Amanda Magnani
A COP 28, principal conferência climática global, acontece em menos de um mês em Dubai. Este ano, o mais quente já registrado na história, o evento é mais urgente do que nunca.
Enquanto países de todo o mundo se reúnem na busca por soluções para a crise, o caminho pode estar mais perto do que parece: nas experiências das comunidades indígenas de Roraima.
“Nós povos indígenas somos os agentes principais para manter o equilíbrio climático”, diz Enock Taurepang, vice-coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR).
Esse papel é reconhecido pela ONU: segundo um relatório de 2017, os povos indígenas, que representam 5% da população mundial, preservam 80% da biodiversidade do planeta.
Na Amazônia brasileira, a perda florestal em terras indígenas é 17 vezes menor do que em áreas não protegidas, fazendo com que esses territórios sejam a principal ferramenta para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus.
Além disso, comunidades indígenas de Roraima são a prova viva de que preservação ambiental, desenvolvimento social e crescimento econômico não são mutuamente excludentes.
Os PGTAs, planos de gestão territorial e ambiental, são um exemplo claro. Desenvolvidos coletivamente pelas comunidades, os PGTAs são elaborados a partir do etnomapeamento, que permite identificar locais sagrados, áreas produtivas e zonas de preservação.
Nesse processo, as comunidades definem coletivamente como gerir os seus recursos naturais da melhor forma possível, considerando aspectos sociais, ambientais e econômicos.
No Novo Paraíso, na Serra da Lua, a fabricação de farinha, principal produto da comunidade, é o carro chefe do PGTA. É a sua comercialização que vai garantir as condições para a execução de outros projetos locais.
“Para nós, o PGTA funciona como uma mãe, que vai sustentar os diversos projetos que temos na comunidade, de criação de gado, piscicultura, viveiro e horta medicinal”, diz Maria Loreta Inácio Pascoal, tuxaua da comunidade. “Nossa meta é que eles possam caminhar com as próprias pernas”, acrescenta.
“Os PGTAs são planos de vida das comunidades indígenas, feitos para durar por 30, 40, 50 anos”, diz Sineia do Vale, coordenadora nacional do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas.
Ela acrescenta que a justiça climática não pode ser pensada de forma descolada da gestão do território, já que ela perpassa a questão cultural, social, de modos de vida e de geração de renda.
Mas, para Yara Macuxi, mestre em antropologia pela UFRR, ainda está muito presente no estado a mentalidade de que é muita terra para pouco índio.
“Precisamos mudar esse paradigma. O modo de produção tradicional indígena tem um potencial enorme. Basta olhar para o que aconteceu durante a pandemia. No momento em que pessoas do Brasil inteiro passavam fome, os povos indígenas daqui conseguiram manter uma alimentação saudável e nutritiva”, diz.
Para Wesley Matheus, consultor de governança para o Banco Mundial, por ser o estado com maior área demarcada e população indígena, a economia de Roraima deveria ser mais resiliente às mudanças climáticas.
“No que você confiaria mais? Uma atividade produtiva desenvolvida há milênios, ou em promessas de quem não vêm daquele contexto e que alteram e desconfiguram a realidade local?”, questiona.
Ele não está só nessa indagação. Um estudo recente mostrou que, em um cenário de expansão da bioeconomia na Amazônia, orientado pelos critérios do Acordo de Paris, o Brasil poderia, até 2050, aumentar seu PIB em R$40 bilhões.
Além disso, seriam criados 312 mil novos empregos e o estoque de carbono da Amazônia —que refreia as mudanças climáticas— cresceria 19%. O estudo mostra ainda que os modelos de bioeconomia com melhores resultados são aqueles que replicaram os arranjos produtivos já existentes dentro das comunidades.
Nesse sentido, a COP 28 pode ser especialmente importante para Roraima, já que o financiamento climático será um dos temas-chave. O evento pode representar uma oportunidade para tomar a frente e se tornar líder na transição para uma economia verde.
As comunidades indígenas do estado já entenderam a importância dessa oportunidade. Pela primeira vez, um evento preparatório para a COP foi realizado em um território indígena brasileiro.
Para Enock Taurepang, a luta climática não é só dos povos indígenas: “Esta é uma luta da sociedade em geral, de todos que respeitam a vida e reconhecem o papel fundamental da natureza.”