“Em outubro de 2018, estava em outra empresa e iniciamos uma turma de língua portuguesa para migrantes e refugiados. Fiz uma roda de conversa com os alunos e houve diversos relatos sobre caminhar mais de mil quilômetros da Venezuela até o Brasil. Muitos falaram sobre a fome, e a fome dói. Terminamos os primeiros cursos com um evento de certificação, todos estavam com suas melhores roupas, melhores maquiagens, sapatos e com um belo sorriso no rosto. No final, falei: ‘É muito bom esse trabalho de acolhimento para melhorar a vida dessas pessoas’”.
A declaração anterior é de Rodrigo Neves, de 26 anos, graduando em Marketing, que hoje atua como mobilizador local da Visão Mundial, no projeto “Ven, Tú Puedes”, que desenvolve atividades frente à crise migratória da Venezuela. Há seis anos ele não fazia ideia que estaria submerso no mundo humanitária, mas já sabia que tinha vocação, pois atuava para levar cursos profissionalizantes às pessoas mais vulneráveis em Boa Vista, capital de Roraima.
Neste 19 de agosto, data em que se comemora o Dia Mundial Humanitário, Rodrigo compartilha a trajetória de quem ajuda pessoas mais necessitadas. O dia é dedicado àqueles que se doam para estender a mão amiga em meio aos dissabores da migração, causada por diversos fatores, em diferentes partes do mundo, como ocorre na Venezuela. Dados da Plataforma R4V indicam que mais de 6 milhões deixaram o país, movidos pela fome, doenças e a busca por oportunidades.
Grafia da vida
Os últimos anos serviram de páginas para registrar tantas histórias ouvidas no dia a dia. Questionado se alguma tem uma lembrança especial, ele afirma que, recentemente, vivenciou algo marcante. Uma jovem, durante atendimento, não segurou a emoção ao contar sua história. Ela veio sozinha para o Brasil em busca de melhoria de vida após enfrentar a falta de comida na cidade natal.
“No dia em que fiz o atendimento dela, era também aniversário dela. Eu disse: ‘Nossa! Feliz cumpleaños! Muito sucesso, que as coisas melhorem.’ Nesse momento ela chorou bastante e eu não consegui segurar, chorei também e falei: ‘Vem cá, me dá um abraço’. Uma simples mensagem muda o dia das pessoas. Ela saiu de lá muito feliz. E ficou a reflexão. Vamos agradecer pela vida, por estarmos aqui trabalhando por aqui que queremos”, recorda Rodrigo.
São histórias alegres e felizes, carregadas de dor e superação, que tornam a profissão de quem atua no campo humanitário difícil. Não é sempre um mar de rosas. É difícil encontrar equilíbrio em meio a essa experiência, pondera o jovem. Um exemplo é ver pessoas que chegam às 4h para serem atendidas em determinado serviço, e não serem contempladas. “Isso me dói muito. Será que essa pessoa tomou café? Que horas ela acordou? Para tentar me desligar um pouco comecei atividade física”, afirma.
Sentimento de gratidão!
Mesmo com as adversidades como em qualquer outra profissão, Rodrigo classifica o trabalho humanitário que desenvolve como “gratificante”. Atualmente, ele é responsável em campo pelos cursos profissionalizantes e de língua portuguesa, além de ajudar nos chamados atendimentos de entrada: cadastro no projeto, elaboração de currículo, auxílio na emissão da carteira de trabalho, orientações sobre o mercado de trabalho e direitos humanos.
“Tenho orgulho e gosto de estar ali em qualquer dia da semana. Tenho prazer em conversar com os migrantes e de levar algo para eles. Para mim significa gratidão atuar em meios de vida em uma organização que gosto. Me vejo muito feliz de ajudar. É difícil, não nego. Mas quando termino o dia, faço o atendimento de todas as pessoas, eu penso: deu certo!”, complementa.
E o futuro? Rodrigo não hesitou em responder que, se tiver oportunidade, continuará atuando no setor humanitário, pois é algo com o que se identificou. “Recebo mensagens de agradecimento dos alunos que passaram pelas turmas dos cursos. É emocionante, porque alcançamos os nossos objetivos. Eu não aguento e entro no choro também. Vamos ao céu! É um êxtase!”, finaliza.
Visão Mundial
O projeto Ven, Tú Puedes é uma resposta da Visão Mundial à crise migratória da Venezuela, que desenvolve ações em Roraima, Amazonas e São Paulo para ajudar migrantes e refugiados a se inserirem socioeconomicamente no Brasil. A iniciativa é financiada pelo governo dos Estados Unidos e beneficiou 40 mil pessoas no ano passado.
Entre os serviços oferecidos estão aulas de língua portuguesa, elaboração de currículos, apoio na emissão da carteira de trabalho digital, encaminhamento ao mercado de trabalho e acompanhamento de entrevistas. Além disso, a organização atua na sensibilização do setor privado, a fim de abrir vagas para esse público. Neste ano, mais de 300 migrantes já tiveram a carteira assinada.