Um esquema fraudulento no recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC) por migrantes venezuelanos estaria acontecendo em Roraima. É o que denuncia o senador Hiran Gonçalves (PP).
À Folha, o parlamentar afirmou que há meses fez um levantamento sobre a migração venezuelana em Roraima e percebeu aumento no número de beneficiários do programa assistencial. Segundo ele, com base em dados do Ministério da Fazenda, 39% do atual BPC a estrangeiros no Brasil é de venezuelanos. O caso já estaria sendo investigado pela Polícia Federal.
“A gente mandou o ofício [ao governo federal]. Há quatro meses a gente deu ciência que tinha problema. E agora [no início de setembro] a gente requereu números do Ministério de Desenvolvimento Social [MDS]. É muito significativo você ter [em Roraima] o número de BPCs para estrangeiros do tamanho de São Paulo. Isso é extremamente suspeito e precisa ser investigado a fundo”, explicou Gonçalves.
O suposto esquema
O BPC é garantido a pessoas com mais de 65 anos ou com alguma deficiência e com renda per capita de grupo familiar abaixo de 1/4 de salário mínimo (cerca de R$ 346, atualmente). A previsão consta na Lei nº 8.742/1993. Para solicitar o benefício, é preciso documento de identidade, CPF e residência comprovada no Brasil, além de registro no CadÚnico, programa do governo federal.
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Assim, o suposto esquema consistiria na vinda de venezuelanos idosos para Roraima para se registrarem no benefício como residentes e regulares no Brasil, mas com retorno ao seu país de origem e deixando o restante da família o cartão de saque do proveito no estado. A situação tem sido observada por meio do aumento de números de solicitações em Pacaraima, segundo Gelbson Braga, Superintendente Estadual do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em recente entrevista à rádio FolhaFM.
Existe uma crescente, em Pacaraima, de comprovantes de residência do município. Então, as pessoas vem, atravessam a fronteira e fixam a residência ali. Ou quando o beneficio é concedido, ele pede a transferência para uma unidade bancária em Pacaraima.
detalhou Braga no Agenda da Semana.
A FolhaBV obteve a informação de que pessoas que se identificam como advogados estariam atuando como intermediários para a retirada de documentos no Brasil. Essas pessoas captam os imigrantes com a oferta de facilitação no processo de residência no país, e depois na inscrição no BPC.
Um imigrante ouvido pela reportagem, e que preferiu não se identificar, disse que uma mulher que se apresentou como advogada, teria afirmado que seria viável aposentar, seu irmão que é deficiente físico e que está na Venezuela, pelo INSS, mesmo ele nunca tendo estado no Brasil.
Em números: o BPC em Roraima
De acordo com os dados da Controladoria-Geral da União (CGU), os valores pagos mensalmente pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC) em Roraima cresceram significativamente nos últimos quatro anos. Em junho de 2020, o repasse foi de R$ 13.585.008,40, chegando a mais R$ 33,1 milhões em junho de 2024, o que representa uma quase triplicação do valor.
Olhando apenas em Pacaraima, município apontado pelo superintendente do INSS em Roraima como alerta, o número de beneficiários também cresce ao longo do período. Pacaraima sai de um registro de 256 pessoas com BPC em junho de 2020 para 855 no sexto mês de 2024. O salto mais expressivo e inicial é visto entre julho (280) e agosto (304) de 2022, quando 24 pessoas a mais passaram a receber o benefício.
Roraima, segundo a CGU, tem 21.980 pessoas beneficiadas com o BPC atualmente, representando 4,88% da população. Somente em 2024, o estado recebeu mais de R$ 220 milhões de repasse.
Direito dos estrangeiros ao benefício
Tanto brasileiros quanto migrantes tem direito ao benefício e o processo de solicitação é o mesmo. No caso de migrantes, no entanto, é necessário haver a regularização e residência no Brasil. A garantia ao BPC para estrangeiros residentes no país é definida por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2017.
Por não haver uma legislação sobre essa situação, em 2021, um projeto de lei foi apresentado à Câmara, pelo deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG), para incluir estrangeiros residentes no acesso ao benefício, com base na decisão do STF. O PL 2328/2021 tramita em caráter conclusivo, ou seja, é votado apenas entre comissões designadas. Atualmente, o projeto aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), última comissão a analisar a proposta.