Cotidiano

MPF e DPU ajuízam ação contra Governo por remoção de venezuelanos

Para órgãos de controle, ação do Estado reuniu série de irregularidades, como a retirada forçada dos migrantes

A remoção de cerca de 400 migrantes venezuelanos que pernoitavam nos arredores da Rodoviária Internacional de Boa Vista promovida pelo Governo do Estado na manhã de sábado, 28, foi questionada em Ação Civil Pública pelo Ministério Público Federal em Roraima (MPF-RR) e a Defensoria Pública da União em Roraima (DPU-RR), com valor de indenização de danos morais de R$ 800 mil.

Em coletiva de imprensa ocorrida na tarde de ontem, dia 1º, os procuradores da República Miguel de Almeida Lima e Ana Carolina Bragança informaram que a ação visa prevenir novas violações de direito e novos atos dos poderes públicos que impliquem violação dos direitos dos migrantes e refugiados de ir e vir e permanecer nos espaços públicos. Os procuradores também deram esclarecimentos sobre a ação protocolada na noite de terça-feira, 31, motivada, segundo eles, por uma série de irregularidades aos direitos humanos e à legislação federal e tendo como base informações recolhidas pelos órgãos de controle no ginásio, no mesmo dia do acontecido.

Conforme o documento, no dia 28 de outubro, os migrantes que pernoitavam na Rodoviária Internacional foram surpreendidos, por volta das 6h30 da manhã, pela presença de policiais militares do Batalhão de Operações Especiais (Força Tática e Canil) e bombeiros do Estado de Roraima, que, “coercitivamente, conduziram os venezuelanos ao Ginásio Tancredo Neves, situado na zona Oeste da cidade”.

A ação afirma que a remoção dos migrantes foi forçada, não tendo sido precedida anuência individualizada deles, ou seja, “não se propiciou aos venezuelanos a oportunidade de permanecerem no local onde estavam” e que os “migrantes foram levados a ingressar em ônibus providenciados pelo Estado, tendo poucos minutos para juntar seus poucos pertences”.

Além disso, o MPF e DPU afirmam que a data da remoção não foi previamente comunicada aos migrantes, nem aos órgãos de controle, nem às organizações das Nações Unidas e das organizações não governamentais e, por fim, não teve acompanhamento e assistência de representantes do Conselho Tutelar e Fundação Nacional do Índio, ao levar em consideração que entre os venezuelanos há crianças e indígenas.

“Houve relatos de pessoas que não tiveram tempo de recolher todos os seus pertences, tiveram apenas três minutos para recolher as suas trouxas, as suas bicicletas, enfim, tudo que tinham, aquilo que era a vida delas, dado a situação de vulnerabilidade e por isso, deixaram as coisas para trás, que depois foram recolhidas e possivelmente jogadas no lixo ou queimadas”, pontuou Ana Carolina.

Condições iniciais do novo abrigo eram precárias, diz ação

Outro ponto abordado no documento foi a questão das condições do Ginásio Tancredo Neves, agora utilizado como abrigo para venezuelanos. A equipe de reportagem da Folha esteve nesta semana no local e constatou que o espaço possui atualmente fornecimento de água, alimentação e banheiros em boas condições. 

No entanto, os procuradores da República afirmam que o espaço não estava adequado no momento que os migrantes chegaram ao local, sem a disposição de alimentos ou água para o consumo; e que o Estado descuidou de observar o direito à informação. “Além de terem os agentes públicos da Defesa Civil informado que os migrantes seriam levados a um local com estrutura para abrigá-los – quando na verdade foram despejados em um ginásio poliesportivo com más condições de habitabilidade – divulgou-se posteriormente, que a operação foi dialogada com líderes venezuelanos”, diz a ação.

Sobre a conversa com lideranças venezuelanas, o MPF ressaltou que a questão da anuência deve ser individual. “Uma liderança não pode representar todo um grupo de pessoas que estava naquele local. Ela não pode falar por todos e a anuência para remoção deve ser obtida pessoa a pessoa”, classificou a procuradora Ana Carolina.

Em caso de condenação, indenização será repassada para Ministério da Justiça

No momento, a ação civil foi ajuizada e deve passar por avaliação da Justiça. Depois de apreciada a liminar, se for deferida, o Estado pode recorrer. “Está incluso no pedido liminar apenas a questão de não promover novas remoções com a característica de remoção forçada e adotar cuidados no caso de novas remoções que forem acordadas”, disse Ana Carolina.

Caso haja a condenação, fica definido que o Estado terá que pagar uma indenização no valor de R$ 800 mil, por danos morais coletivos. A lei de ação civil pública informa que os recursos são revertidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD) do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Segundo Ana Carolina, pode haver outro tipo de destinação acordado após a condenação, mas “nesse caso seria essencial que o dinheiro não fosse investido na política pública de atendimento ao migrante que fosse de responsabilidade do próprio Estado, pois, ele estaria quase que pagando a si mesmo”, frisou a procuradora.

Governo do Estado se diz perplexo com ação e nega transferência forçada

Em resposta à imprensa, o Governo do Estado informou que recebeu a notícia de ajuizamento da Ação Civil Pública com surpresa. “É com perplexidade que o Governo de Roraima recebe a notícia de ajuizamento da Ação Civil Pública contra a transferência de imigrantes em situação de vulnerabilidade para um abrigo”, iniciou a nota de esclarecimento.

“Há quase três anos Roraima atua solitariamente no acolhimento aos imigrantes venezuelanos e suporta o forte impacto na saúde, na educação e na segurança, enquanto os órgãos de controle assistem, inertes, à omissão dos demais entes federativos, a quem cabe a segurança das fronteiras, a assistência a imigrantes e o abrigamento de pessoas em situação de rua”, afirmou o Estado.

Sobre a ação, o governo disse que a remoção foi coordenada pela Defesa Civil, com a atuação de mais oito secretarias. “O objeto da ação judicial se mostrou exitosa, pois proporcionou o acolhimento e abrigamento de 380 cidadãos venezuelanos que há meses viviam nas ruas, inclusive crianças vítimas de crimes, em local salubre, com água, instalações sanitárias e energia elétrica”, destacou.

A administração estadual negou que a ação tenha ocorrido de forma forçada e disse que a transferência para o Ginásio Tancredo Neves ocorreu de forma voluntária, após prévio entendimento firmado pela Defesa Civil com os imigrantes que se encontravam em situação de vulnerabilidade no entorno da Rodoviária Internacional de Boa Vista, que é uma área de segurança, sendo vedada sua ocupação.

Sobre os abrigos, o governo ressaltou que agora gerencia os dois únicos abrigos para imigrantes no Estado: o Centro de Referência ao Imigrante (CRI), no Ginásio Ulysses Guimarães, no bairro Pintolândia, e o Ginásio Tancredo Neves. Além disso, outro abrigo será ativado em Pacaraima para atender aos indígenas que fazem morada nas ruas do município, depois de concluída a reforma no local que servirá para essa finalidade (Ver página 5A).

“O Estado esclarece que a permanência desse público nos abrigos é voluntária e não há nenhuma regra ou obrigação para ficar no local, sendo assegurado ingresso e saída a todos, e a qualquer momento. Por fim, informa que a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) vai adotar todas as medidas judiciais cabíveis a defesa do Estado tão logo seja oficialmente notificada”, finalizou a nota. (P.C)