Cotidiano

Ocupações têm fundo econômico e político, diz Prefeitura de Boa Vista

De acordo com Emhur, investigações revelam que, em muitos casos, população é vítima de uma 'indústria' que visa à venda de terrenos

Recentemente, a população roraimense tem observado um aumento no número de ocupações em áreas públicas e privadas na Capital, com casos ocorrendo nos bairros Centenário, Senador Hélio Campos, Pricumã, Cidade Satélite, Conjunto Cidadão, Nova Cidade, Bom Intento, e demais municípios do Estado, como é o caso do município do Cantá. Para os principais órgãos de controle do Estado, a maioria das ações tem um fundo econômico e político.

Segundo Angélica Leite, diretora de Operações da Empresa de Desenvolvimento Urbano e Habitacional (Emhur), responsável pelas questões fundiárias e ordenamento territorial de Boa Vista, o órgão tem realizado um monitoramento constante para tentar coibir as ações de ocupação e tem observado, ao longo das suas análises junto à população, in loco e até em redes sociais, que as invasões aparentam ter uma articulação de fora.

“Boa Vista é uma cidade planejada e viabilizar uma ocupação compromete todo o trabalho, que gera um alto custo para administração e dá início a um processo de favelização que não existe na Capital. Você dar lotes para pessoas, sem condição nenhuma de habitabilidade e apoiar um procedimento dessa natureza é uma irresponsabilidade tamanha”, avaliou a diretora.

Para o Secretário Municipal de Segurança Urbana e Trânsito, Raimundo Barros, parte da população presente nas ocupações está sendo usada por terceiros, sendo patrocinada com recursos financeiros, na promessa de que vão obter um pedaço de terra ao final do processo de regularização fundiária.

“A gente percebe que tem muitas pessoas ali que são usadas por algumas lideranças, pessoas que têm interesse financeiro. A pessoa vai lá, paga outra para ficar lá na área. Dá o alimento, o material para fazer o barraco e a pessoa permanece no local. Em caso de regularização, o terreno vira dele, e esse terceiro comercializa em seguida. Essas pessoas procuram aqueles locais valorizados, próximo às avenidas, às rodovias. É uma indústria, um ato criminoso. Tem muitas pessoas inocentes ali, que estão sendo usadas. Às vezes tem plena consciência que não vão ganhar o terreno, mas sabem que vão ganhar uma diária de serviço, R$ 50 por dia, R$ 30 por dia, para ficar ali”, disse Barros.“A gente consegue ver claramente que é uma indústria. A intenção ali não é ter moradia, é adquirir espaço público para comercializar futuramente”, complementou o secretário.

Com relação à invasão que está ocorrendo no bairro Pricumã, próximo ao Corpo de Bombeiros, o secretário informou que a equipe está avaliando a real situação da área, para saber se o local é de responsabilidade federal e outras questões adicionais, para tomar as providências necessárias. “Nós monitoramos toda a cidade, coibimos todo tipo de ocupação irregular por que é de competência do Município zelar pelo ordenamento territorial. Existe uma legislação federal que dita às regras gerais e determina como tem que ser o parcelamento do solo”, afirmou Angélica.

AÇÃO DE CONTROLE – Para tranquilizar a população, a Prefeitura de Boa Vista informou que tem mantido as ações de controle das invasões constantemente, seja em área pública ou privada, sem distinção e que tem encaminhado os casos para Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Administração e Serviços Públicos (DRCASP) da Polícia Civil. Ontem, 10, foram feitas duas desocupações, nos bairros Cidade Satélite e no Senador Hélio Campos, com o auxílio da Guarda Civil Municipal (GCM).

O secretário também aproveitou para reforçar que existe todo um processo para a realização da desocupação seguido pela Guarda Municipal. “Nós solicitamos inicialmente a desocupação. Quando não há a imediata obediência à ordem legal, aí é usada a força necessária para fazer a desocupação. Mas as pessoas precisam entender que a desocupação será realizada”, informou Barros.

“Muito se comenta que a Ehmur e a Guarda têm agido em excesso, mas não é verdade. Não precisa se valer de um processo judicial para coibir esse tipo de prática, tanto é que a gente está agindo no início para não deixar a ocupação tomar forma. Não tem que se falar de abuso nenhum. A gente manda também a equipe do social, para tentar fazer uma mediação, evitar o conflito, mas eles ignoram, então não tem outro caminho”, complementou Angélica.

Ao final, adiretora de Operações da Emhur reforçou que a população também pode fazer a sua parte, denunciando situações similares na Central 156 ou na própria sede da Ehmur, localizada na Avenida Capitão Júlio Bezerra, 924, bairro São Francisco. (P.C)

Ocupações contribuem para processo de favelização

Para os representantes da Prefeitura de Boa Vista, as ocupações são prejudiciais para a cidade, pois contribuem para a desvalorização do imóvel e para o início do processo de favelização, além de comprometer a qualidade estética da Capital. “Queremos conter esse crescimento horizontal, porque isso é muito caro pra sociedade. Nós vamos ter agora a revisão do plano diretor, em que vamos tratar de um eixo específico de habitação de interesse social”, disse a diretora de Operações da Emhur, Angélica Leite.

A ideia, segundo Angélica, é discutir uma política que viabilize a construção de moradias para atender as famílias de baixa renda.“A gente já está concluindo o plano local. Já depuramos o déficit habitacional. No eixo diretor, a gente vai trabalhar a habitação de interesse social e regularização fundiária. A gente quer uma cidade humana, igualitária e fazer uma justa divisão dos serviços públicos”, afirmou. (P.C)

População deve ficar atenta e desconfiar de facilidades na venda de terrenos

A questão da política de terras é uma situação problemática em todo o País, segundo o cientista político e vereador de Boa Vista, Linoberg Almeida. “Seja em Roraima ou no Brasil como um todo, a questão é um nó. Desatar esse nó depende de repensar e agir sobre mercado imobiliário, políticas habitacionais descontinuadas. Somos todos vítimas de um ir e vir de eleições”, afirmou.

Além disso, o cientista político avalia que a proximidade de um processo eleitoral estadual retoma temas estadualizados como Terras e Habitação, com a aparição de personagens articulando invasões e que fazem promessas ilusórias, com cunho politiqueiro. “Ocupações políticas são legítimas na ordem democrática. No entanto, usar pessoas que sobrevivem nos aluguéis, migrantes, expulsos dos campos, periféricos em golpes midiáticos é criminoso”, declarou o professor.

Para isso, a recomendação é que a população fique atenta às manobras e práticas políticas visando benefício de terceiros, em especial, quando se trata da regularização fundiária. “Quando a esmola é grande deve-se desconfiar, especialmente quando o perfil eleitoreiro é identificado: contratos confusos, reuniões às escondidas na calada da noite, grupos que se deslocam para regiões tradicionalmente alagáveis. Hoje a ilusão da casa própria; amanhã defesa civil na porta, móveis perdidos em alagamentos e chuvas, pouco acesso à política urbana”, avaliou. (P.C)