Cotidiano

Patrulha Maria da Penha pode não ser renovada em 2019

Programa que acompanha vítimas de violência doméstica pode não ser renovado por insatisfação de guarnição especializada

Criada em 2016, a Patrulha Maria da Penha presta apoio às vítimas de violência doméstica ou familiar que receberam medidas protetivas de urgência. O projeto que é fruto de um convênio entre o Tribunal de Justiça e a Prefeitura de Boa Vista é considerado sucesso pelos usuários, mas corre risco de encerrar este ano.

É que a ação conta com guarnição especializada da Guarda Municipal de Boa Vista, que realiza visitas e acompanhamento junto às mulheres agredidas fiscalizando se a medida protetiva está sendo cumprida pelos agressores. Entretanto, desde o começo do ano, os guardas manifestam interesse para que o programa seja encerrado.

Desenvolvido pelo Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) em parceria com a Prefeitura de Boa Vista, o monitoramento feito pela Patrulha garante mais tranquilidade e segurança para as vítimas em situação de violência. Os criadores do projeto acreditam, inclusive, que a presença dos guardas prestando amparo seja responsável pelo aumento no número de denúncias, já que mulheres sentem mais confiança com o apoio da guarnição.

Uma denúncia feita anonimamente à Folha por uma das usuárias do serviço apontou que os guardas estão insatisfeitos com a remuneração recebida e, pelo fato do projeto não ser regularizado por lei, a guarnição especializada teria feito pedidos à Prefeitura para que o contrato não seja renovado, podendo ser cancelado no final deste ano. A decisão tem sido vista com preocupação por parte das vítimas que afirmam que ficarão desprotegidas sem o apoio municipal.

De acordo com a denunciante, os guardas contaram para ela que desejam receber um auxílio-alimentação, o que não teria sido atendido pelo Tribunal de Justiça. “Então eles esperavam receber esse valor, ficaram na expectativa, e se sentiram meio desgostosos com a situação, então não estão querendo mais ajudar a gente que precisa muito. Se não fosse pelos guardas vindo aqui, meu ex-marido não teria me deixado em paz e hoje poderia estar morta”, disse.

A renovação do contrato está prevista para dezembro, mas até o momento, ainda segundo a denunciante não houve nenhuma manifestação favorável por parte do poder municipal, tanto por parte dos guardas quanto da Prefeitura.

A denunciante finalizou informando que o agressor fica amedrontado quando percebe que a mulher que ele persegue está sendo protegida, e que isso possibilita o afastamento necessário. “Apesar de recentemente a prefeita ter afirmado que sofreu uma agressão psicológica e verbal ela não se condoeu da nossa situação. Os guardas municipais não estão recusando, mas não estão trabalhando como antes à espera de receberem algum incentivo”, completou a denunciante.

Violência psicológica é a mais comum e cidade satélite concentra mais casos

Violência psicológica foi a mais frequente, com 272 casos. Na violência moral, relatos das vítimas apontam 167 ocorrências e 155 agressões físicas. Foram 56 tipos de violência patrimonial e quatro sexuais (Foto:Divulgação)

No relatório do primeiro semestre de 2018, da Patrulha Maria da Penha, publicado no site do Tribunal de Justiça de Roraima, já foram atendidas 355 mulheres pela guarnição, que sem o programa, voltariam à vulnerabilidade.

A Patrulha Maria da Penha não tem um prazo determinado para encerrar as atividades depois que recebe o caso pelo TJRR, pode ser de apenas algumas semanas ou até quando a vítima se sentir confortável para não continuar sendo acompanhada, o que pode durar alguns meses.

Em comparação ao mesmo período dos anos anteriores, os números de ocorrências atendidas pela Patrulha Maria da Penha demonstram crescimento. No ano de 2016, foram registrados 199 casos e no ano seguinte, o número subiu para 260.

A violência psicológica foi a mais frequente, com 272 casos. Na violência moral, os relatos das vítimas apontaram para 167 ocorrências e 155 foram agressões físicas. Foram 56 tipos de violência patrimonial e quatro sexuais. Contudo, conforme as próprias vítimas, 63,10% dos relatos demonstram que houve mais de um tipo de violência sofrida ao mesmo tempo.

Dentre as ações visadas pelas medidas protetivas de urgência estão a proibição de frequentar determinados lugares, aproximação com a ofendida e manter qualquer tipo de contato com a mulher. Essas medidas foram atendidas em quase todos os 355 casos acompanhados no primeiro semestre pela Patrulha Maria da Penha. Ainda entre eles, foram constatados 50 registros em que o agressor teve a suspensão da posse ou restrição ao porte de armas.

De janeiro a junho de 2018, a zona oeste de Boa Vista concentrou 84,4% dos casos monitorados, seguido da zona sul, com 6,8% e da zona norte que garantiu 4,8% da demanda.

O bairro Cidade Satélite ficou em primeiro lugar nas quantidades de casos. Senador Hélio Campos ficou em segundo e Caranã completou os três bairros mais violentos para as mulheres boa-vistenses.

Maior parte das vítimas tem entre 20 a 29 anos

Sobre os agressores, a maior concentração está entre 20 a 39 anos, a maioria com ensino médio completo. Quase 70% das vítimas encaminhadas para o Patrulha Maria da Penha declararam que possuem grau de instrução de médio a superior, e 28,71% de fundamental incompleto a médio incompleto. Mulheres entre 20 a 29 anos representaram 33,8% e de 30 a 39 anos são 32,7%. Dessas vítimas, quase 90% mantinham ou mantiveram, na época das agressões, algum tipo de relação com o agressor, ex ou atual marido, companheiro ou namorado.

Venezuelanas também foram acompanhadas pelo projeto, com 21 casos, correspondendo a 5,9% dos casos recebidos. No ano anterior, no primeiro semestre houve apenas um caso envolvendo mulher venezuelana.

TJRR e Prefeitura não dão esclarecimentos sobre denúncia

Por meio de nota, o Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) informou apenas “que não tem conhecimento sobre a possibilidade de encerramento do projeto e por esse motivo, não iria se manifestar sobre o assunto”. A equipe de reportagem procurou a Prefeitura de Boa Vista solicitando esclarecimentos sobre a possível manifestação dos Guardas Municipais em não continuar o serviço e questionou se o convênio da Patrulha Maria da Penha seria renovado, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. (A.P.L)