Cotidiano

Mineradoras miram Tepequém, maior ponto turístico de Roraima

Com novo governo, mineradoras internacionais sentem um momento propício para apostar na mineração em larga escala no maior ponto turístico de Roraima

JESSÉ SOUZA

Especial para a Folha

O discurso do novo governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem animado grandes empresas mineradoras a apostarem na mineração no Brasil, especialmente em Roraima, conhecido mundialmente pela sua grande potencialidade mineralógica. Mais especificamente, as multinacionais do minério estão de olho na Serra do Tepequém, o ponto turístico que mais cresce ao Norte do Estado, no Município de Amajari, a 200 quilômetros de Boa Vista.

A serra já foi a maior produtora de diamantes da América do Sul, nas décadas de 1940 a 1950, mas hoje enfrenta uma disputa quase silenciosa de quem chegou para explorar o turismo e aqueles que defendem a volta do garimpo, além dos membros da comunidade que garimpam artesanalmente, atividade regulamentada por legislação federal, desde que não agrida o meio ambiente. Mas, desta vez, o garimpo em larga escala tornou-se uma realidade e vem sendo negociado por intermediários de grandes mineradores.

Com a perspectiva de o governo brasileiro estabilizar-se econômica e politicamente, além do discurso de abrandar os impedimentos ambientais, o telefone da Art Minas Mineradora, única empresa que detém a autorização da lavra para minerar em Tepequém, não para de tocar. São negociadores querendo comprar o direito mineral para se instalarem na serra a qualquer momento. Essa empresa detém a lavra de uma área de 4.422,35 hectares, a única concedida pela Agência Nacional de Mineração (antigo DNPM) naquela localidade. Trata-se de uma área onde cabe metade de Tepequém.

A outra metade da serra, cuja linha imaginária passa praticamente no meio das vilas, está sendo requerida para pesquisa por uma pessoa física, Cypriano Sabino de Oliveira, cujo processo está parado na Gerência Regional da ANM, em Boa Vista, devido a pendências. Mas, independentemente do momento político no Brasil, empresas estrangeiras sempre assediaram tanto quem detém a lavra quanto aquele busca autorização para pesquisar.

Assim como americanos, canadenses, ingleses, portugueses e outros grandes mineradores da América Latina vêm tentando a exploração de diamante e ouro há bastante tempo, já houve chineses querendo extrair a pedra-sabão de, considerada rara no mundo, na serra depois da Vila Cabo Sobral. Pesquisas já apontaram a existência de titânio, metal usado na construção de barcos, aviões e mísseis, além da existência de conglomerado, que é mais valioso que o mármore e considerado o melhor do Brasil.

Como não existe qualquer impedimento legal para exploração mineral em Tepequém, nada impende que o detentor da lavra venda o direito para grandes mineradoras internacionais. A Art Minas Mineradora tem sede na Vila Cabo Sobral, que foi o berço da exploração no passado e hoje é um ponto de visitação turística. A licença permite garimpar em toda área que fica do lado esquerdo da serra, onde estão as principais cachoeiras visitadas pelos turistas.

Do lado direito, o empresário Cypriano Sabino de Oliveira está requerendo as áreas onde estão outros pontos turísticos, o principal deles o Platô, o ponto mais alto da serra, que atinge 1.110 metros, que é o principal atrativo de quem busca turismo de aventura.

A gerente regional substituta da ANM em Roraima, Eutíquia Lúcia do Vale, confirmou que a Art Minas Mineradora é a única que detém a autorização para minerar ouro e diamante em Tepequém, enquanto Cypriano Sabino ainda está em trâmite de processo para conseguir o direito de pesquisa a fim de verificar a viabilidade de explorar somente diamante.

“Não é um processo fácil”, disse Eutíquia ao lembrar que a empresa Art Minas deu entrada no requerimento em 2006, mas a autorização da lavra só foi publicada em 2017. Por estar em área de fronteira, o pedido de autorização para pesquisa e depois o requerimento para lavra passam pelo demorado crivo do Conselho de Defesa Nacional (CND).

Dono de empresa confirma venda e diz que mineração não põe turismo em risco

Ele não informou o nome da empresa, apenas comentou que se trata de uma grande mineradora da Inglaterra, que tem como um dos donos um português judeu

Quadro menor, à esquerda, representa a delimitação da empresa que detém a autorização da lavra (Imagem: Reprodução)

O dono da empresa Art Minas Importação e Exportação de Substâncias Minerais Ltda-ME, João dos Santos Souza, tem a concessão para lavrar diamante e ouro em uma área que tem oito quilômetros de largura por seis de comprimento, que é quase a metade da Serra do Tepequém, cujo perímetro da lavra se estende até abaixo onde estão as áreas de floresta vistas nos mirantes, pelos turistas, lá de cima. Ele confirmou que está em negociação com uma grande empresa multinacional, mas faz questão de frisar que o turismo não está em risco, na região.

A outorga de concessão de lavra é para 3.689.700 toneladas de minério bruto, ouro e diamante, sendo prevista produção anual média de 239.904 toneladas, perfazendo uma vida útil de 15 anos para o projeto, conforme consta no Plano de Aproveitamento Econômico (PAE), aprovado pelo então Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). João Soares não fala em valores sobre a negociação do direito mineral, pois ele disse que o sigilo sobre valores faz parte do contrato.

Ele não informou o nome da empresa, apenas comentou que se trata de uma grande mineradora da Inglaterra, que tem como um dos donos um português judeu e é proprietária de 60 bancos na Europa que estão em busca de ouro para lastro das instituições financeiras. “Eles querem segurança, que não tínhamos”, disse se referindo à situação política e financeira do Brasil. Ele comentou que por pouco não fechou negócio com uma empresa americana porque, às vésperas de concretizar a operação, houve o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). O governo de Michel Temer (MDB) foi considerado temerário. “Eu não sabia que os estrangeiros tinham tanto medo do Brasil”, disse.

Santos frisou que a procura por negociadores internacionais não é uma novidade, embora tenha aumentado a partir das declarações do presidente Jair Bolsonaro (PSL) em permitir que os índios possam negociar suas terras para exploração de minérios e agricultura. “Meu telefone não para de tocar”, frisou. No passado, intermediadores das grandes mineradoras já o vinham procurando, inclusive de empresas árabes, a exemplo do Qatar. Até o empresário mais rico do Brasil, Eike Batista, chegou a procurá-lo para negociar, antes de perder sua fortuna na exploração de mineração, petróleo, gás, logística, energia, indústria naval e carvão mineral.

TURISMO – O empresário João Santos diz que a empresa que vai se instalar em Tepequém não tem interesse, no momento, de explorar a mineração em cima da serra, onde o turismo tornou-se a principal atividade econômica da comunidade. Comentou que os trabalhos da mineradora vão se concentrar onde o minério está mais aflorado, fácil de explorar, na área abaixo da serra, chamada por ele de “baixão”.

Segundo ele, na área ao sopé da serra está o “derrame”, que é o material levado pelas águas dos igarapés, como a areia branca, material muito comum às margens dos mananciais, rica em ouro e diamante. Inclusive, no passado, antes de chegar à serra, uma empresa portuguesa queria explorar essas áreas de areia no Igarapé do Cabo Sobral, mas não conseguiu autorização.

Santos disse que uma das vantagens da grande mineração é que essas áreas de areia são exploradas, depois o material é reposto e reflorestado. “Muitos não sabem, mas essa areia que vem do rebaixo cai no rio e vai toda para o Rio Branco, que é um sério risco. Com a mineração, essas áreas serão recuperadas”, frisou ao lembrar que os garimpeiros do passado pegaram o diamante que estava em cima, deixando areia e cascalho revirados, os chamados rejeitos.

Membros da comunidade local garimpam artesanalmente, atividade regulamentada por legislação federal, desde que não agrida o meio ambiente (Foto: Jessé Souza/Divulgação)

O empresário voltou a afirmar várias vezes que os empreendedores que investem no turismo não precisam se preocupar com a mineração em larga escala que será instalada na região. “O pessoal está chegando este ano para obedecer a todos os trâmites legais, obedecendo às leis ambientais, levando emprego, contratando mão de obra local, levando estrutura para a comunidade. Eles querem instalar energia solar ou eólica, com a sobra levada para a comunidade. São coisas bastante produtivas”, comentou.

Ele continuou: “Ninguém vai entrar na serra. Eles vão entrar na borda, na baixa, no derrame. Se o filé entrar na serra, será explorado por debaixo dela. Ninguém chegará demolindo nada. Pelo contrário, vai levar incentivo para o turismo e para a comunidade. Se tiver morador e, de repente, houver grande jazida em sua propriedade, a empresa vai indenizar ele. Na vila não vão mexer”.

João Santos comentou que o problema da vila é a água, o que precisa ser pensado para explorar o turismo empresarial em grande escala. “O rio quase seca no verão”, disse, complementando que a mineradora vai fazer pesquisas, ampliar infraestrutura e manter estradas funcionando. “Quando entra mineradora, a área vira ‘menina dos olhos’, mas nada de danificar”, complementou. Comentou que a exploração abaixo da serra deverá durar pelo menos cem anos, antes de se pensar em “entrar para a serra”.

Não sou ‘laranja’, diz empresário – Garimpeiro experiente que já esteve trabalhando em Rondônia e no Pará, João Santos chegou há 30 anos para garimpar na Terra Indígena Yanomami, no final década de 1980. Com o fechamento do garimpo, ele decidiu ficar e se estabeleceu definitivamente no Estado de Roraima.

Morando há 25 anos em uma casa no bairro Pricumã, Zona Oeste de Boa Vista, Santos foi enérgico ao negar boatos de que ele seria “laranja” de político ou grande empresário. “Só conheço laranja porque sou filho de fazendeiro”, disse ao enfatizar que está negociando seu direito mineral na Serra do Tepequém para uma empresa de fora porque, no Brasil, não há mineradora de grande porte com recurso suficiente para explorar aquela área.

Segundo ele, toda vez que um brasileiro o procura para negociar acaba se mostrando um intermediário ou alguém que está buscando uma parceria com empresas internacionais. Afirmou que não foi fácil conseguir a autorização para lavra, correndo por mais de uma década atrás de documentos, inclusive frisou ter sofrido boicotes e denúncias infundadas na Polícia Federal para prejudicá-lo.