ANA GABRIELA GOMES
Editoria de Cidade
Era manhã de sábado, por volta das 10h, quando ela passou por uma das estreitas vielas do bairro Pricumã, puxando uma carroceria improvisada com sua bicicleta. Na carroceria, algumas panelas, vários pares de meias e outros objetos que, possivelmente, também estariam à venda. Quando me percebeu olhando para aquela cena, me perguntou se eu gostaria de comprar algo. Foi assim que eu soube que ela não era brasileira.
Valentina Rodriguez, de 25 anos, veio para Roraima há pouco mais de um ano e meio com os pais. O motivo você já sabe, ou pelo menos pode imaginar. Atualmente, com os pais já empregados, ela agora ajuda a vender os produtos que sobraram. Valentina, assim como sua família, faz parte dos mais de 650 mil imigrantes que entraram em Roraima nos últimos quatro anos.
Dados da Polícia Federal em Roraima mostraram que, em 2016, chegaram ao estado 89.452 pessoas. No ano seguinte, foram 96.052. Em 2018, houve um crescimento expressivo quando foi registrada a entrada de 224.358 imigrantes pela fronteira. Por fim, no ano passado, entraram 247.957, totalizando 657.819 entradas. O número é maior que os 605.761 habitantes do estado, segundo dados contabilizados em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Mas, assim como há entrada, há saídas, ainda que em menor proporção. Neste aspecto, a Polícia Federal registrou 263.357 saídas. Uma vez que entram, um em cada cinco imigrantes solicitam pedidos de refúgio ao Comitê Nacional para Refugiados (Conare). Nos últimos quatro anos, 120.291pedidos foram contabilizados pela PF. Se tratando de pedidos de residência, no entanto, os números são bem diferentes.
De acordo com a PF, apenas 266 pedidos foram registrados em 2016, 1040 em 2017, em 2018 foram 614 e em 2019 foram 168, perfazendo um total de 2088. Este ano, até o momento, houve três pedidos desta natureza. Vale ressaltar que ambos os pedidos, de refúgio e de residência, podem ser feitos junto ao órgão federal.
Operação Acolhida tem meta de interiorizar 36 mil imigrantes este ano
Além dos imigrantes que entram e saem, que solicitam refúgio e residência, há também os que saem de Roraima para outras localidades do país por meio dos processos de interiorização da Operação Acolhida, como é o caso dos venezuelanos. Desde abril de 2018, um total de 30.210 venezuelanos foram interiorizados para cerca de 450 municípios brasileiros, em todas as regiões do Brasil. Para este ano, a meta é interiorizar 36 mil migrantes e refugiados venezuelanos, entre homens e mulheres de todas as idades, nas modalidades institucional, reunificação familiar, reunificação social, processo de vagas de emprego sinalizadas e pela sociedade civil.
Roraima tem mais de 50 grupos nacionais, diz cientista político
Se tratando do processo migratório no extremo norte do Brasil, o cientista político Paulo Racoski fez uma observação. Em sua avaliação, o fluxo migratório para Roraima é um fenômeno da realidade sociohistórica do estado há mais de 40 anos, tanto pela questão social, quanto política, apreço cultural, material e econômico. Há também, segundo ele, o imaginário que se criou de que, no estado, haveria um El Dourado. “Esses mitos e lendas, tanto europeu quanto ameríndio, acabaram influenciando a ideia de que, entre o Orinoco e o Rio Branco, teria um lugar feliz para se viver, lugar que coincidentemente é parte do território de Roraima”, disse. Segundo Racoski, há atualmente mais de 50 grupos nacionais morando em Boa Vista e nos demais municípios, sendo a maioria considerada invisível, tanto por não fazer parte das estatísticas e divulgações da imprensa, como por vontade própria. “Roraima é o estado mais ilhado do Brasil, então as pessoas pensam em um lugar para ser feliz e, ao mesmo tempo, fugir das guerras das leis. Já foram divulgados casos de pessoas que, após 30 anos aqui, foram descobertas por terem cometidos crimes horrendos em outros estados”, pontuou.