Cotidiano

Mercúrio põe em risco moradores e turistas

Garimpeiros artesanais que atuam nos igarapés têm usado mercúrio para pegar ouro em pequena quantidade em suas bateias

JESSÉ SOUZA

Especial para a Folha

Embora muitos não saibam, não é proibido garimpar no ponto turístico mais visitado por turistas locais e de outros Estados, no Município de Amajari, Norte de Roraima. A Portaria número 143, de 31 de janeiro de 1984, do Ministério de Minas e Energia, reconheceu a garimpagem de ouro e diamante na Serra do Tepequém como tradicional. Mas a exploração só pode ocorrer de forma artesanal, por garimpeiros da comunidade, por meio de faiscação e cata.

Porém, embora a comunidade enxergue essa atividade como uma subsistência dos remanescentes do garimpo, servindo inclusive de exibição para turistas, um grande perigo coloca todos em risco: o mercúrio, que é utilizado pelos garimpeiros em sua forma líquida para atrair e juntar as faíscas de ouro em suas bateias. Esse metal, chamado de azougue pelos garimpeiros, é altamente danoso ao meio ambiente e aos seres humanos, tanto quando ele é queimado para que fique somente o ouro bruto, quando ao ser jogado de forma líquida no leito dos igarapés.

O mercúrio, além de contaminar o solo, pode provocar graves complicações à saúde de garimpeiros ou de outras pessoas indiretamente. Conforme pesquisas, o metilmercúrio se acumula na cadeia alimentar se fixando na natureza. Mesmo que jogado fora dos leitos dos igarapés e rios, com a chuva o material pode cair em um curso de água. Nos seres humanos, é conhecido por causar enfermidades neurológicas graves, como ocorreu na década de 1980, durante a intensa corrida pelo ouro na Serra Pelada, no Pará. Garimpeiros que inalaram o mercúrio sofreram sérias complicações de saúde e até morreram.

Como os garimpeiros artesanais vasculham todos os quadrantes da Serra de Tepequém, é certo que o uso do mercúrio pode ser uma realidade em todos os igarapés que cruzam os pontos de grande visitação turística, daí o risco ao se beber água dos mananciais, mesmo aqueles que parecem livres de qualquer poluição. A equipe da Folha encontrou pontos de garimpagem nos principais igarapés que cruzam a serra, como o Cabo Sobral e o Paiva, além do Igarapé Preto, que desce desde o Platô até a Vila do Paiva, sede de Tepequém.

Nesses locais, novos e antigos garimpeiros buscam a sobrevivência em meio ao cascalho, atividade que pode lhes render de um a dois gramas de ouro por semana ou uma pequena pedra de diamante, chamada de “xibiu” na gíria garimpeira, que pode ser vendida, de acordo com o seu tamanho e formato, por valores que vão de R$50 a R$100, como souvenir para turistas.

O garimpeiro Antônio Pereira da Silva, 74, é um deles. Vindo do Maranhão, foi garimpar na Venezuela e, há quatro anos, quando não suportou mais a dura lida da extração mineral naquele país, chegou, à Serra do Tepequém, onde vai garimpar quando está de folga de seu trabalho braçal em uma fazenda no Município de Mucajaí, Centro-Oeste de Boa Vista. Como todo garimpeiro, ele ainda sonha encontrar a pedra que um dia pode mudar sua vida, ilusão que cultivou por todo esse tempo revirando o solo. Ele e outro companheiro de garimpagem usavam o mercúrio em busca de ouro, quando foram encontrados no leito do Igarapé Cabo Sobral.

O Cabo Sobral foi onde os primeiros exploradores chegaram, em 1936, em busca do minério. Depois da descoberta, a vila chegou a abrigar até cinco mil pessoas nas décadas seguintes. Hoje, esse igarapé dá acesso a dois pontos turísticos de Tepequém: o Tilim do Gringo, uma fenda entre as rochas de 30 metros de cumprimento por 10 de altura, aberta à dinamite na década de 1950, e a Cachoeira do Funil, uma das maiores da região, bastante requisitada por turistas. No fim do mês passado, a Folha encontrou um pastor evangélico explorando minério no Funil.

A comunidade se divide em relação à garimpagem. Até quem não apoia não se sente à vontade para se opor abertamente, pois quase todos os garimpeiros mais antigos se aventuram na exploração artesanal, fazendo vistas grossas para o uso do mercúrio. A gerente regional substituta da Agência Nacional de Mineração (ANM) em Roraima, Eutíquia Lúcia do Vale, disse que a comunidade já teve uma cooperativa de garimpeiros tradicionais, que tentou se organizar para conseguir a lavra em Tepequém e fiscalizar as ações ilegais, mas a entidade acabou extinta por falta de interesse deles próprios.

Ela afirmou que a ANM tem feito fiscalização com órgãos ambientais, mas que sua atuação é direcionada a quem detém a lavra e autorização para pesquisa, embora as possíveis irregularidades sejam reprimidas na parceria com outros órgãos. Geralmente os garimpeiros optam por trabalhar em fins de semana e feriados prolongados, justamente para driblar uma possível fiscalização.