No caminho da Venezuela para o Brasil, a falta de alimentação acompanhou a família de Analis del Carmen Barroso. Casada, a migrante que é mãe de quatro filhos relembra que, quando havia comida, os filhos rejeitavam o único prato: garbanzo, uma espécie de ensopado, doado pela irmã. Ao chegar a Pacaraima, em fevereiro deste ano, viu a situação de insegurança alimentar continuar assolando a família, com redução significativa de itens na dispensa.
“Meus filhos diziam: ‘mãe, não quero comer isso’. Muitas vezes não comemos proteínas. Meu esposo trabalhava e foi demitido. Tínhamos que fazer render a comida, e fizemos um curso intensivo na Venezuela”, compara. “Conhecemos pessoas em situação muito pior. Já sabemos como reagir. Compramos apenas o necessário, tentando variar apenas para as crianças”, complementa.
Uma pesquisa da World Vision International, divulgada em junho, mostra que 82% de migrantes e refugiados de cinco países, incluindo a Venezuela, não conseguem satisfazer necessidades básicas como alimentação própria e dos filhos. Em cenário semelhante, o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia, da Rede Penssan, também de junho, revela que 33 milhões de brasileiros passam fome.
A família de Analis faz parte do público-alvo de um projeto chamado “Esperança sem Fronteiras”, da ONG Visão Mundial. O foco são ocupações espontâneas em Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, onde o cenário de fome e insegurança alimentar tem se agravado com a crise migratória. As ações são voltadas principalmente para seis regiões de extrema vulnerabilidade: Balança, Florestal, Suapi, Macunaíma, Vila Nova e Vila Esperança.
“Receber a cesta básica é a garantia de que meus filhos vão ter o que comer no jantar, no almoço de amanhã”, afirma Analis.
Garantia de comida
São cerca de 400 famílias venezuelanas e brasileiras vivendo na cidade de Pacaraima em situações, às vezes, degradantes, preocupadas se vão ter o básico para fazer as principais refeições do dia. Neste primeiro momento, 400 cestas básicas foram entregues, além de 400 kits de higiene. A ideia é chegar a 1,2 mil cestas e kits até o fim do ano. O projeto também contempla capacitação por meio de cursos profissionalizantes e de língua portuguesa.
“Essas comunidades abrigam venezuelanos e brasileiros. São pessoas em situação de extrema vulnerabilidade socioeconômica, que necessitam de suporte para alimentar as famílias com qualidade. São pessoas que passam fome. É uma realidade muito triste que precisamos abraçar e ajudar, tanto de forma emergencial, com essas entregas de cestas, quanto capacitando essas pessoas para que consigam emprego e estabilidade financeira”, diz Lusmara López, coordenadora do projeto.
É o caso de Regina Guzmán, que atuava como professora antes de migrar para o Brasil. Ela diz que, por medo, não tinha planos de deixar tudo para trás e arriscar a sorte em um novo lugar, mesmo com as dificuldades na Venezuela. Contudo, resolveu trazer os filhos para perto do pai e acabou ficando. “Receber a cesta básica é a garantia de alimentação dos meus três filhos”.
Essa trajetória, segundo ela, trouxe mais estabilidade para ela e a família. Ainda que esteja vivendo em uma ocupação espontânea, a migrante fala que se sente feliz e tem alcançado bem-estar. Ela lembra que vendeu almoço com uma colega um pouco antes do início da pandemia, o que a ajudou a enfrentar a falta de comida.
“Quando começou a crise sanitária, tivemos que parar. Desde então, não tenho conseguido emprego. Temos tido alimentação devido a doações de algumas organizações humanitárias e religiosas. Não é algo completo, mas ajuda a nos manter. Com a cesta que recebemos vamos garantir alimentação, que é um direito básico”, afirma.
Regina declara que, para o futuro, espera estabelecer uma vida no Brasil, trabalhar e ver os filhos formados. “Tenho esperança de conseguir oportunidades com a minha formação. Também quero que meus filhos vão para a universidade e se tornem bons cidadãos”, fala.