Nos últimos dias, o município de Pacaraima foi palco de conflito internacional envolvendo Brasil, Venezuela e Estados Unidos. Ataques com armas de fogo e bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela Guarda Nacional Bolivariana (GNB) contra manifestantes desarmados e uma tentativa frustrada de entrega de mantimentos da ajuda humanitária, além do fechamento da fronteira e alta demanda de atendimentos de saúde no Hospital Délio Tupinambá, foram algumas das cenas registradas.
A equipe da Folha acompanhou também a movimentação no sábado, 23, quando a GNB recebeu reforços na fronteira e aumentou o número de agentes para cerca de cem, com o intuito de impedir o tráfego de pessoas e também a entrada dos dois caminhões com arroz, leite e medicamentos doados pelo governo federal e Estados Unidos.
Houve muitas reclamações de venezuelanos que queriam retornar ao seu país e de caminhoneiros brasileiros que foram impedidos de sair de Santa Elena de Uairén com seus veículos. A alternativa de manter caminhos pelas serras, desviando cerca de cinco quilômetros da rodovia federal, foi o modo encontrado por quem desejava realizar a travessia.
Em coletiva de imprensa realizada na sede da Polícia Federal, no sábado pela manhã, os integrantes das equipes de ajuda humanitária falaram sobre a chegada dos veículos e sua representatividade. A ação era coordenada pela nomeada embaixadora da Venezuela, Maria Telesa Belandria, porta-voz do autointitulado presidente interino, Juan Guiadó; o ministro de Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, e William Popp, representante da Embaixada dos Estados Unidos.
Os mantimentos eram compostos por seis kits de saúde doados pelo Ministério da Saúde que podem atender até seis mil pessoas por um mês, além de gêneros alimentícios, como leite e arroz. O Brasil concedeu 25 toneladas de alimentos e medicamentos e o restante foi doado pelo governo norte-americano. A informação, segundo William Pop, é que mais mantimentos podem chegar em breve ao Brasil, como café, açúcar e sal.
Na ocasião, o ministro ressaltou que não tinha qualquer expectativa de confronto e que esperava que os ônibus com mantimentos conseguissem passar com calma, mas que a partir daquele momento, a logística seria coordenada pelo governo venezuelano interino.
“Caso a fronteira fique fechada, vamos verificar o que fazer junto com os representantes do governo venezuelano de Guaidó e do Estado. Não existe expectativa de conflito, mas evidentemente o Exército Brasileiro está devidamente preparado. Ressalto que jamais é a nossa intenção de que haja qualquer conflito.”
Caso os mantimentos tenham que permanecer em Pacaraima, o chanceler afirma que a situação não seria um problema, já que os alimentos não são perecíveis e podem ficar na fronteira por tempo indeterminado até que se resolva a situação de passagem dos veículos.
O primeiro veículo chegou a Pacaraima por volta das 9h30. O segundo atrasou porque teve um pneu furado na estrada e só chegou ao município às 12h30. As caminhonetes foram recebidas por venezuelanos que são contra o regime de Nicolás Maduro.
Região deve seguir sendo palco de conflitos nos próximos dias, pois crise parece estar longe do fim (Foto: Priscilla Torres/Folha BV)
Na tarde de sábado, a equipe de apoio do presidente interino Juan Guaidó chegou a divulgar que os caminhões de mantimentos tinham atravessado a fronteira com o Brasil e chegado ao território venezuelano. A informação foi reforçada também pelo Itamaraty e até pelo governo do Estado, porém, os caminhões não atravessaram e ninguém de Santa Elena de Uairén teve acesso aos itens que seriam distribuídos.
Os veículos ficaram estacionados na divisa entre os dois países, no perímetro de território venezuelano, mas nem chegou a se aproximar da barreira humana montada pela Guarda Nacional Bolivariana. Quando questionados sobre a tecnicalidade, a equipe de apoio a Guaidó reforçou que considerava que os veículos tinham sim adentrado o solo venezuelano.
CONFLITO – Já no fim da tarde de sábado, o clima de tensão na fronteira foi intensificado. No primeiro momento, os manifestantes de apoio a Guaidó cantaram músicas de esperança, acenavam bandeiras da Venezuela e escreveram “paz” com tinta branca no rosto. A coordenação da manifestação também distribuiu suco, pães e bolachas, além de água mineral. Um grupo de mulheres até chegou a tentar dar água para os militares da GNB, porém, o auxílio foi recusado.
Pouco tempo depois, um grupo de manifestantes que estavam mais exaltados com a GNB e xingavam os militares, atearam fogo em uma guarita da Guarda que ficava mais próxima do lado brasileiro. Com o tumulto, os agentes se aproximaram e os atacaram com bombas de gás lacrimogêneo e até tiros de armas de fogo contra pessoas desarmadas que respondiam com pedras.
A Polícia Federal em Roraima e a Força Nacional tiveram que agir para conter os manifestantes e atuar no recuo das pessoas, para impedir resultados trágicos. Os caminhões com mantimentos foram retirados do local. A situação foi controlada pouco tempo depois, mas foi considerada como um ato de ataque à soberania nacional pelo Exército Brasileiro.
No domingo, 24, conforme relato de testemunhas em Pacaraima, houve outro episódio similar no fim da tarde, novamente com ataques de bombas de gás, pedras e tiros de borracha. A Força Nacional foi novamente acionada para conter o conflito, controlando a situação, mas o clima de tensão na região continua.