Cotidiano

Juiz é suspeito de beneficiar advogados e médicos com decisões

Os indícios de irregularidades foram notados em dezembro de 2022

A Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) aprovou por unanimidade reclamação disciplinar contra o juiz de Roraima, Aluízio Ferreira Vieira, por suspeita de parcialidade em decisões que beneficiaram advogados particulares, médicos e clínicas em processos na área da saúde, na 1ª Vara da Fazenda Pública de Boa Vista.

O relatório do ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, foi divulgado no Diário da Justiça desta sexta-feira (3). O documento pode ser acessado por meio de link (entre as páginas 25 e 28). 

Os indícios de irregularidades foram notados em dezembro de 2022, durante uma inspeção no Tribunal de Justiça de Roraima, e apurados detalhadamente pela Corregedoria em janeiro desse ano. 

A apuração da Corregedoria apontou que o juiz Aluízio Ferreira tem proximidade com um advogado particular, responsável por boa parte dos processos na área da saúde. O mesmo advogado também já trabalhou na 2ª Vara da Fazenda e tem como padrinho do filho o servidor auxiliar do magistrado. 

A Corregedoria afirma que o advogado apresentava na petição inicial um único orçamento acerca do procedimento. O documento, geralmente, era assinado por dois médicos específicos. Em nenhum desses processos o juiz teria exigido a apresentação de outro orçamento, diferente das ações ingressadas por outros advogados ou pela Defensoria Pública.

Nas ações do advogado, o relatório aponta que o juiz deferiu as liminares com determinação imediata de bloqueio de valores nas contas do estado, sem consulta técnica ao NatJus e, muitos deles, sem consulta à Secretaria de Saúde. Em pelo menos dois dias, era determinada a entrega dos valores aos pacientes, sem que o procedimento médico fosse realizado.

“Depois de levantados os valores bloqueados, a prestação de contas ocorre com a apresentação de nota fiscal simples, sem maiores detalhamentos acerca do procedimento médico efetivamente realizado (como prontuário e comprovação de materiais utilizados)”, detalha trecho do relatório.

Aluízio Ferreira esteve afastado da jurisdição entre 2019 e 2021, para atuar como juiz Auxiliar da Presidência do TJRR. Ao retornar para a 1ª Vara, o relator afirma que “os custos com decisões liminares em processos de saúde saltaram significativamente a partir do ano de 2021, chegando a quase triplicar quando comparados aos valores do ano de 2020”.

Em depoimento, o juiz disse à Corregedoria ao voltar, pediu que seu servidor auxiliar levantasse uma lista de processos do advogado, para declarar suspeição. No entanto, o relatório salienta que isto só ocorreu meses após o retorno dele, e depois da concessão da liminar de bloqueio e transferência de valores. Em outros, após a prolação da sentença de mérito.

A Corregedoria também abriu reclamação disciplinar contra o juiz titular da 2ª Vara da Fazenda, por atuação desprovida de conhecimento técnico-jurídico em processos de saúde. Dois desembargadores do TJRR também foram alvo de reclamação disciplinar devido proximidade com Aluizio.

Caso queiram, os dois juízes e desembargadores tem o prazo de 15 dias para apresentar defesa prévia à eventual abertura de PAD. A abertura ou não do processo, será discutida em sessão de julgamento com data ainda não divulgada.

Em notas enviadas ao G1 Roraima, o Juiz Luiz Alberto de Morais informou que tomou conhecimento de alguns dos fatos narrados, mas ainda não foi oficialmente notificado. Disse que encaminhará diversos dados ao CNJ, de forma a bem esclarecer o que está sendo averiguado, sendo que no momento da correição, a equipe prestou o devido suporte e não causou qualquer embaraço, pois tudo encontra-se de fato em ordem.

Em nota à Folha, o juiz Aluízio Ferreira informou que sempre zelou pela integridade técnica e moral da atividade exercida por ele. Com isso, acredita que os fatos serão esclarecidos quando esclarecer os pontos no prazo de 15 dias. Leia a nota na íntegra:

“Nesses mais de 13 anos de magistratura dedicados à sociedade roraimense sempre zelei pela integridade técnica e moral da minha atividade judicante e, como tal, tenho plena ciência da importância do trabalho do CNJ no aperfeiçoamento dessas atividades destinado a todo Poder Judiciário Brasileiro sempre com muito zelo.

Neste caso, se trata de procedimento inicial de reclamação disciplinar em que o CNJ oportuniza nos próximos 15 dias o esclarecimento de todos os pontos que foram alçados e, após esta defesa técnica poderão dar continuidade ao procedimento ou arquivá-lo, se o caso. 

Enfim, fico com a convicção de que os fatos serão esclarecidos com ponderação e legalidade, da mesma forma que sempre pautei minha função judicante.”

O TJRR informou que, como a análise do referido procedimento está sendo feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), “não nos cabendo manifestação alguma sobre a matéria”, assim como “todas as determinações do CNJ a respeito do assunto serão cumpridas pelo Poder Judiciário de Roraima”.

A Folha tenta contato com os outros citados. O espaço segue aberto para eventuais posicionamentos.

*Matéria atualizada às 10h14 com posicionamento do Tribunal de Justiça de Roraima.