Tem se tornado frequente casos de pacientes que buscam na Justiça a garantia para que o Estado forneça medicação específica para tratamento médico, inclusive com decisão estipulando multas pesadas e responsabilizando gestores da saúde. A Defensoria Pública, Ministério Público e a Justiça comum têm sido cada vez mais procurados por pessoas com doenças crônicas, como diabetes e hipertensão.
A decisão mais recente foi contra o Estado para que ele garanta medicamentos a uma paciente com tumor cerebral, com liminar para cumprimento imediato, sob pena de multa diária de R$ 1,5 mil a ser aplicada ao secretário estadual de Saúde.
Na liminar concedida pela juíza Maria Aparecida Cury, o Estado está sendo obrigado a fornecer o medicamento à paciente ou que pague as despesas feitas por ela para a aquisição do medicamento. Na decisão, a magistrada afirma que “o direito subjetivo do cidadão brasileiro à saúde, tratado extensivamente pela Constituição Federal, é dever do Estado, que deve prestá-lo de modo imediato sem que seja admitida qualquer espécie de escusa ou justificativa”.
Conforme a assessoria de comunicação do Tribunal de Justiça de Roraima (TJ/RR), a demanda de processos relativos ao fornecimento de medicamentos já chega a 20 ações de janeiro a 29 de julho deste ano. Só no período de abril a julho, foram 11 processos remetidos ao juiz auxiliar da Presidência para efetivação de penhora online.
São cerca de 60 mandados de segurança ativos, tendo por impetrado o secretário de Saúde, sendo a maioria referente ao fornecimento de remédio. Em regra, os pedidos de liminares têm sido deferidos, o que garante efetividade e rapidez na prestação jurisdicional, em observância ao artigo 196, da Constituição Federal, que diz: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”
Os números apresentados pela assessoria de comunicação da Defensoria Pública apontam 31 ações encaminhadas este ano, sendo 29 delas em andamento e duas encerradas. Os responsáveis pelas ações são os defensores João Gutemberg Pessoa e Terezinha Lopes, que atuam junto à Vara da Fazenda Pública.
Eles explicaram que o processo inicia quando o paciente ou alguém da família procura a Defensoria, no núcleo que atua junto à Vara da Fazenda Pública, com a documentação necessária e o laudo médico. A partir daí, é feita uma tentativa de resolver a questão administrativamente. Somente com a recusa ou demora na resposta é proposta a ação judicial, com pedido de liminar.
Caso não seja fornecido o medicamento, a Defensoria pede o bloqueio de valores do Estado ou Município para a compra do medicamento ou a realização do tratamento. O pedido vai para o Tribunal de Justiça, que é quem autoriza o bloqueio para ser expedido o alvará.
Quando o alvará é expedido, o TJ entra em contato com o assistido. Caso não consigam, eles ligam para a DPE para que a gente faça esse contato. Então, o assistido vai ao TJ, pega o alvará, vai ao banco e saca o dinheiro, compra o medicamento e logo em seguida vem até a Defensoria para fazer a prestação de contas. Enquanto isso, o processo continua tramitando, pois o magistrado precisa julgar o mérito da ação, para verificar se o paciente faz jus ou não ao pedido.
MPRR – Os pedidos feitos pela reportagem sobre a quantidade de ações movidas pelo Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR), este ano, não foram enviados pela assessoria de imprensa do órgão até as 17h50. (R.R)
Secretário diz que a maioria das ações é de responsabilidade dos municípios
O secretário estadual de Saúde, Kalil Coelho, afirmou que a grande maioria das ações encaminhadas para a Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) é de responsabilidade dos municípios, e não do Estado. “São ações para fornecimento de medicamentos para a cura de doenças crônicas que deveriam ser encaminhadas para os municípios e estão vindo para a Sesau. Temos cumprido a demanda judicial, até porque, se não cumprirmos a determinação, teremos que pagar multas altíssimas”, afirmou.
Segundo ele, esse recurso destinado para a compra de medicamentos, que não são de responsabilidade do Estado, acaba faltando para aplicar em média e alta complexidade. “Para a compra de medicamentos destinados à UTI [Unidade de Tratamento Intensivo], como antibióticos, que é de competência do Estado, não temos recursos, porque ele é limitado”, frisou.
Ele citou que muitas vezes as multas aplicadas chegam a ser de R$ 15 mil para compra de medicamento que não custa R$ 50,00. “São multas pesadas e que cumprimos as determinações para não ter esse valor bloqueado direto na conta”, ressaltou, complementando que a Procuradoria-Geral do Estado já está trabalhando a situação junto ao Judiciário para que as demandas referentes aos municípios sejam encaminhadas diretamente às prefeituras.
“Nossa expectativa é que isso se estruture o mais breve possível e que essas penalidades deixem de nos ser impostas, e a Procuradoria mostre que existem competências pactuadas entre os municípios e o Estado”, frisou o secretário.
O secretário adjunto da Saúde, Paulo Linhares, ressaltou que medicamentos para tratamento de doenças crônicas, como hipertensão, hanseníase, asma, tuberculose, doenças pulmonares e diabete, são de competência dos municípios. “Se o médico passa uma receita de dipirona para dor de cabeça, o HGR não tem e nem é para ter. Mas o HGR tem a dipirona injetável, que é aplicada no paciente internado”, disse. “Com essa receita prescrita, o paciente deve procurar os postos dos municípios, pois é assim que funciona a rede de saúde com os governos federal, estadual e municipal, cada um fazendo sua parte”, frisou.
Ele citou ainda, como justificativa para a falta de alguns medicamentos, a desproporcionalidade de alguns itens encontrados pela atual gestão. “Havia grande quantidade de um determinado item que não está sendo muito usado, e pequena quantidade de outros, cuja procura é alta. Temos que ter a proporcionalidade de demanda para poder fazer a compra na quantidade certa. É isso que estamos fazendo para dimensionar e copilar nossa demanda de acordo com a nossa necessidade, e não comprar errado, nem a menos e nem a mais”, frisou.
Paulo Linhares lembrou que a atual gestão encontrou o setor de medicamentos desabastecido, com apenas 5% do total de itens da cesta básica de medicamentos. “De uma média de 100 itens, alguns tinham apenas cinco unidades e outros não tinha nada. Hoje já temos uma média entre 50% a 70% dos itens necessários”.
Ele destacou a falta de credibilidade das empresas fornecedoras para com o Estado como uma das principais dificuldades encontradas pela atual gestão para finalizar compras e abastecer o estoque. “Como a gestão passada deixou de pagar a algumas empresas, elas não querem participar de licitação de medicamentos porque elas têm dívidas a receber do Estado. Isso tem prejudicado o andamento do nosso trabalho, já que temos que acompanhar a tabela Cmed [Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos]”, explicou.
Outro fato citado por ele é quanto à realização das licitações, por meio de pregões eletrônicos, para as quais não aparecem empresas interessadas em determinados itens, por isso os certamos são dados como desertos e só depois é que pode haver o aumento do preço e/ou fazer a compra direta.