A Fundação Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh) é acusada de contratar uma empresa para venda de créditos de carbono em áreas de conservação localizadas na região do Baixo Rio Branco de forma irregular. A denúncia, feita à FolhaBV, aponta que o processo de contratação não respeitou a legislação que regula os processos licitatórios.
A Fundação assinou dois contratos com uma empresa de serviços ambientais que somam mais de R$ 3 bilhões para venda de supostos créditos de carbono com exploração do Parque Estadual das Nascentes, nas áreas das reservas de desenvolvimento sustentáveis (RDSs) Campina, Xeriuini, e Itapará-Boiaçu.
Os valores previstos nos contratos, de R$ 3.200 por hectare, abrangem 323 mil hectares no Parque Estadual das Nascentes e 622 mil hectares na Reserva Itapará-Boiaçu. No entanto, o processo de contratação não teria seguido a legislação licitatória vigente e ignorado parecer da Procuradoria Geral do Estado de Roraima (PGE/RR).
Em março deste ano, a PGE havia recomendado a adequação dos procedimentos licitatórios conforme as Leis federais nº 11.284/2006 (Gestão de Florestas Públicas), 14.133/2021 (Licitações e Contratos Administrativos) e 8.987/1995 (Concessões e Permissões de Serviços Públicos). Em abril, a Procuradoria afirmou em nova recomendação que “a ausência da análise jurídica prévia trata-se de uma inconsistência processual que requer atenção”.
Venda de crédito de carbono
A venda de créditos de carbono é uma estratégia que visa mitigar as emissões de gases de efeito estufa, como o CO2, responsáveis pelas mudanças climáticas. Esse sistema permite que países, empresas e outras entidades compensem suas emissões comprando créditos gerados por projetos que reduzem, evitam ou capturam esses gases.
Conforme divulgado, a Femarh fez chamamento público para empresas interessadas em fazer o uso de ativos ambientais para a captação de recursos financeiros reaplicáveis em projetos de sustentabilidade ambiental. No entanto, a denúncia ainda aponta que o projeto não tem metodologia específica e apresenta discordâncias entre os dados fornecidos e o potencial de crédito.
“Estamos diante de projeto de gaveta, que efetivamente não opera qualquer proteção ambiental nessas áreas. Trata-se de uma prática ilícita realizada por empresas especializadas em se beneficiar de área de floresta pública de posse das comunidades tradicionais, sob a justificativa de cria mecanismos para remunerar projetos que desenvolvem ações de combate às mudanças climáticas”.
O que diz a Femarh
A FolhaBV procurou a Femarh para se manifestar sobre o projeto e a contratação. Por meio de nota, a Fundação Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, afirmou que o contrato visa realizar “inventários ambientais sem exploração das áreas”, sendo financiado por Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e respeitando as normas legais. Além de que os direitos das comunidades locais também teriam sido respeitados, por meio de uma consulta à Comunidade Santa Maria do Boiaçu.
Confira a nota na íntegra:
A Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos informa que o contrato em questão refere-se à execução de serviços ambientais no âmbito do Sistema de Gestão de Serviços Ambientais do Estado de Roraima. Os Agentes Executores de Serviços Ambientais foram devidamente selecionados por meio do Edital de Chamamento Público (18201.005239/2023.70, EP. 9359086) e do Edital de Procedimento para Apresentação de Proposta e Precificação nº 05/2023 da Femarh.
Informa que o Chamamento Público ocorreu em 17 de julho de 2023, em razão da falta de recursos do Estado de Roraima para custear os inventários ambientais, os quais têm como objetivo quantificar, qualificar, precificar e certificar os ativos ambientais. Ressalta-se que os custos envolvidos nesse procedimento são elevados.
Esclarece ainda que não haverá exploração das áreas, mas sim a realização de inventários ambientais, com o propósito de quantificar, qualificar, precificar e certificar os ativos ambientais por meio da emissão de créditos de carbono, que são títulos de compensação ambiental e ativos financeiros, conforme estabelecido pela Lei nº 14.119/2021.
Portanto, a legislação mencionada pela Procuradoria Geral do Estado, especificamente o art. 3º, inciso VII c/c o art. 16, § 2º, ambos da Lei 11.284/2006, aplica-se de forma restrita ao presente caso, uma vez que as áreas em questão serão objeto de execução do Pagamento por Serviços Ambientais. Assim, as propostas apresentadas não resultarão em concessão de áreas públicas ou florestais à empresa vencedora, considerando que o PSA será financiado pelo agente executor, isentando o Estado de Roraima de quaisquer pagamentos para a realização dos inventários ambientais nas áreas do Estado, especificamente nas Unidades de Conservação e/ou Parques contemplados, que serão rigorosamente protegidos pelo agente executor, conforme estipulado na minuta do contrato.
Além disso, informa que a Comunidade Santa Maria do Boiaçu foi consultada sobre o processo, resultando em uma ata de reunião com lista de presença, a qual foi publicada no site da Fundação. Dessa forma, os direitos das comunidades tradicionais estão sendo respeitados em conformidade com as salvaguardas socioambientais.