Nos últimos três meses, moradores do Paraviana, nas proximidades da área pertencente à Base Aérea, começaram a receber intimações do Tribunal Regional Federal da 1ª região (TRF-1), de Brasília, ordenando a saída do local sem direito a indenização. O argumento da União é que a região onde as casas foram construídas, que abrange a altura do Parque Bosque dos Papagaios até o final do bairro, pertence à aeronáutica.
Uma das moradoras alvo dessa intimação, a comerciante Líbia Barbosa, moradora da ruaMarixi, conta que mora no local há 30 anos, e que tem todos os documentos que indicam a sua residência como regularizada, incluindo os referentes à LaplanImobiliária, que vendeu o terreno na época. A imobiliária terminou suas atividades no loteamento há duas décadas e hoje já não existe mais.
“Eu sou a primeira moradora dessa região, e de repente o TRF alega que sou invasora, sendo que tenho todos os documentos que dizem respeito aos gastos que tive com o terreno e até mesmo as parcelas da antiga imobiliária? E não foi barato esse terreno, afinal o Paraviana sempre foi um bairro caro”, relatou.
Líbia contou ainda que paga Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e que teme o dia que tais regularizações sejam ignoradas pela União.“Até um mês atrás, eu acreditava ser a única a ter recebido a intimação, mas descobri que os vizinhos da frente também receberam, e moradores de ruas paralelas também. A situação está complicada, pois sequer querem dar indenização aos moradores. Fico temendo que a qualquer momento cheguem querendo nos expulsar”, lamentou.
Outro morador, o auxiliar de serviços gerais Rony Rodrigues, explicou que a intimação foi entregue em sua residência há cerca de um mês e meio. Ele contou que o prazo dado para a saída já venceu, e até o momento ninguém havia aparecido para retirá-lo do local.
“Eu moro aqui há um ano com minha esposa, que está aqui há mais de 10 anos. O prazo que nos foi dado, e já venceu, foi de 30 dias. Até agora não tivemos retorno algum. Minha esposa, com medo, já falou que está pensando em alugar uma casa para o caso de sermos expulsos”, detalhou.
O contador Francisco Saraiva, que mora em frente para a cerca da aeronáutica, conta que mesmo com toda a situação deixando os moradores apreensivos, ele não tem medo de ser intimado. “Eu conversei há uns três anos com um juiz que conheço, e ele disse que de fato, a região aqui é da União. Mesmo assim, eu não temo intimação, pois moro aqui há 17 anos e se isso ocorrer comigo, irei recorrer. Nada irá me tirar daqui”.
Segundo o advogado e morador da rua Guariguara, Carlos Augusto, desde quando se mudou para o Paraviana, em 2011, tinha conhecimento das tentativas da União em se apropriar do terreno, que abrange quase todo o bairro.
“O interesse da União por este terreno não é recente. Acontece há décadas. Parece que não houve uma divisão precisa daquilo que pertence à União e o que abrange Estado e Município”, contou.
Carlos Augusto frisou que apesar da apreensão dos moradores, não haveria uma forma prática de expulsar todos da região, com ou sem indenização. “Hoje em dia, seria impossível retirar as pessoas daqui com indenização. Agora, imagina sem? São muitas as pessoas que seriam afetadas, e o Governo Federal não tem condições de expulsar todo mundo. Se os moradores se juntarem numa ação judicial, essa ordem da União cairia por terra”, reforçou.
AERONÁUTICA – Em nota, a Base Aérea Brasileira respondeu que a questão relativa à área do Paraviana, em Boa Vista (RR), são conduzidas pela Advocacia-Geral da União (AGU), responsável por representar a União perante a Justiça.
Decisão de reintegração de posse foi feita em 2012 e não cabe mais recurso
De acordo com a assessoria de comunicação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília, o processo que resultou nas intimações que estão sendo recebidas pelos moradores, cujo autor foi a própria União, obteve sua última movimentação no ano de 2012.
A decisão foi feita pela desembargadora federal Selene Maria de Almeida e, de acordo com o que consta nela, o local correspondente ao terreno do Paraviana foi agregado em 1941 como território para construção do aeroporto internacional de Boa Vista.
“A área em questão, pertence ao domínio da União, pois está em área destinada à criação do aeroporto Internacional de Boa Vista, considerada de utilidade pública, em conformidade com o Decreto-Lei no 3.365/41, tendo sido efetuadas as devidas desapropriações por meio dos Decretos nos 24 a 33/70”, menciona a decisão.
A decisão também menciona que a atual ocupação seria uma invasão indevida, e que fere os direitos do Ministério da Aeronáutica sobre o terreno. “O art. 2° do Decreto-Lei no 5.812/1943, ao criar os territórios federais do Amapá, Rio Branco, Guaporé, Ponta Porã e Iguaçu, estabeleceu que os bens que pertenciam aos Estados ou Municípios passaram ao domínio da União, estando as divergências jurídicas afetando o Ministério da Aeronáutica atualmente, ressaltando, ainda, que o imóvel em tela encontra-se em área de risco para a habitação”.
A assessoria do TRF-1 reforçou que o processo em questão, iniciado em 2002, já está encerrado, e que após tentativas frustradas anteriores de desocupação voluntária, a ordem agora é que haja a reintegração da posse por meio das intimações.