A OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou nessa sexta-feira (26) que a nova cepa do SARS-CoV-2, a ômicron, é uma variante de preocupação (VOCs), a quinta classificada dessa forma. Mas essa nova variante surpreendeu os cientistas pelo número oito vezes maior de mutações de outras cepas já classificadas como de preocupação, além da velocidade de contágio.
A OMS aponta que a variante foi detectada a taxas mais rápidas do que os surtos anteriores de infecção. “A ômicron tem um conjunto de mutações em número inédito na proteína Spike: são 32 alterações entre mutações e deleções, sendo dez na região RBD [principal sítio de ligação às células e um dos principais alvos de anticorpos]. Nas demais variantes de preocupação, esse número de mutações [na Spike] fica entre três e quatro”, explica.
Hoje, as vacinas já criadas contra a Covid-19 têm como alvo justamente a proteína Spike, que reveste o coronavírus. Ela é associada à capacidade de entrada do vírus nas células humanas e é um dos principais alvos dos anticorpos. Foram mutações nessa proteína, por exemplo, que tornaram a delta mais contagiosa.
Segundo a OMS, a nova variante é a mais “significante” detectada até agora e tem alto potencial de propagação. Ela foi descoberta originalmente na África do Sul há duas semanas (com 22 casos) e já circula em alguns países do mundo. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) recomendou que o Brasil adote restrições de voos a seis países africanos. No mesmo dia, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, informou que, a partir de segunda-feira (29), o Brasil fechará as fronteiras aéreas para África do Sul, Botsuana, Eswatini, Lesoto, Namíbia e Zimbábue. “Vamos resguardar os brasileiros nessa nova fase da pandemia”, escreveu Nogueira.
“A evidência preliminar sugere um risco aumentado de reinfecção com esta variante, em comparação com outras variantes”, diz informe do Grupo de Aconselhamento Técnico sobre a evolução do vírus SARS-CoV-2, logo após a classificação da OMS.
O documento afirma ainda que há uma evidência de que Ômicron é capaz de transmissibilidade do vírus, como foi visto na África do Sul. “Nas últimas semanas, as infecções aumentaram abruptamente, coincidindo com a detecção da variante ômicron. A primeira infecção confirmada conhecida foi de uma amostra coletada em 9 de novembro de 2021.”.
No continente africano, apenas 7% dos habitantes estão totalmente vacinados – o que facilita o surgimento e a disseminação de novas variantes.
A nova variante preocupa a OMS. Além disso, países da Europa, por exemplo, já fecham suas fronteiras para tentar conter a disseminação da nova cepa. A Bélgica detectou nessa sexta o primeiro caso da nova variante no continente europeu. “O que impressiona nesse número [de mutações na Ômicron] é que denota uma taxa de evolução acima daquela que vínhamos observando, similar ao que vimos no final do ano passado”, explica o virologista Fernando Spilki.
Para o virologista Felipe Naveca, da Fiocruz Amazônia e que coordenou a descoberta da variante Gamma, o mundo deve acompanhar com muita atenção as informações sobre a nova variante. “Ela tem esse número muito grande de mutações na Spike, incluindo diversas já apontadas como mutações de preocupação. Além disso, ela já foi associada a um aumento de casos nas localidades onde foi encontrada”, diz.
“Esse resultado é mais um que mostra a importância da vigilância genômica, especialmente em um contexto pandêmico e como não podemos nos enganar achando que a pandemia acabou”, diz Naveca.
Como uma variante vira de preocupação
Antes de entender como uma variante é classificada de preocupação, é preciso saber que os vírus passam por mutações constantemente. Isso é natural e pode ocorrer a cada nova cópia que ele gera no ser humano. Quando essas mutações ocorrem e dão a ele uma vantagem em termos evolutivos, ele começa a ganhar território e se espalhar de forma mais rápida. Essas mudanças se consolidam e temos aí uma variante.
Fatores para que uma variante seja declarada de preocupação pela OMS
Aumento da transmissibilidade ou alteração prejudicial na epidemiologia da Covid-19;
Aumento da virulência ou mudança na apresentação clínica da doença;
Diminuição da eficácia das medidas sociais e de saúde pública ou diagnósticos, vacinas e terapias disponíveis.
A análise para chegar à conclusão se ela é ou não de preocupação é feita por meio de uma avaliação comparativa, que verifica se há uma ou mais das alterações nesses três itens em um grau capaz de afetar a saúde pública global.
Segundo Fernando Spilki, a definição se uma variante é ou não se preocupação é feita de forma colegiada com corpo técnico de vários países. “Essa é uma decisão consorciada, pensada no colegiado. As pessoas que participaram da reunião na OMS chegam a essa conclusão a partir de um consenso que está muito relacionado a questões que já foram observadas, como o potencial que uma variante pode ter em gerar um grande número de casos”, diz.
Hoje, existem 5 variantes denominadas de preocupação em circulação no mundo:
Alpha (Identificada no Reino Unido);
Beta (África do Sul);
Gamma (Brasil);
Delta (Índia);
Ômicron (África do Sul).
Apesar de a Gamma ser uma cepa nacional, ela foi “superada” na disputa de espaço com a Delta, que hoje já responde por mais de 90% dos casos de Covid-19 no país, segundo a rede genômica da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
Para Spilki, ainda é cedo para saber o poder que a variante Ômicron terá para “furar” os efeitos das vacinas usadas hoje no mundo. “Isso tem que vir de experimentos de laboratório. Ela tem mutações que já foram encontradas em outras variantes, que davam uma perda parcial de neutralização por anticorpos, mas outros esquemas vacinais e a própria dose de reforço conseguiram suplantar adequadamente. Mas é algo que, a partir de agora, com os resultados de laboratório e das observações a campo, é que a gente vai poder dizer com mais certeza”, afirma.
“As plataformas vacinais disponíveis hoje têm uma capacidade de serem atualizadas mais rápido, caso seja necessário. E já existe uma declaração inclusive das grandes produtoras de vacinas dizendo que já estão trabalhando nisso. Então, independentemente do que aconteça, é importante que as pessoas entendam que já tivemos variantes anteriores e a coisa mais importante foi evoluir na vacinação”, disse Fernando Spilki.
A Pfizer anunciou que levaria cerca de 100 dias para desenvolver e produzir uma vacina sob medida para a nova variante do coronavírus, caso necessário. Um porta-voz da farmacêutica informou que a empresa já está estudando a B.1.1.529 e deve divulgar os primeiros dados “em no máximo duas semanas”.
*Com informações do UOL