Cotidiano

Mulheres policiais: a leveza e firmeza diante da dureza policial

Cerca de 205 mulheres fazem parte da Polícia judiciária de Roraima; seis delas contam sobre o profissional e o pessoal dentro da realidade da delegacia, perícia e identificação legal

Marcado como um dia para enaltecer a atuação feminina e reafirmar lutas e direitos, o Dia Internacional da Mulher, celebrado neste 08 de março, coloca em evidência a inegociável importância da presença feminina na composição da sociedade. Do ato mais fundamental, que é a capacidade de gerar um ser humano dentro de si, à escolha de superar grandes desafios profissionais, as mulheres indiscutivelmente têm se destacado por seus atributos e capacidades, entre elas fazer parte da polícia.


Darlinda Moura tem 19 anos de carreira como delegada. (Foto: divulgação/PCRR)

“Elas têm levado a Polícia Civil de Roraima, desde o seu início até os dias de hoje, nos braços. Carregando que nem a gente cuida de criança e fazendo uma diferença enorme com um olhar mais humanizado e extremamente profissional”, afirmou a delegada Geral adjunta da PCRR, Darlinda Moura Viana.

Com um efetivo de 758 policiais civis, a PCRR conta atualmente com 205 mulheres ocupando nove dos 10 cargos do organograma da Polícia judiciária estadual, sendo eles o de delegada, agente de polícia, agente carcerária, escrivã de polícia, perita criminal, auxiliar de necrópsia, odontologista, médica legista e perita papiloscopista. Atualmente, ocupando o segundo maior cargo de chefia dentro da PCRR e com 19 anos de carreira de delegada, Darlinda destacou o amor pela profissão, relembrando como é ser mulher dentro da instituição predominantemente masculina.

“As pessoas estão acostumadas a ver policial homem. Depois de um tempo você consegue perceber o porquê delas se espantarem ao ver uma mulher no comando de uma equipe, como agente de polícia ou escrivã. As pessoas ainda se questionam se o local delas não seria outro. Mas aí você vai passando por cima disso, provando seu valor e, de repente, tudo desaparece do seu ponto de vista. O machismo não te atinge, pois você ama o que faz. Isso aconteceu comigo e no começo me incomodava muito, depois foi se dissipando a ponto que não enxergo mais”, contou a delegada Geral-adjunta.

Satisfação em ser policial
Por não ver desconforto na área, a escrivã de Polícia, Luce King, foi a primeira escrivã policial em Roraima enviada para compor a Força Nacional de Segurança. A mulher está lotada na delegacia de Mucajaí e destacou o equilíbrio entre a feminilidade da mulher e a força necessária para agir em situações de confronto ao portar uma arma de fogo.

“Entre os colegas policiais vejo que sou vista com admiração e respeito, isso também ocorre com as outras mulheres. Quando a pessoa chega e vê uma mulher fazendo atendimento na delegacia, com uma postura diferenciada, elas têm admiração e isso se manifesta em respeito pelas mulheres profissionais”, afirmou.

Os desafios e conquistas vividos na profissão inspiram escolhas importantes na vida pessoal. A satisfação por ser policial serve para Luce como exemplo de amor pela escolha profissional e isso ela também procura passar para os filhos. 

“Hoje eu tenho um filho de 22 anos e sempre digo para ele escolher a profissão que ele ama. Pois eu não tenho dia e nem hora para trabalhar. Se existe a necessidade de cumprir um mandado de prisão, por exemplo, eu vou com a minha equipe porque tenho satisfação pessoal no que faço e quero que ele seja assim também”, disse a escrivã.


Luce King, primeira escrivã a ir para a Força Nacional(Foto: divulgação/PCRR)

Peça-chave na resolução dos casos
No caso da perita criminal do Instituto de Criminalística da PCRR, Érica Veras, o sentimento de satisfação é causado pela participação ativa em casos de reconhecimento genético que contribuem com causas judiciais.


Perita Érica Veras destacou admiração interna e externa às mulheres da área. (Foto: divulgação/PCRR)

“Me sinto uma peça importante por contribuir, por meio do meu trabalho, com a justiça. Apesar de ser um trabalho desafiador, onde a realidade concreta dos fatos nos coloca diante de crimes mais cruéis possíveis, e que não cabe romantizar, posso dizer que sou apaixonada pelo o que eu faço. Apaixonada pela perícia criminal” afirmou.

Ela relatou que o maior desafio é conciliar a profissão com a vida pessoal. Para ela é impossível dar conta de todas as tarefas, mas as dificuldades não podem paralisá-la.

“A perita criminal é exigente em tudo o que faz, tem dificuldades de conciliar com vida na maternidade, a esposa, a dona de casa, a acadêmica, dentre outros papéis que precisamos nos desdobrar para cumprir com excelência. Em algum momento, algum desses papéis vai ficar desassistido, prejudicado. A minha ausência é sentida por alguém da família e entre amigos. A casa vai ficar suja até a diarista vir, a roupa amarrotada, louça na pia. Mas vamos seguindo, ajustando a rota, reiniciando e fazendo dar certo com sorriso nos lábios corados com um lindo batom vermelho”, brincou Érica.

Conforme Érica, o lugar de uma perita passou a ser admirado. Nas redes sociais e dentro da Academia policial, as mulheres na polícia vem crescendo e se destacando.

“Não vou dizer que não tenha os machistas, que de vez em quando soltam uns comentários grosseiros, mas a gente os coloca no lugar. De modo geral, nunca tive problemas na perícia por ser mulher, ao contrário, desde a Academia de Polícia me senti empoderada como perita criminal e sinto que sou admirada por outras mulheres. Hoje nas redes sociais, o protagonismo feminino das “mulheres na polícia” vem ganhando destaque, tornando leve e prazeroso exercer essa função de importância social imensurável”, avaliou.

Lutas, empreendimentos e superação
A rotina exaustiva como um agente da segurança pública, mesmo que exercida com amor, as dificuldades por ser mulher, os deveres familiares, às vezes o machismo enfrentado, são fatores claramente abordados pelas mulheres policiais na PCRR. Mas como equilibrar todos os lados e não deixar que tudo isso seja levado ao trabalho e reflita no atendimento à população?


Elivânia Aguiar é diretora do Departamento de Polícia Especializada. (Foto: divulgação/PCRR)

Para a delegada Elivânia Aguiar, diretora do DPE (Departamento de Polícia Especializada) a resposta a esta pergunta, vem com as conquistas obtidas durante todos os anos de atuação. Para ela, sua função possibilitou a realização de muitos sonhos fora das delegacias, o que se torna um importante motivador para desempenhar um bom trabalho.

“Na época que passei no concurso e meu filho tinha completado dois anos de idade, e eu não conhecia ninguém aqui, e eu trouxe ele e fiz toda a academia com ele e realmente foi um desafio gigantesco, ele tinha crises de asma muito fortes, o que me fazia faltar às aulas algumas vezes para poder cuidar dele”, relatou.

Com o desafio vencido e a posse no concurso, Elivânia afirmou ter se descoberto com uma força maior do que imaginava. A experiência vivida é vista como proveito e motivação para superar dificuldades, tanto da vida quanto da carreira, de forma tranquila. Para ela ser mulher e policial é tudo isso:

“Todos os dias, sair de casa para trabalhar nunca foi um fardo, sempre foi algo extremamente prazeroso. O mesmo ocorre com as pessoas que trabalham comigo direta ou indiretamente. Tudo isso me faz bem, seja participar dos eventos pela polícia civil e tentar todos os dias fazer o meu melhor pela minha instituição, seja fazer o meu melhor como mãe, como esposa. Tudo isso é o que me sustenta todos os dias”, revelou a delegada.

O medo dentro e fora da Polícia
“Vivi uma história de superação dentro e fora da polícia”, assim respondeu a agente de polícia Elisângela Lira de Melo. Atualmente lotada no Denarc (Departamento de Narcóticos), ela lembra como precisou vencer seus próprios medos para estar na rua hoje, investigando e atuando como uma agente de polícia, motivo de orgulho para ela.

“Foi uma superação comigo mesma, porque eu tinha muito medo do manuseio da arma, tanto é que eu me travei por anos para ir às ruas. Por medo de machucar alguém, tomar uma atitude errada. Mesmo sempre tendo o apoio de outras mulheres policiais, elas vinham pra me ensinar e falar pra eu não ter medo que daria certo”, disse. 

A agente venceu um segundo desafio em sua vida, almejar a cura do câncer de mama.

“A doença em si nos assusta. Foi desafiador tudo o que passei. Eu vinha nesse processo de me abrir para a vida. Vivia em um mundo fechado de responsabilidades, primeiro a família, primeiro as pessoas e eu sempre por último. Adoeci porque eu não olhei pra mim. Não me cuidei quando era pra cuidar e não olhei para o meu corpo, para o meu emocional, porque ele também conta e é muito importante”, disse.

O apoio dos colegas e da chefia da instituição foram fundamentais no processo de Elisângela. De acordo com ela, eles a ajudaram a conseguir o TFD (Tratamento Fora de Domicílio) e a fez se sentir ainda mais integrada na Polícia Civil, já que a carreira não foi sonhada por ela, mas que se tornou o maior motivador para o redescobrimento da vida.

“Quando eu entrei na polícia foi surpresa pra mim, eu fiz o concurso por fazer. Não era um sonho, mas era algo muito especial pra mim. A PCRR veio para me ensinar muita coisa, a criar coragem. A tomar decisões a aprender a me relacionar com os colegas em situações, mas principalmente de superação comigo mesma. Isso tem refletido até em casa, meus filhos se orgulham da mãe ser policial, eles acham legal, tanto é que agora como eu estou mais envolvida na rua, empenhada, atuante, eles estão achando o máximo. Hoje meu coração é só gratidão”, finalizou a agente.


Elisângela enfrentou o medo de portar arma policial e o câncer de mama. (Foto: divulgação/PCRR)

Mulheres unidas diminuem a dureza
Odontologista e diretora do IML (Instituto de Medicina Legal) há sete anos, Marcela Campelo, afirmou que, apesar do ambiente inóspito, ser mulher dentro de um lugar onde se lida diariamente com crimes e mortes, a convivência feminina traz um pouco de leveza. “Apesar de sermos poucas peritas, nós temos muitas funcionárias mulheres e essa convivência entre nós é muito saudável, muito interessante. Assim, a gente consegue diminuir um pouco esse ar de dureza”, afirmou..


Marcela Campelo, odontologista e diretora do IML. (Foto: divulgação/PCRR)

Para Marcela, o local de destaque que alcançou é motivo para buscar sempre entregar o seu melhor, pois acredita ser uma área difícil. “Existem poucas vagas no país para se desenvolver esse trabalho, então isso nos dá uma visibilidade na sociedade. As pessoas me conhecem porque eu sou uma perita criminal e diretora do Instituto”, disse. 

As mulheres fazem a diferença onde quer que estejam, principalmente em áreas tão complicadas humanamente que lidam com adversidades sociais. Marcela acredita nisso.

“Fui a primeira mulher a ser diretora do IML e vejo muitas diferenças desde a forma como incentivamos nossos funcionários a lidar com o público, a forma como tornamos os atendimentos mais acolhedores. A exemplo de tornar o acolhimento de mulheres vítimas de abuso e violência menos traumáticas. Tudo isso, mostra que nós mulheres somos diferentes e essenciais para o desenvolvimento de qualquer atividade”, concluiu a odontologista.

Apesar de tudo o que foi exposto pelas mulheres policiais, a presença feminina em áreas profissionais ainda majoritariamente masculina têm crescido no Brasil e em Roraima. De acordo com um dado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em todo o país, o número de mulheres na Polícia Civil chega a 28%.Para estar cada vez mais presente, elas têm se dedicado para conquistar mais espaço e voz nestes lugares e, a cada novo Dia Internacional da Mulher, muitas outras histórias de superação serão contadas futuramente.