INVESTIGAÇÃO

Juiz de Roraima é afastado por possível negligência em processos de saúde

CNJ ainda autorizou a abertura de processo administrativo disciplinar contra o magistrado da 2ª Vara de Fazenda Pública de Boa Vista

Sede do Tribunal de Justiça de Roraima, no Centro Cívico de Boa Vista (Foto: SupCom ALE-RR)
Sede do Tribunal de Justiça de Roraima, no Centro Cívico de Boa Vista (Foto: SupCom ALE-RR)

O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, por unanimidade, o afastamento cautelar do juiz da 2ª Vara de Fazenda Pública de Boa Vista, Luiz Alberto de Morais Júnior, por suposta negligência em processos relacionados à saúde pública. A mesma decisão ainda autorizou a abertura de processo administrativo disciplinar contra o magistrado.

Luiz Alberto e Aluízio Ferreira Vieira – juiz da 1ª Vara de Fazenda Pública de Boa Vista também citado na reclamação disciplinar – foram procurados por meio da assessoria do Tribunal de Justiça de Roraima, a qual respondeu: “o referido procedimento disciplinar tramita no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não nos cabendo manifestação alguma sobre a matéria”.

Relator da reclamação disciplinar, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, rejeitou as alegações dos suspeitos no processo, incluindo cerceamento de defesa, ilicitude de prova, impedimento de declarante e prescrição.

A investigação diz que Luiz Alberto teria favorecido a tramitação irregular de demandas relacionadas a procedimentos médicos judicializados, e que as decisões geraram impacto nos cofres públicos em ações na área de saúde sobretudo durante o período da pandemia de Covid-19.

As possíveis infrações do magistrado foram constatadas durante inspeção ordinária conduzida pela Corregedoria Nacional de Justiça nas unidades do Tribunal de Justiça de Roraima, em dezembro de 2022. As suspeitas levantadas resultaram em correição extraordinária em janeiro de 2023 na unidade em que o juiz atuava. As investigações, com apoio da área de Tecnologia da Informação da Corte roraimense e depoimentos de servidores da vara, constataram que, “sem possuir conhecimentos jurídicos necessários, favoreceu a tramitação irregular dos processos”, expôs Luis Felipe Salomão.

O ministro esclareceu que as decisões do investigado ocorreram em processos encaminhados a ele pela 1ª Vara da Fazenda Pública de Boa Vista, em razão da suspeição do titular Aluízio Ferreira Vieira. “Dessa forma peculiar de tramitação resultaram danos significativos aos cofres públicos e graves incidentes constatados em diversos processos auditados”, afirmou.

Durante a correição também foi verificado que as ações tinham como advogado um ex-servidor do TJRR que atuou na 2ª Vara da Fazenda Pública de Boa Vista e era compadre de servidores da 1ª Vara da Fazenda Pública de Boa Vista, onde as minutas continuavam a ser elaboradas.

O relator avaliou que o magistrado atuou de forma negligente e imprudente sobretudo por delegar a um assessor a quase totalidade dos mais de 1,8 mil atos processuais. Segundo apurado, era o servidor que, utilizando a senha do juiz, despachava os processos. “Verificou-se que o magistrado Luiz Alberto não detém conhecimento mínimo acerca da tramitação dos processos de Saúde, tampouco mantém qualquer controle sobre as minutas confeccionados pelo servidor”, disse, em seu voto.

No voto, o corregedor ressaltou ainda que apesar de ser alertado sobre os problemas que envolviam os processos, o juiz não apurou aparente conluio entre seu assessor, que continua trabalhando na vara, e o advogado que patrocinava quase metade dos processos de saúde pública que ingressavam em Boa Vista.

Para o relator, o magistrado afrontou deveres previstos na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e negligenciou deveres do cargo. Além disso, infringiu o Código de Ética da Magistratura, com adoção de conduta imprudente.

Dilapidação de recursos públicos

Apesar das acusações contra Luiz Alberto, o relator afirmou que “não pesa contra o reclamado suspeita de conluio com quem quer seja, ou mesmo recebimento de vantagens indevidas em razão de suas decisões”, escreveu. Segundo o ministro, o magistrado “mostrou-se incapaz de conduzir processos de enorme relevância, próprios das varas de fazenda pública, o que foi elemento decisivo na aparente dilapidação dos cofres públicos de Roraima em razão de decisões desprovidas de técnica, temerárias, parciais e, a rigor, tomadas por seu assessor com uso consentido de token e assinatura do juiz”.

O ministro explicou também que os processos apresentavam inúmeras irregularidades, como a apresentação de um único orçamento privado acerca do procedimento médico, o que não permitia, em princípio, mensurar se os valores eram compatíveis com os praticados no mercado. Além disso, muitas liminares foram deferidas com determinação de imediata transferência de valores à própria parte demandante, antes mesmo da realização do procedimento médico e, em vários casos, sem consultar a Secretaria de Saúde sobre a possibilidade de realização do procedimento na rede pública.

O magistrado praticamente não utilizava os serviços do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NatJus,) “mesmo em casos aparentemente de alta complexidade, o que impossibilitava verificar se o procedimento buscado era recomendável à enfermidade alegada, se o caso era considerado de urgência a exigir uma decisão liminar e se os valores estavam dentro da normalidade dos preços pagos pelo Estado em procedimentos similares”.

Além da abertura do PAD, o relator entendeu necessário o afastamento do magistrado do cargo pois a sua permanência seria “motivo suficiente para despertar no jurisdicionado a fundada desconfiança contra o próprio Poder Judiciário’, concluiu.

Na mesma sessão, estava em pauta uma reclamação disciplinar que trata de fatos relacionados ao caso movida contra Aluízio Ferreira Vieira, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Boa Vista, e deverá ser apreciada na próxima sessão do plenário do CNJ.