde e orienta

Ao final das denúncias e cobranças feitas pelos indígenas, a presidente da Funai, Joênia Wapichana, pontuou cada demanda e respondeu por parte. Sobre o garimpo em terra indígena, ela explicou que a Funai faz constantes operações em parceria com outros órgãos públicos federais e estaduais. “Vocês têm que denunciar para formalizar a denúncia, porque é em cima dela que vamos traçar planos de combate a crimes ambientais em terra indígena”, orientou.

Joênia depois falou da questão fundiária da sede do Uiramutã, informando que há cinco comunidades indígenas dentro da zona urbana do município, que podem ser reconhecidas, segundo ela, pelo poder Executivo municipal. “Esses tuxauas conseguiram carta de autorização do Ministério da Justiça. Então, essas comunidades indígenas na zona urbana são reconhecidas e legítimas. Funai e União estão à disposição para ajudar a prefeitura a resolver este impasse”.

Sobre a produção de energia elétrica, a presidente informou que a Funai já mandou suspender o projeto de construção da hidrelétrica do Bem-Querer, em Caracaraí, no Sul do Estado, para evitar que nove comunidades indígenas sejam atingidas em Roraima. “O problema não é a energia ou a rede de transmissão, mas a sua fonte de produção. Precisamos de energia limpa e a Funai já elabora projetos nesse sentido”, frisou.

Joênia também tirou dúvidas sobre a violência em terra indígena, principalmente contra mulheres e crianças. Ela lembrou que a comunidade deve ter um regimento interno para poder punir os infratores, pois a lei indígena é válida, segundo ela, e amparada pela Constituição Federal.

“O que não pode é o infrator ficar impune, principalmente quando o crime for cometido contra mulheres ou crianças. Mas se a comunidade não resolver, aí então a vítima poderá recorrer à lei do branco”, orientou Joênia, que foi a primeira advogada indígena do Brasil.

Sobre a fiscalização em terra indígena, a presidente foi bem contundente ao afirmar que a Funai não vai ficar fiscalizando porque, de acordo com ela, todos da comunidade têm essa responsabilidade.

“É bom que vocês saibam que hoje a Funai tem um papel diferente. Lutamos por demarcação e proteção de nossas terras. Também nos cabe defender e fazer respeitar os direitos dos povos indígenas. Portanto, vários assuntos que vocês abordaram, como a venda de bebida alcoólica na comunidade, são questões internas e o tuxaua pode resolver”, explicou.

A presidente em seguida falou da construção de pistas de pouso em terra indígena. Atualmente, são mais de 200 em todo País. Ele explicou que a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) faz a homologação, mas a pista já tem que está construída e alguém tem que ficar responsável pela sua manutenção. “Não é tão simples assim, mas já estamos articulando com a Infraero”, adiantou.

Arrendamento é crime – No caso do arrendamento em terra indígena, Joênia deixou bem claro que é inconstitucional, e não parceria. É crime, de acordo com ela, porque o usufruto da terra é coletivo e exclusivo do povo indígena. “Portanto, é ilegal o tuxaua abrir as portas de sua comunidade para arrendamento. Ele não pode fazer da terra indígena, propriedade privada.

Depois, a presidente falou que é importante os povos indígenas discutirem política. “Ou vocês querem assistencialismo? É por meio da política que defendemos a terra e vida dos povos indígenas, por isso é importante fazer esta reflexão”, orientou.

Mais explicações

Após as explicações e orientações dadas por Joênia, foi a vez da coordenadora regional da Funai/RR, Marizete de Souza Macuxi, tirar dúvidas sobre a concessão de auxílios federais, como aposentadoria e auxilio maternidade. “Já chegou ao nosso conhecimento que advogados não-indígenas estão entrando nas comunidades, usando o nome da Funai para pegar os casos e cobram 30% pelos serviços. Gente, a Funai não cobra nada e faz o mesmo trabalho jurídico de graça”, avisou.

Em seguida, advogados do setor Jurídico do CIR também tiraram dúvidas sobre questões internas que ocorrem nas comunidades, como a aplicação de penas aos indígenas infratores. Eles reforçaram que a entrada e venda de bebida alcoólica dentro de comunidade indígena é crime. A assembleia foi suspensa devido ao horário de almoço.