ANDREZZA TRAJANO
Colaboração para a Folha de Boa Vista
Manter a família e a casa em segurança tem sido uma tarefa difícil para quem mora em Roraima, com o crescimento da violência urbana. Da capital ao interior, são inúmeros os relatos de furtos a residências. A máxima de que “se está seguro em casa” ficou no passado.
É o que está acontecendo, por exemplo, no bairro Cidade Santa Cecília, no Cantá, região que fica distante 25 km da sede do município e a 9 km de Boa Vista. Lá, os moradores dizem que estão esquecidos pelo poder público, carentes de mais policiamento.
O bairro, que surgiu na década de 90 e que já foi considerado seguro, hoje convive diariamente com a violência. De 1º de janeiro deste ano a 20 de setembro, a Polícia Civil registrou 23 furtos a residências e 15 arrombamentos. E, pela primeira vez, foi registrado um roubo com reféns. Uma família ficou sob a mira de dois bandidos no dia 4 de outubro. Eles levaram o carro, dinheiro e eletrônicos das vítimas.
E essas são as estatísticas oficiais. Os números poderiam ser maiores, já que os moradores dizem que não costumam procurar a polícia para registrar pequenos furtos, que já viraram rotina.
Há quase 20 anos vivendo no bairro, uma professora de 67 anos viu sua paz ir embora quando os bandidos entraram na casa dela, na tarde do dia 2 de setembro. Eles serraram duas grades, quebraram todas as janelas e levaram eletrodomésticos, aparelhos de telefone, uma botija de gás e comida. Dois aparelhos de tv, outra botija de gás e mais alguns itens foram encontrados pelos moradores escondidos num terreno baldio ao lado do imóvel.
A idosa estava viajando e voltou para casa no dia seguinte. Contabilizou os danos, registrou boletim de ocorrência e reforçou a segurança do imóvel com monitoramento eletrônico. “É inaceitável que alguém entre em nossa casa e leve o que batalhamos para comprar. Pior, que fique livre para agir novamente, pois até agora ninguém foi preso. Fiquei dias em casa sem sair, preocupada, mas já voltei ao trabalho. A vida continua. Já que o poder público não age, nós mesmos temos que fazer a nossa segurança”, disse.
Não contabilizados por esses dados da Polícia Civil estão dois arrombamentos recentes. Um na tarde do dia 20 de setembro, entre 16h e 17h, na casa do agricultor Hamilton Silva, 53. Os bandidos arrancaram a porta dos fundos do imóvel. Levaram roupas, dois ventiladores, uma televisão e outros pequenos itens. Ele é novo no bairro, se mudou em abril deste ano.
Ele acredita que uma quadrilha esteja agindo no bairro e que algum morador esteja dando apoio ao bando. “Muitos moradores passam o dia fora trabalhando, que é quando os bandidos aproveitam para monitorar as casas e escolhem em qual vão entrar”, disse.
O outro arrombamento à residência ao qual a reportagem teve acesso foi à casa do professor Carlos Lobo, no dia 26 de setembro. Essa foi a segunda vez em que bandidos entraram na casa dele. Na primeira, no ano passado, os criminosos entraram pelo telhado e levaram um notebook, câmera fotográfica e pequenos itens de valor, além de roupas.
Nesse arrombamento mais recente, logo após ele sair de casa para trabalhar, entre 11h e 12h, os bandidos levaram uma televisão smart de 43 polegadas. Eles entraram pela porta dos fundos. O professor registrou boletim de ocorrência em ambos os furtos, mas até agora ninguém foi preso. “Moro em Santa Cecília desde 2011. Tínhamos sossego. Acredito que quem está arrombando essas casas esteja de carro. Porque ninguém vê [os bandidos pelas ruas carregando os materiais furtados]”, disse.
Ele pede uma resposta rápida às autoridades. “As viaturas policiais não têm gasolina. Na delegacia, não há papel. Esse nosso contingente policial ou está pequeno ou está parado. Como cidadãos, temos que ter algum sossego. Não temos mais como nos protegermos. O que faremos sobre isso?”, indagou.
No caso do roubo com reféns, até então inédito no Santa Cecília, um aposentado de 65 anos relatou à PM que dois homens armados invadiram a casa dele, no final da tarde. Os bandidos foram agressivos, levaram dinheiro, celulares, uma televisão, notebook e relógios. Eles deixaram as vítimas trancadas no banheiro do imóvel. Ninguém foi preso até agora.
O bairro conta com uma associação de moradores que tem feito gestão junto à Prefeitura do Cantá e as polícias para tentar frear essa onda de furtos. Foi inclusive por iniciativa da entidade que foi instalada no bairro uma unidade da 4ª Companhia Independente de Polícia Militar de Fronteira. “É um lugar bom de viver, mas com essa incidência de arrombamentos, os moradores estão apreensivos”, explica Vânia Coelho, vice-presidente da Associação de Moradores e Amigos do Distrito Santa Cecília.
Como a maioria dos moradores trabalha em Boa Vista e retorna para casa apenas à noite, os imóveis ficam vulneráveis. Soma-se a essas questões a migração venezuelana. É comum ver venezuelanos andando em grupos pelas ruas, entrando em quintais abertos para descansar ou colher frutas. Até um igarapé que era ponto turístico se transformou em moradia improvisada para eles.
Segundo o censo do IBGE de 2010, havia 566 habitantes no Santa Cecília. Em julho de 2017, o Instituto Padrão realizou um estudo no bairro e esse número saltou para 1.142 moradores, um crescimento habitacional de 113%.
Vítimas querem mais rondas ostensivas
Legenda: Moradores pedem presença mais efetiva das polícias
A Delegacia da Polícia Civil, que há anos funciona no Cidade Santa Cecília, parou de registrar boletins de ocorrência, segundo os moradores. Faltou material de expediente. Eles também reclamam que a unidade da Polícia Militar, que igualmente está instalada no bairro, tem um efetivo pequeno e faz poucas rondas.
Em algumas ocasiões os veículos estiveram até parados por falta de combustível.
“Fui à delegacia para registrar um boletim de ocorrência e os policiais que estavam lá disseram para eu procurar uma delegacia em Boa Vista, pois não tinham material para trabalhar. Também conversei com policiais militares sobre os arrombamentos e pedi que fizessem mais rondas. Porém, apesar da boa vontade, disseram que não têm combustível para fazer um trabalho melhor”, disse um morador que pediu para não ser identificado.
Outro morador, que igualmente não quer ser identificado, disse que “se as polícias não agirem rapidamente, a população vai fazer justiça”. “Quando tomamos conhecimento de um arrombamento, nós corremos logo para o local, na ideia de pegarmos os bandidos. E se pegarmos, pode ter certeza que eles vão receber o que merecem”, disse o morador.
POLÍCIA CIVIL – O diretor do Departamento de Polícia Judiciária do Interior (DPJI), Eduardo Wayner, reconheceu alguns problemas, mas disse que a Polícia Civil está investigando todos os crimes, inclusive o recente roubo com reféns. Informou ainda que foram feitas duas prisões em flagrante este ano no Santa Cecília, por furto e por roubo.
“Como a Polícia Civil cancelou a locação de impressoras e demorou um pouco para uma nova empresa ser contratada, alguns serviços foram prejudicados. Mas o atendimento já foi normalizado na delegacia do Santa Cecília e as investigações estão em andamento”, disse, acrescentando que aguarda a realização de um novo concurso público para aumentar o número de policiais civis.
PM – Coronel Charles Matos, comandante do Comando de Policiamento do Interior da Polícia Militar (CPI), informou à reportagem que tem um veículo e equipe à disposição do Cidade Santa Cecília. “A viatura fica na base [no bairro] e a cada momento faz o patrulhamento. Estamos lá 24 horas e vamos atender aos moradores sempre que for necessário”, disse.
Sobre a falta de combustível, informou que foi um problema pontual.
“Estamos fazendo a ronda normalmente. Vamos nos reunir, ouvir a comunidade e melhorar ainda mais o policiamento”, prometeu.
Também procurado pela Folha, o comandante da Polícia Militar, coronel Elias Santana, disse à reportagem que a migração venezuelana sobrecarregou os serviços de segurança pública. “Temos feito operações todos os dias para melhorar a questão da segurança, mas é uma luta desigual, há uma quantidade enorme de pessoas nas ruas”, observou o militar.
Ele disse que o Cidade Santa Cecília está nas imediações de bairros como o 7 de Setembro, Pricumã e São Vicente, que têm abrigos públicos que recebem migrantes venezuelanos. Essa região, segundo ele, teve um crescimento em índices de violência urbana. “Estamos com uma demanda muito grande de trabalho. E não teremos efetividade em nosso serviço se não tivermos como conter essa onda de pessoas ociosas nas ruas”, frisou.