Jovem com deficiência visual passa em vestibular para Direito na UFRR

Bianca Praxedes, de 18 anos, obteve a melhor nota geral entre os candidatos às vagas do curso de direito na instituição em 2025

Jovem com deficiência visual passa em vestibular para Direito na UFRR

Aos 18 anos, Bianca Praxedes escreve um novo capítulo em sua trajetória: a aprovação no vestibular para Direito na Universidade Federal de Roraima (UFRR). O feito, por si só, já seria motivo de celebração, mas carrega um significado ainda maior para quem, desde muito cedo, precisou se adaptar a uma nova realidade.

Com apenas um ano e dois meses, Bianca foi diagnosticada com um tumor raro chamado craniofaringioma. A mãe, Sheila Praxedes, conta que a filha, após ser levada a São Paulo para uma cirurgia de emergência, achou que a filha iria voltar a enxergar normalmente. Mas o médico não lhe deu a notícia que ela esperava.

Sheila Praxedes é mãe de Bianca Praxedes (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

“Quando ela começou a adoecer, percebemos que tinha algo errado porque ela ficou mais quieta”, lembra a mãe Sheila Praxedes.

A busca por respostas foi árdua e, após uma série de consultas, exames e uma cirurgia de emergência em São Paulo, veio a notícia definitiva: o nervo óptico havia sido comprometido de forma irreversível. A notícia, porém, não impediu Sheila de lutar pela adaptação da filha ao mundo. “Na segunda-feira de manhã, já estávamos no centro de estimulação precoce”, recorda.

A partir dali, Bianca foi inserida em diversas terapias e, aos poucos, reconquistou sua independência. Aos dois anos, voltou a falar e a andar. Mas, além das barreiras físicas, havia outro desafio: a inclusão escolar.

A luta por educação e acessibilidade

Bianca Praxedes é caloura de Direito na UFRR (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

Desde cedo, Sheila precisou enfrentar desafios para garantir que a filha tivesse as mesmas oportunidades que qualquer outra criança. Em um ambiente escolar ainda pouco preparado para receber alunos com deficiência visual, ela encontrou resistência e falta de estrutura. Foi aí que surgiu a ideia do “Manual de Instruções da Bia”.

“Eu fazia um manual para a escola com tudo sobre ela: o que gostava, o que não gostava, como era para ser feito. E uma das minhas grandes brigas era: eu não queria atividade diferente para ela”, explica Sheila.

Para Bianca, era essencial que seu aprendizado fosse igual ao dos colegas, apenas adaptando o que fosse necessário. Assim, ela desenvolveu um domínio da escrita e da gramática muito acima da média, graças ao tato e à leitura em braille.

A jornada acadêmica de Bianca foi pautada por desafios e adaptações. Para estudar, ela recorria a vídeos no YouTube, aulas online e escrevia resumos para memorização. Durante as provas, contava com o apoio de um ledor, um professor auxiliar que lia as questões e registrava suas respostas.

Para garantir mais conforto e acessibilidade à filha, Sheila adaptou a casa com diversos recursos voltados à inclusão. Almofadas e quadros com inscrições em braile, adquiridos em uma loja de Belo Horizonte, fazem parte da decoração e auxiliam na ambientação de Bianca.

Além disso, ela utiliza datilografias em braille, um computador e um celular adaptados, que contribuem para sua autonomia no dia a dia. Desde que encontrou a loja especializada, Sheila sempre busca novos itens para tornar o ambiente mais acessível e funcional para a filha.

A escolha pelo Direito

A escolha pelo curso de Direito veio após muitas reflexões. “Eu tive vários outros sonhos antes. O primeiro era ser veterinária”, conta Bianca. Mas a vontade de lutar por inclusão e justiça falou mais alto.

“O Direito está envolvido nas batalhas que travamos a nossa vida toda. Acho que, por meio dele, vou poder batalhar mais pelos meus direitos e aprender mais sobre as leis. E, se puder, quero mudar algumas coisas.”

Bianca Praxedes conta como passou no vestibular da UFRR (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)

O momento da aprovação foi emocionante para a família. “Minha mãe veio chorando, me abraçou e disse ‘parabéns, você passou’”, lembra Bianca, aos risos. “Aí veio meu pai, meu avô, minha avó, todo mundo me parabenizar, e eu só pensava: ‘meu Deus’”.

Bianca Praxedes ficou em segundo lugar entre os candidatos aprovados que declararam possuir alguma deficiência, com 80 pontos, a 30º melhor nota entre centenas de concorrentes no vestibular para Direito da UFRR em 2025. Para PcDs, só haviam duas vagas, enquanto outra três são para lista de espera.

Uma nova realidade

Agora, prestes a iniciar essa nova fase, Bianca sabe que os desafios não acabarão. “Vai ser uma batalha tremenda. A faculdade é um ambiente novo, pessoas novas, uma nova adaptação. Mas eu vejo isso como algo positivo, porque sair da zona de conforto nos faz crescer.”

Sheila também celebrou a entrada da filha na universidade, pois sempre lutou bastante pela educação e acessibilidade dela. “Sempre fiz muita confusão [a respeito da educação da Bianca], mas eu acho que ela sabe o porquê. E o fato dela ter conseguido passar no vestibular pra gente foi uma grande vitória.”

Porém, a felicidade vem acompanhada de uma certa preocupação por saber bem da realidade da acessibilidade das pessoas com deficiência no ensino no Brasil.“Embora o medo do que vai acontecer ainda esteja aqui, né? Porque a gente sabe, infelizmente, que a inclusão é um processo muito difícil, muito lento no Brasil”.

A história de Bianca reforça mais ainda sobre como dá para superar as dificuldades que podem ser impostas pela vida. Com garra, determinação e esforço, tudo é possível.

Bianca Praxedes faz coração (Foto: Nilzete Franco/FolhaBV)