Cotidiano

Milhares de pessoas ocupam área na região do Haras Cunhã Pucá

Invasão começou no sábado e donos de área entram com pedido de reintegração de posse na Justiça

Os proprietários da área invadida por representantes da Associação dos Moradores do Estado de Roraima (Famer), localizada no Município do Cantá, na região Centro-Leste do Estado, próximo ao Haras Cunhã Pucá, entraram na Justiça com pedido de reintegração de posse para a retirada de milhares de pessoas que se instalaram no terreno.

A invasão já vinha sendo anunciada há alguns meses por membros da associação, nas redes sociais, e foi concretizada no sábado, 1º, quando centenas de pessoas iniciaram a construção de barracos improvisados feitos com madeira e lona na área, que possui aproximadamente 560 hectares.

A Folha foi até o local, na manhã de ontem, 03, e constatou que o terreno já havia sido completamente tomado pelos ocupantes. O que mais chamou a atenção foi a quantidade de motos e carros, sendo alguns de alto padrão, nas proximidades do loteamento, o que não corresponde à realidade de pessoas que se encaixam no perfil de baixa renda.

Centenas de invasores já trabalhavam na construção dos barracos e na limpeza da área. De acordo com um dos invasores ouvidos pela Folha, os lotes foram separados em tamanhos únicos, medindo 12 metros de frente por 25 de comprimento. “Eu tive que me filiar à Famer para conseguir esse espaço aqui. Falaram para nós que a área seria nossa”, disse o invasor, que preferiu não se identificar.

REINTEGRAÇÃO – Em entrevista à Folha, o empresário Michael Vogel, um dos proprietários da empresa Waltrópolis Empreendimentos Imobiliários Ltda, a qual pertence a área, informou que já ingressou com pedido de reintegração de posse da localidade.  “Aquela é uma área produtiva onde minha família cria gado, cavalos e faz plantações. Foi invadida por milhares de pessoas e está ocupada neste momento. Hoje mesmo, pedimos a reintegração de posse, pois os invasores não estavam dispostos a voltar para casa”, disse.

Segundo ele, o local foi escolhido para evitar que os órgãos de fiscalização agissem para retirar os invasores. “Em Boa Vista, a Prefeitura tem feito trabalho admirável em relação ao combate de ocupações irregulares. Por isso, eles resolveram tentar a sorte no Cantá, porque lá o município não pode agir”, afirmou.

O empresário explicou que o terreno é impróprio para moradia, pois sofre alagamentos no período de inverno. “É uma área que fica à margem do Rio Branco e, toda vez que chega o inverno, alaga. Assim que começar o período de chuvas, essas pessoas terão as casas submersas, por isso não entendo o motivo de quererem invadir ali. Em 2011, 85% desse terreno ficou inundado”, declarou.

Vogel disse confiar na Justiça para que a reintegração de posse do terreno seja autorizada. “Foi apresentado um contrato de compra e venda dessa área. Mas, se ele existir, é falsificado. Os responsáveis não têm assinatura legítima de ninguém. Esperamos que nos devolvam a terra, pois, nas outras vezes que sofremos invasões, conseguimos a liminar para reintegração de posse”, frisou.

ITERAIMA – Em nota, o Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima) informou que a área em questão é particular, não cabendo ao órgão qualquer intervenção quanto à retirada das famílias ou regularização dos lotes. Informou que mantém constante monitoramento em áreas de propriedade do Estado, no sentido de evitar ocupações irregulares em áreas públicas. “Porém, não pode intervir em áreas particulares, cabendo ao proprietário as medidas necessárias para resguardar o seu patrimônio”, destacou.

Representante de associação diz que área foi comprada por R$ 4,5 milhões

O representante da Associação dos Moradores do Estado de Roraima (Famer), Faradilson Mesquita, procurou a Folha para apresentar um contrato em que alega que a entidade teria comprado o terreno por R$ 4,5 milhões.

O contrato de compra e venda do imóvel rural trata do pagamento do preço e confissão de dívida de parcelamento. Teria sido firmado entre o proprietário da área, o empresário rural Valter Vogel, e uma pessoa com nome de Carlos Magno Oliveira Lima, que seria representante da Famer.

A primeira cláusula do contrato trata que o empresário teria vendido a área de terras rural denominada Haras Cunhã Pucá II e Haras Cunhã Pucá III, com área aproximada de 556 hectares, no Município do Cantá, livre e desembaraçado de qualquer ônus, impostos, taxas, dívidas e penhoras, com título definitivo de propriedade e posse.

Conforme o contrato, o terreno teria sido vendido por R$ 4,5 milhões, tendo sido pagos de R$ 500 mil no ato da compra e R$ 4 milhões de forma parcelada. Apesar de possuir assinaturas, o contrato não estava registrado em cartório.

“A Famer fez planejamento para fundar o loteamento popular na área. A discussão é moradia. O Minha Casa Minha Vida é uma fraude. O déficit habitacional em Roraima é de 30 mil famílias. Só nessa área existem 12 mil famílias”, disse Faradilson.

Segundo ele, a ocupação da área não se trata de invasão. “Refutamos a insinuação de que invadimos uma área privada. A Famer é contra isso. Não fazemos invasão. Estivemos com Valter Vogel e assinamos contrato de compra e venda”, insistiu.

Conforme Mesquita, a intenção seria transformar a área em loteamento com o apoio do Governo do Estado. “No planejamento havia duas alternativas. A primeira seria apresentar ao Governo do Estado o mesmo modelo de formação de bairros que iniciaram como invasão. O Estado assumiria o loteamento. São 12 mil famílias e cada uma iria pagar R$ 225,00 de mensalidade. Queremos transformar o Cantá no segundo maior município de Roraima, atrás apenas da Capital”, frisou. (L.G.C)

Comissão de terras vai convocar reunião para tratar sobre o caso

O presidente da Comissão de terras da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), deputado Mecias de Jesus, vai convocar uma reunião para esta terça-feira, 04, com outras autoridades, para tratar sobre a invasão realizada por centenas de pessoas à propriedade localizada em frente ao Haras Cunhã Pucá, no Município do Cantá.

Nesta segunda-feira, 03, ele esteve pessoalmente no local, juntamente com o deputado Soldado Sampaio, e conversou com membros do movimento que ocupavam a área. Mecias de Jesus também esteve reunido com o empresário, Walter Vogel, em seu gabinete. O empresário afirmou não ter interesse em abrir mão do local tendo em vista que o ato desvalorizaria todos os seus investimentos

O deputado afirmou que a Comissão de Terras tem a atribuição de fiscalizar e buscará entendimentos no sentido de resolver a situação. Para a reunião serão convidados o prefeito do Cantá, Carlos Barbudo, o presidente do Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima), Alysson Macedo, o Governo de Roraima, por meio da Casa Civil e Procuradoria Geral do Estado, além de representantes da Federação das Associações de Moradores de Roraima (Famer) e o empresário Walter Vogel.

Mecias explicou que é possível, que o governo tenha interesse no caos social que está instalado no local onde aproximadamente dez mil pessoas querem se estabelecer. Mas, para isso, deve haver acordo com o Município do Cantá, a quem caberá as atribuições, uma vez consolidada a área como habitacional.

Ele ressaltou que o Governo do Estado é quem emitirá a decisão final, caso haja interesses por parte do Estado e desde que não gere prejuízo ao empresário. “É preciso de uma solução para aquelas pessoas. No caso desta área, especificamente, o único caminho é pagar o direito que o empresário tem sobre a área e será bom pra todo mundo”, afirmou.

Ele ponderou ainda que um bairro não pode ser criado de uma hora para outra sem se pensar em escolas, postos de saúde, saneamento básico, segurança pública, atribuições do poder público. “É preciso que se obedeça ao plano diretor municipal e suas diretrizes. Além do mais, não se pode desapropriar uma área sem antes entrar em entendimento entre as partes. Não é assim que funciona. Por isso vamos convocar essa reunião e avaliar todos os pontos”, declarou.

“A reunião é para avaliarmos estes movimentos no Estado e as consequências que podem trazer para a administração pública. Esclarecendo que não estamos incentivando, estimulando ou autorizando este movimento. Vamos servir como intermediários para debater esta situação”, complementou Mecias.