A enorme área invadida na região do Bom Intento, zona rural de Boa Vista, na saída para a Venezuela, cresce de forma desordenada. Enquanto aguardam a regularização da área junto ao Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima), as 3,2 mil famílias que ocuparam o terreno em outubro do ano passado começam a substituir os barracos improvisados de madeiras por casas de alvenaria.
Pouco mais de um ano após ser invadida, a Folha foi até a região e constatou a expansão da área, denominada pelos invasores de “Pedra Pintada”. Além das casas de alvenaria, que já são maioria, no local também já existem vários estabelecimentos comerciais fixos, como padarias, supermercados e até lojas de materiais de construção.
Lotes do terreno, que pertencem ao Governo do Estado, também são vendidos de forma irregular em sites e aplicativos de compra e venda pela internet. Os vendedores, que se dizem donos dos lotes, chegam a cobrar até R$ 40 mil por um pedaço de terra na área, mas não apresentam título de propriedade ou qualquer outra documentação que comprove a posse.
As casas construídas pelos invasores começam aos arredores do Centro Socioeducativo (CSE), para onde são enviados menores infratores, e chegam próximas de uma área utilizada como centro de treinamento para tiro do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar. Como a área não foi regularizada, nem pelo governo e nem pela prefeitura, não possui rede de esgoto ou de energia. Para não ficarem às escuras, os invasores fizeram várias ligações clandestinas no local, os chamados “gatos”.
O que chama a atenção é que várias moradias que estão sendo construídas no terreno possuem carros e motos na garagem, além de centrais de ar-condicionado e antenas parabólicas de TVs por assinatura, o que não corresponde à realidade de pessoas desabrigadas ou que se encaixem no perfil de baixa renda.
Ocupação começou às vésperas da campanha eleitoral de 2014
No início de outubro de 2014, véspera da campanha eleitoral, mais de três mil famílias iniciaram a invasão da área na região do Bom Intento. À época, os invasores alegaram que não deixariam o terreno, pois se tratava de uma área destinada para o loteamento de programas habitacionais do Governo do Estado.
Menos de um mês depois, a Empresa de Desenvolvimento Urbano e Habitacional de Boa Vista (Emhur) enviou tratores para fazer a derrubada dos barracos construídos de forma improvisada com madeira e lonas plásticas. Ainda assim, os invasores voltaram a ocupar a área e chegaram a preencher uma lista de todas as famílias que estariam demarcando seus espaços para encaminhar ao Iteraima. As lideranças da invasão afirmaram, na ocasião, que somente famílias que não tinham onde morar ou que viviam de aluguel permaneceriam no local.
Para tentar contornar o problema, a então presidente interina da Emhur, Dilma Costa, e o então presidente do Iteraima, Haroldo Amoras, se reuniram com representantes das famílias para tentar intermediar a regularização da área junto ao órgão estadual, visando garantir moradia à população.
O caso, no entanto, foi parar no Ministério Público de Roraima (MPRR), que em janeiro deste ano recomendou à Procuradoria-Geral do Estado que fossem tomadas medidas a respeito da invasão. O MP denunciou, por meio de fotografias, que a propriedade estava sendo ocupada irregularmente por pessoas que não correspondiam ou se encaixavam no perfil de baixa renda.
Há pouco menos de dois meses, em setembro, a Câmara Municipal de Boa Vista aprovou o Projeto de Lei nº 172/2015, de autoria do vereador Júlio Cézar (PMDB), que criou uma Área Especial de Interesse Social (AEIS), denominada Pedra Pintada, assentamento localizado na zona rural de Boa Vista, com 6.099.542,77 m², no trecho norte da BR-174 norte.
O intuito do projeto era de beneficiar mais de 1,2 mil famílias que vivem no local sem as mínimas condições de moradia. Segundo o vereador, a área foi cedida aos moradores pelo Governo do Estado, na gestão passada, e não seria caracterizada como uma invasão.
Governo diz que está fazendo levantamento e que invasores da área da PM serão retirados
Por meio de nota, a Prefeitura de Boa Vista informou que o município não possui terras no local e reforçou que o Governo do Estado, por meio do Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima), é quem deve tomar as medidas cabíveis.
Também em nota, o Governo do Estado esclareceu que o Iteraima, juntamente com a Companhia de Desenvolvimento de Roraima (Codesaima), já iniciou o levantamento socioeconômico das famílias que ocupam a área invadida, denominada Pedra Pintada, na região do Bom Intento. Cerca de 600 famílias estão no local e terão as condições analisadas para verificar se estas famílias se adequam aos requisitos para fazerem parte de programas habitacionais do Governo do Estado.
O governo explicou aos moradores que foi assinado, em março deste ano, um termo de compromisso com o Ministério Público que impede a regularização de áreas ocupadas por invasões, sob pena de ser penalizado por improbidade administrativa caso descumpra o acordo. A ocupação faz parte das investigações da CPI das Terras, instaurada pela Câmara de Boa Vista.
O governo afirmou que se comprometeu em não deixar as famílias desamparadas, por isso foi determinada a elaboração de um projeto de lei conhecido como Lei das Terras, que contou inclusive com a participação popular, por meio do Conselho Estadual das Cidades, e atualmente tramita na Assembleia Legislativa. Ao término desta tramitação, o Governo do Estado terá mais segurança jurídica para regularizar as ocupações consolidadas e de boa fé que atendam aos requisitos previstos na lei.
Também esclareceu que os ocupantes da área destinada à Polícia Militar, ainda na região do Bom Intento, não têm autorização para permanecerem na área, a qual deve destinar-se, exclusivamente, para fins de treinamento policial. “O Iteraima está adotando as providências legais em relação à referida área para a desocupação dela. Caso a retirada não ocorra por via administrativa, o procedimento pode ocorrer por via judicial”, diz a nota.
O grupo já foi retirado da área anteriormente, mas acabou retornando à ocupação. “O instituto também vai realizar o levantamento socioeconômico dessas famílias e verificar quem realmente se enquadra nos critérios para que possam ser realocadas para outra área apontada pelo Estado ou enquadradas em programas habitacionais, para que o governo possa reintegrar a área atualmente ocupada”, pontuou. (L.G.C)