Cotidiano

Índios que pedem esmola nos semáforos vêm da Venezuela fugindo da estiagem

Um grupo de aproximadamente 30 indígenas da etnia Warau voltou para Boa Vista alegando que seca os impede de viver da agricultura

Uma cena se tornou comum nos semáforos das avenidas mais movimentadas de Boa Vista: a presença de índios venezuelanos, muitas vezes com crianças de colo, vendendo mel e produtos artesanais ou pedindo esmolas aos condutores de veículos e pedestres. Isso volta a acontecer menos de um mês depois de uma operação conjunta realizada pela Guarda Civil Municipal (GCM) e a Polícia Federal (PF), que mandaram, pelo menos, 68 de volta para a Venezuela.

A chefe da Coordenação de Promoção de Direito Social da Fundação Nacional do Índio em Roraima (Funai/RR), Elaine Rodrigues Maciel Raposo, afirmou que o órgão indigenista vem acompanhando a presença do grupo. Ao serem abordados, afirmaram que eram da etnia Warau, comunidade um pouco distante da fronteira. Eles vêm fugindo da seca que os impede de viver da produção agrícola.

“A princípio, achamos que poderiam ser Yanomami ou mesmo Ingaricó, mas descobrimos que eram da etnia Warau porque um deles falava espanhol. Ele disse que chegaram de ônibus a Boa Vista e que estavam em busca de dinheiro, já que trabalhavam na lavoura e na produção de algodão. Estavam sem poder plantar devido à seca e vieram para Roraima”, disse.

Depois do levantamento, percebeu-se a presença de crianças e adultos doentes, quando foi acionado o Conselho Tutelar, que os levaram para a Casa de Apoio a Saúde do Índio (Casai), que fica na região de Monte Cristo, zona rural de Boa Vista.

“Ao chegarmos pela manhã para saber mais detalhes, soubemos que, depois de serem tratados, foram embora ao amanhecer e vistos novamente nas ruas. Foi quando acionamos a Polícia Federal e fizeram o repatriamento. Mas alguns já retornaram e vieram pelo mesmo motivo anterior e perceberam que as pessoas ajudam com dinheiro e alimento”, frisou Elaine.

Ela explicou que, por se tratar de estrangeiros, a Funai não tem competência para resolver o problema e que o órgão faz o que pode, que é encaminhá-los para as autoridades competentes, no caso o Conselho Tutelar, pela presença de crianças, Polícia Federal, por se tratarem de estrangeiros, e ao Consulado da Venezuela, por serem pessoas daquele país.

“Em um caso desse, nosso papel é fazer um levantamento e comunicar novamente o caso a estas autoridades. Esperamos que tomem providências de repatriá-los. O Consulado já informou que não tem recursos para levá-los de volta”, frisou.

Para se respaldar da situação, Elaine informou que, em dezembro, a Funai enviou um relatório para o Ministério Público Federal, para Assessoria Internacional da Funai e para o Consulado da Venezuela, informando a situação de vulnerabilidade social e que os indígenas foram encontrados nas ruas de Boa Vista, com menores, vendendo produtos. “Até agora, não recebemos respostas de nenhum desses órgãos no sentido de que apontassem uma solução para essa questão”, frisou.

PF – A Folha manteve contato por telefone e e-mail com a Superintendência da Polícia Federal, em Roraima, para saber dados sobre imigrantes em Roraima e se há alguma fiscalização sobre estrangeiros ilegais, já que, além de índios, é fácil ver outros estrangeiros nos semáforos. Até o fechamento desta matéria, às 17h30h, não houve retorno. (R.R)

CIR pretende ajudar índios venezuelanos que estão como pedintes em Boa Vista

Para tentar resolver essa questão dos índios venezuelanos pedindo esmolas nas ruas de Boa Vista, o coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Mário Nicácio, disse que uma comissão foi formada para conhecer estes índios e dar oportunidade para eles trabalharem temporariamente nas comunidades indígenas de Roraima enquanto as autoridades não decidem o que fazer.   

“Já tentamos conversar com eles, mas a comunicação não foi clara, e então fomos até a Venezuela tentar encontrar os líderes desse povo, mas não localizamos as lideranças. Nossa intenção é ajudar e vamos voltar novamente à Venezuela para fazer uma procura maior até encontrar as lideranças e saber os motivos de estarem vindo para Boa Vista”, frisou.

Nicácio afirmou que não vê nenhum problema em levar os índios venezuelanos para morar nas comunidades indígenas de Roraima. “O que não queremos é que eles fiquem sofrendo pelas ruas da cidade, pois tem velhos e crianças com eles e queremos que a Funai e a Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] também atendam eles”, frisou.       

Ele informou que a comissão do CIR está mapeando onde eles ficam durante o dia e onde estão dormindo e que já detectou que se tratam, agora, de aproximadamente 30 índios de comunidades que fazem fronteira com as etnias Mucuxi, Patamom e Taurepang. Ele aproveitou a presença do presidente da Funai, João Pedro Gonçalves da Costa, durante encontro na Terra Indígena de São Marcos, ocorrido nesta segunda-feira. “O presidente da Funai falou que vai tentar uma conversa de Estado, entre o Brasil e a Venezuela, para resolver a questão. Mas, enquanto isso não acontece, vamos continuar tentando encontrar as lideranças venezuelanas para saber o motivo da saída deles de suas terras”.

Mário Nicácio afirmou que o CIR está promovendo um encontro de tuxauas no mês de março, no lago Caracaranã, no Município de Normandia, a Leste do Estado, para definir uma estratégia de ajuda aos indígenas venezuelanos. “Primeiro temos que saber o que está acontecendo na Venezuela para que eles fujam de lá, se é fome ou outra coisa. Temos que saber o que está acontecendo para poder ajudar”, frisou. (R.R)