Cotidiano

Pacientes esperam, no chão, por atendimento

Familiares de uma idosa de 63 anos, que morreu no domingo, denunciaram negligência por parte dos médicos

Único hospital público no Estado que presta atendimento de média e alta complexidade, o Hospital Geral de Roraima (HGR) tem enfrentado problemas graves de superlotação. Sem leitos suficientes para atender à demanda de usuários, pacientes são obrigados a esperar atendimento no chão dos corredores.

Os relatos de familiares sobre a precariedade no atendimento do hospital são inúmeros. No domingo, 14, uma idosa ficou deitada na entrada do Pronto Atendimento após sofrer seguidos desmaios. Como não havia leitos para que ela recebesse atendimento, enfermeiros improvisaram uma maca e, horas depois, retiraram a mulher do chão.

Um dia antes, no sábado, a Folha noticiou a denúncia do filho da aposentada Maria Perpétua Pereira da Silva, de 63 anos, que estava internada no HGR desde o dia 9 deste mês por conta de uma pneumonia. Como já possuía um tipo de câncer ósseo, conhecido como Mieloma Múltiplo, a idosa foi encaminhada para realizar avaliação com um cardiologista, mas ficou sem receber o atendimento por dois dias por conta da falta de profissionais na unidade.

Na tarde de domingo, menos de 24 horas após receber o atendimento, a aposentada faleceu na ala do grande trauma do HGR.  Para o funcionário público Nilton Pereira, filho da paciente, houve negligência por parte dos médicos que a atenderam. “Minha mãe teve que aguardar 48 horas para fazer o exame cardiológico. Quando fez, foi constatado que ela apresentava um quadro de secreção no pulmão, o que agravou o problema. Ela foi levada para o grande trauma às 14h30 de domingo para ser medicada e menos de duas horas depois já estava de volta na ala antiga”, disse.

A transferência entre as alas, segundo ele, ocorreu bem antes do tempo necessário de recuperação da aposentada. Além disso, a paciente foi transferida sem o uso do balão de oxigênio móvel, que auxilia na respiração. “Eu imaginava que minha mãe iria passar pelo menos 24 horas no trauma até a medicação fazer efeito. No domingo, o cardiologista ficou desesperado com a transferência dela e levou-a de volta para o trauma, só que ela foi sem a bala de oxigênio. Menos de 45 minutos depois de dar entrada no trauma, ela faleceu”, relatou.

O funcionário público citou a falta de cuidado e compromisso de vários médicos que trabalham na unidade e afirmou que irá entrar com uma denúncia no Ministério Público de Roraima (MPRR) pedindo rigor na fiscalização dos atendimentos. “Médico não é Deus, todos nós pagamos impostos para que esse serviço seja útil. Muitos tiram plantão em casa, tem quatro ou cinco empregos e isso tem que acabar. No caso da minha mãe, foi uma sucessão de má vontade”, lamentou.

CRM diz que fiscaliza atendimentos

A Folha entrou em contato com o Conselho Regional de Medicina (CRM) para saber se o órgão acompanha as denúncias de pacientes sobre atendimentos e superlotação no Hospital Geral de Roraima. Por telefone, o presidente do CRM, Alexandre Marques, disse que a entidade realiza fiscalizações de rotinas não apenas no HGR, mas em outras unidades de saúde da Capital. “Estamos fazendo fiscalização, remetendo para os gestores e órgãos de controle. O fato é que existe uma superlotação por conta do crescimento populacional e da falta de leitos para atender os usuários”, explicou.

Conforme ele, o CRM está encaminhando a situação para órgãos de fiscalização, como o Ministério Público Federal (MPF), para que algo seja feito na tentativa de mudar essa realidade. “É um problema muito ruim esses pacientes morrendo e aguardando atendimento nos corredores, mas estamos alertando os órgãos”, afirmou.

Sobre o caso da aposentada Maria Perpétua Pereira da Silva, ele disse que o Conselho já tomou conhecimento da situação e que abrirá procedimento investigatório para que seja apurado.

Governo se pronuncia sobre o caso

O Governo de Roraima informou que a paciente tinha diagnóstico de mieloma múltiplo – um câncer que afeta originalmente a medula óssea -, motivo pelo qual estava internada na área da oncologia, sendo acompanhada inicialmente por uma hematologista. Na quinta-feira, dia 11, a médica que realizava o acompanhamento sentiu a necessidade de que ela fosse avaliada por um cardiologista, o que ocorreu no dia 12, 24 horas após a solicitação.

Após avaliação por um profissional, o especialista determinou a transferência da paciente ao Grande Trauma, devido à complexidade do caso. O quadro dela chegou a estabilizar-se, mas agravou-se em seguida, chegando a óbito no domingo. Em análise ao histórico médico da paciente, os especialistas que acompanharam o caso informaram que, no mês de abril, ela havia recebido encaminhamento para acompanhamento ambulatorial com um cardiologista, o que não ocorreu.

O governo afirmou que o HGR conta com cinco médicos cardiologistas diariamente, sendo um de sobreaviso e um cardiologista para emitir pareceres em cada bloco, o que deve ocorrer em até 48 horas, conforme preconiza o Conselho Federal de Medicina. “Vale ressaltar que o HGR conta com um médico clínico geral de plantão em cada bloco, com autonomia e conhecimentos médicos para atender a qualquer intercorrência”, afirmou.

“O hospital é a única unidade pública de referência para os atendimentos de média e alta complexidade. Além de atender também situações que deveriam ser resolvidas por meio do atendimento clínico na rede de atenção básica. No entanto, diante do compromisso de prestar a assistência a todos os cidadãos, todos os que procuram o hospital são atendidos. Por conta disso, há momentos em que é preciso seguir os critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde, identificando os casos de urgência e emergência”, complementou.

O governo frisou ainda que está sendo feito um levantamento de toda a necessidade das unidades de saúde em relação à utilização de macas para posteriormente iniciar processo único de compra. “Com essa aquisição dos equipamentos, atenderemos a toda a demanda da rede estadual de saúde, da Capital e do interior, principalmente as áreas de urgência e emergência. Paralelo a isso, o HGR recebeu oito macas em forma de empréstimo da unidade de Iracema, que já estão sendo utilizadas no hospital, ou seja, a Sesau [Secretaria Estadual de Saúde] está empenhada em melhorar cada vez mais a prestação dos serviços, pois medidas alternativas também estão sendo adotadas. Nosso objetivo é assegurar o atendimento a todos de forma igualitária e eficaz”, comentou o secretário adjunto de Saúde, César Penna.